quinta-feira, 28 de setembro de 2023

Livro; O PROCESSO DE INTERIORIZAÇÃO DA UECE NO SERTÃO CENTRAL

Resumo: Faz um histórico  das primeiras iniciativas em torno da criação de uma faculdade em Quixadá em 1973, pela Prefeitura do Município, que criou através de lei na Câmara Municipal a FACULDADE DE FILOSOFIA DE QUIXADÁ, depois Faculdade João XXIII (1976), até a incorporação pela UECE em 1983 e em seguida a criação da da Faculdade de Educação Ciências e Letras do Sertão Central, da qual fui diretor.

Preço: R$ 30,00, incluindo a postagem pelos Correios.

Contato pelo ZAP (85) 98853 0277.

 

Livro: PROJETO CARQUEIJA - Uma Experiência de Educação Popular e Reforma Agrária da Igreja Católica


 Resumo: Narra de forma analítica a História de um Projeto desenvolvido pela Arquidiocese de Fortaleza, na Fazenda Carqueija, na década de 1960, na zona rural do município de Capistrano. Projeto implantado por Dom José de Medeiros Delgado e coordenado pelo agrônomo da UFC, Raimundo Holanda Farias.


Preço: R$ 30,00 incluindo a postagem.

Nosso contato: Zap (85)98853 0277

Livro: FORMAÇÃO HISTÓRICA DE CAPISTRANO


Resumo; Faz um relato histórico do município de Capistrano, no Ceará, desde o seu povoamento, passando pela Construção da Estação Ferroviária em 1890, a criação do distrito e do município, indo até 1984.

Preço do livro, incluindo frete: R$ 30,00

Contato pelo ZAP 85 98853 0277.
 

quinta-feira, 20 de julho de 2023

JUBILEU DE OURO DA CANONIZAÇÃO DO PADRE CÍCERO PELA ICAB

 Diácono Francisco Artur Pinheiro Alves – ICAB

     Em 1973, portanto há 50 anos, a IGREJA CATÓLICA APOSTÓLICA BRASILEIRA - ICAB, em uma decisão histórica, após um longo processo de discussão, canonizou o Pe. Cícero Romão Batista, que recebeu o título de SÃO CÍCERO DE JUAZEIRO.

Na época esta decisão da ICAB foi muito criticada pela CNBB. Notas foram emitidas pela entidade e por bispos à ela agregados. Mas foi uma decisão acertada, por que está respaldada no testemunho do povo, que guarda fidelidade ao seu padrinho e tem, por seu intermédio, dado testemunho das inúmeras graças que consegue por sua interseção. Por outro lado, é importante lembrar que São Cícero de Juazeiro dedicou sua vida ao povo, principalmente ao povo pobre do Nordeste Brasileiro, em especial o povo do Cariri Cearense. Como diz Jesus no Evangelho, ele se dedicou “aos pequeninos de Meu pai”. Portanto, a ICAB ao canonizar São Cícero, reconheceu uma canonização praticada pelo próprio povo, antes de qualquer instituição. Hoje todas as vozes do Catolicismo, estão advogando a canonização de Padre Cícero

São Cícero de Juazeiro é padroeiro de várias paróquias da ICAB, sendo a principal a da Diocese de Maceió-AL. Neste período de julho, novenas, tríduos, celebrações da palavra e missas, estão sendo celebradas em vários lugares do Brasil, especialmente no Nordeste, comemorando o dia deste santo genuinamente brasileiro e particularmente nordestino. Isso confirma a assertiva da ICAB em canonizá-lo.





            Tudo começou em 1892, quando a Beata MARIA DO ARAÚJO, por dois anos recebia a Santa Eucaristia e a hóstia se transformava em sangue. O Milagre de Juazeiro, como ficou conhecido este fenômeno,  fez com que Pe. Cícero fosse conhecido no Brasil e no mundo e Juazeiro se transformou na Meca Nordestina, recebendo devotos de todo Brasil, especialmente do Nordeste.

            Que a experiência da CANONIZAÇÃO DO PADRE CÍCERO nos desperte para canonizarmos, também, a Beata Maria do Araújo protagonista de um milagre do Santíssimo Sacramento. Este primeiro milagre, mudou a vida de Padre Cícero, do pequeno distrito de Juazeiro e do Cariri.

            A canonização da Beata Maria do Araújo, complementaria este ciclo aberto pela ICAB em 1973 reforçando a importância de reconhecermos a grandeza daquela serva de Deus, que teve uma vida a Ele dedicada e por isso sofreu bastante, não sendo entendida pela Igreja. Mais do que completar um ciclo, é o reconhecimento da de que ela pautou a sua vida no Evangelho de N. S. Jesus Cristo. Sua canonização é o que esperam os devotos do Pe. Cícero e todos os que veem nessa personagem histórica, uma santa.

 

Viva as bodas de ouro   da CANONIZAÇÃO do Pe.. Cícero pela ICAB!

Viva a Beata maria do Araújo!

Viva a Igreja católica Apostólica Brasileira!

Viva a nosso Senhor Jesus Cristo!

sábado, 18 de março de 2023

CAPELA DE TAIPA DE TODOS OS SANTOS NA CARQUEIJA DOS ALVES - CAPISTRANO-CE

Diácono Francisco Artur Pinheiro Alves

 

A CAPELA DE TAIPA DE TODOS OS SANTOS, está situada no entorno do ECOMUSEU RURAL RAIMUNDO ALVES DA SILVA e da BIBLIOTECA PROFA. LOURDENISE PINHEIRO ALVES, na localidade de Carqueija dos Alves, no município de Capistrano-CE. Com a construção da CAPELA, será possível: celebrar a festa religiosa de TODOS OS SANTOS em Novembro, a de Santa Luzia em dezembro  a dos SANTOS REIS em janeiro, além de outras festas de santo durante o ano.

 Outro aspecto interessante neste movimento, é que enquanto CAPELA, a mesma terá um caráter ecumênico, uma vez recebemos pessoas de qualquer credo religiosos que nos visite e deseje participar de nossas celebrações. Por outro lado, pretendemos também, realizar, anualmente um seminário para debater do Ecumenismo ao diálogo INTERRELIGIOSOS, fundamental nos dias atuais, marcados pela intolerância religiosa.

A construção da CAPELA está sendo de forma lenta, pois apenas um ou dois operários tem nos ajudado nesta tarefa, pelo menos uma  vez ao mês, quando fazemos missão na comunidade. Quando estiver toda estruturada pretendemos chamar a comunidade para, assim, realizarmos   mutirões, sobretudo na etapa de colocação do barro, posto que as paredes são muito extensas e pega muito barro.

A capela está sendo construída basicamente com MATERIAIS RECICLÁVEIS: Madeira, telhas, portas, janelas, etc. Tudo recolhido de espaço público, mas também doados por pessoas que estão fazendo pequenas reformas, até aqui na cidade de Fortaleza, e transportado por mim, para Capistrano. Isso é possível, pois é comum se ver este tipo de material nas ruas, nas calçadas, de forma indevida, até. Deste modo, além de estarmos trazendo de volta uma modalidade de ARQUITETURA tradicional, como é o caso da TAIPA, estamos contribuindo com o meio ambiente e com a EDUCAÇÃO AMBIENTAL de nossa juventude e comunidade.

Usamos também madeiras da flora local, como o pau branco, mas usamos de forma sustentável, pois primeiro fizemos um plantio no entorno, a cerca de 20 anos. Agora estamos com este projeto, o que possibilita colhermos os frutos, com o manejo responsável. Retiramos uma tora de pau branco, mas deixamos 2 ou 3 fios na touceira, garantindo a continuidade da espécie. O pau branco é utilizado como caibro, ripa e linha.

Podemos dizer que este projeto tem um cunho religioso, ecumênico, cultural e ambiental, pelas características já descritas. Estas são as premissas básicas deste projeto que teve início em 2016, e que em 2020, esteve parado devido a pandemia, mas estamos retornando paulatinamente, desde o início do ano.

Desde já convidamos a todas as pessoas de boa vontade para contribuir com doações, em MATERIAL USADO: LINHAS, CAIBROS, BARROTES, TELHAS, PORTAS E JANELAS, (nos indicando onde recolhê-los). Aceitamos, também, ajuda em espécie, EM DINHEIRO, haja vista que o temos despesas com COMBUSTÍVEL, cimento, pregos, mão de obra especializada, alimentação dos trabalhadores, dentre outros.

Já iniciamos as celebrações mensais, uma por mês, em honra ao  santo do dia, como afirmamos. Nelas ás vezes fazemos o sorteio de uma CESTA BÁSICA, uma rifa, um movimento qualquer, para angariarmos fundos para o projeto.

A Capela tem 7m de frente por 14 de cumprimento. Só tem barro nas paredes da frente e dos fundos, até o meio. Ano passado realizamos o primeiro Batizado de duas crianças e este ano realizamos um casamento.

Para nos ajudar, inclusive com sugestões, colocamos a disposição nosso ZAP:  85 88530277  e nosso e-mail:  artur.calumbi@gmail.com

AÇUDE DAS PEIXOTAS E CACIMBÃO SÃO FRANCISCO: dois importantes reservatórios hídricos da Carqueija dos Alves e suas histórias.

 Diácono Francisco Artur Pinheiro Alves

Nesta crônica eu abordo a questão da água na Carqueija dos Alves, tendo como base o período da minha vida, que vivenciei esta problemática. É um pouco o resgate da memória do trabalho informal, mas nem por isso menos importante, a memória das e dos botadores de água. Carregar água, como se dizia, era uma tarefa muito cansativa, mas tinha seus momentos lúdicos. Na beira do açude ou do cacimbão, se conversava, contava-se histórias, batia-se um papo, meio rápido, por ser só momento de chegada, carregamento dos utensílio e saída, mas era sim um momento de alegria, de confraternização, por isso classifiquei como momento lúdico.

             Dentro do propósito deste livro, que e resgatar a história e a memória de nossa comunidade trago estes dois reservatórios hídricos o Açude das Peixotas e o Cacimbão de São Francisco,  hoje desativados, para que renovemos a sua memória.

 

1.    1. O Açude das Peixotas

O Açude das Peixotas fica situado às margens da estrada que liga a Carqueija São Mateus à Carqueija dos Alves, no lado esquerdo da via, no sentido daquela para esta.

No tempo que não havia poço, nem água encanada na região, ainda não há na Carqueija dos Alves, mas há poços. Naquele tempo se buscava água na cabeça e no lombo de jumentos.

Então, até a década de 1990, o açude das Peixotas era a Caixa d’água da região. O último a secar e o da água de melhor qualidade. Isso por que tem na sua vazante uma belíssima serra coberta de mata do semiárido, que, suponho, garante a qualidade da sua água.

Segundo o meu irmão Pedro Jorge, o açude teria sido construído ou concluído em 1875, período de seguidas secas no Ceará. Não se tem documento sobre isso, mas com certeza teria sido ainda no Século XIX.

Sendo ali uma propriedade da família Peixoto, recebeu o nome da família. Está escrito no singular, por que flexiona com o nome da   líder da família, a matriarca, dona Maria Peixoto.

Este açude, hoje associado e com sua parede arrombada (a prefeitura nunca ligou em consertá-lo), abasteceu, muitas vezes a Carqueija dos Alves e a Carqueija São Mateus, segurando o fornecimento de água até a chegada do inverno.

Nós tempos de seca, ele secava e só recebia carga no inverno seguinte. Quando já estava só no porão, papai autorizava pescar. Vinha muita gente, os pescadores e os curiosos. Pegava-se muita traíra, sovelas e carás. Muitas vezes, também muçu ou muçum. Estes, mais espertos, fincavam-se na lama.Depois do açude seco a gente cavava e encontrava muçus na lama e, gordos.

Outro destaque que quero registrar falando deste maravilhosos açudinho, é a participação de outro aliado do homem do nordeste brasileiro, até a popularização das motocicletas e dos transportes em geral, do jumentos. A maioria do transporte de água era no lombo de jumentos que levava 4 latas ou 4 canecas d’água, o que correspondia a aproximadamente, 89 litros por caminhada. Eu mesmo carreguei muita água de jumento.

Por último quero registrar outro fato importante. Primeiro na margem esquerda do açude minha mãe sempre plantava um canteiro de coentro e cebola, dava o verão inteiro. Nas vazantes do açude, muitas vezes se plantava feijão ou batata. Houve um ano que o papai plantou tomate e eu aguava todas as tardes. A medida que o açude ia secando, ia-se plantando e tinha-se feijão verde para o consumo de pelo menos uma vez por semana, ali pelos.meaes.de novembro e dezembro, coisa rara na região. Quando não acontecia de um jumento entrar no roçado e comer as verdes folhas e ramas da plantação, o que não era raro, dada a fragilidade das cercas.

Viva o Açude das Peixotas, um dos ícones da Carqueija dos Alves.

 

Escrito ao amanhecer do dia 8 de março de 2023, na Carqueija dos Alves

 

2.    2. O Cacimbão de São Francisco.

 

Na extrema do terreno do vovô com o da Diocese, hoje do Zé Daniel e familiares, tem um cacimbão, que hoje está com anéis, mas nem sempre foi assim.

Este cacimbão tem uma relação muito íntima com as famílias da Carqueija, tanto da Carqueija dos Alves, como a Carqueija Diocese e a Carqueija São Mateus. Isso porque socorreu as famílias locais nos períodos de estiagem. E foram muitos.

Segundo apuramos este cacimbão teria sido marcado, indicado por um padre. Uns dizem que foi o Pe. Cícero São Cícero de Juazeiro outros não chegam a afirmar que padre foi. Como o proprietário do local era uma pessoa muito católica, o Sr. Pierre Aon, de quem já falamos em outros trabalhos, é razoável acreditar que tenha sido realmente a indicação de um padre pois muitos deles tinham conhecimento de hidrologia e geologia geografia, o que certamente influenciou nesta indicação. Mas, seja como for o importante é registrar a importância do cacimbão de São Francisco para toda essa gente.

Segundo o meu irmão Sassá, que botou muita água de lá em 1958, ano de uma grande seca, a pessoa que cuidava do Cacimbão, Sr. Antônio Terto, que morava bem pertinho do mesmo, cuidava com todo carinho do Cacimbão. Tinha um flandre e uma vassoura de relógio (mato que se faz vassoura de terreiro) e todas as tardes ele limpava as fezes dos jumentos que as pessoas traziam para levar água.

O Cacimbão era aberto, tinha uma escadaria que a gente descia até embaixo, para colher a água. Ainda segundo segundo Sassá, o local da água era uma área de uns três metros, dentro da pedra. Tinha umas duas veias d'água, que jorravam água até o nível do lençol freático. Quando tinha muita gente tirando água, nos períodos de seca, faltava água, por alguns minutos,  as pessoas esperavam que acumulasse um volume suficiente para se encher uma cuia e encher os recipientes: latas de querosene, latas de banha, cabaças canecas de madeira, potes pequenos e outros utensílios par colheita da água.

Anos atrás foi feita uma reforma no Cacimbão, foram colocados anéis e fechado a parte das escadarias do seu entorno. Mas até hoje continua com muita água, o que mostra que quem marcou o local daquele Cacimbão, tinha muita experiência neste ofício.

Viva o Cacimbão de São Francisco, que beneficiou tantas famílias e animais, nos momentos mais difíceis de suas vidas, nos períodos de seca.

quarta-feira, 15 de março de 2023

VIRGÍNIA PRUDÊNCIO, uma mulher batalhadora

 


Diácono Francisco Artur Pinheiro Alves

Na década de 1960, foi quando eu tomei conhecimento das coisas da vida. Também foi o período que mais tempo morei na Carqueija. Minhas lembranças são muitas as que me marcara, foram figuras que de algum modo, se distinguiam das demais pessoas. Dentre elas a Virgínia Prudêncio.

Estou tratando-a como Prudêncio, por causa de sua mãe, dona Maria Prudêncio, que nunca vi de perto, mas sabia que estava na casinha dela, que era cega, e vivia deitada. A Virgínia não deixava a gente entrar para vê-la.

Virgínia tinha uma deficiência na perna. Sua perna era curta e um pouco torta. Andava de muleta. Uma muleta bem forrada de pano, bem acolchoada, para ser mais confortável.

Sua casa era bem pequena. Eu menino, baixava a cabeça para entrar. A altura da porta para ela não era problema, pois era baixinha, menor que eu e, em casa, andava se agachando, sem usar sua muleta. A casinha parecia casa de boneca, de tão pequena e tão baixa.

Era ali, entre o terreno do Pedro Jorge e do João César, na época na área do Tio Bado. A casa dela era próxima a mais duas casas, a do Sr. Caraca (o nome dele devia ser Caracas), na beira da estrada e outra que moraram várias pessoas. Todas ligadas ao Tio Bado, que por sua vez, morava abaixo da casa do Vovô, onde é hoje a casa nova do Pedro Jorge, construída pelo Jorge e hoje do Jorge. Mais na frente, na Cabeça do alto, tinha a bodega do Sassá, subindo, por trás da bodega tinha a casa do Zé Bandolim e abaixo depois do Açude das Peixotas tinha a nossa casa do lado esquerdo da estrada , no sentido da Diocese e ainda havia uma casa de morador no alto logo acima de nossa casa, do lado direito, quase na estrema do Zé Daniel. Portanto, entre a casa do Vovô e a extrema do Zé Daniel, era bem povoado Só a casa do papai e a do Sassá, eram de tijolo, as demais eram de Taipa.

Todos os dias a Virgínia ia até a Carqueija. Ia pedir suas esmolas. Naquele tempo não tinha nem Bolsa Família, nem aposentadoria de idosos. Ela vivia da caridade alheia. Diziam que ela tinha um namorado. Um namoro proibido, mas isso não posso afirmar. Certamente teve e era seu direito, amar.

As minhas lembranças dela são estas, em sua casinha, fazendo café em um fogão à lenha no chão. Outra lembrança marcante era vê-la passando na estrada indo a Carqueija. Às vezes passava lá em casa também e a mamãe dava a sua colaboração.

Fica pois o registro desta personagem que marcou a nossa infância na Carqueija dos Alves.

LEMBRANÇAS DO PEDRO CÂNDIDO

 

Diácono Francisco Artur Pinheiro Alves

Pedro Cândido é outro personagem da Carqueija dos Alves, que me interessa registrar, embora tenha pouquíssimas informações sobre ele.

Era filho de dona Maria Cândida, comadre da mamãe. Além dele eu lembro outros filhos dela: dona Laura, Manoel Cândido e Antônio Cândido.

Dona Laura também era comadre da mamãe, lembro muito dela quando morava numa casa próxima à Casa de Farinha do tio Neném, acima do açude dele.

Antônio Cândido era o filho mais novo. Muito inteligente. Aprendeu a ler na escola da mamãe e segunda ela, tinha uma boa caligrafia, requisito essencial para alfabetizados daquela época. Antônio era, como todos ali, agricultor, mas tinha um diferencial dentre os demais da comunidade, era relojoeiro. Era muito amigo do meu irmão Nonato.

O Manoel Cândido, ainda é vivo, tem 90 anos, mora na Carqueija dos Alves, próximo à casa do Fernando do tio Neném, bem na beira da estrada. Tem muitos filhos e netos.

Agora vou falar do Pedro Cândido. Ele era o mais velho dos irmãos. Tinha deficiência auditiva, não sei se a vida toda, mas o conheci quase moco.

Casou-se com a Tereza, que a gente chamava de Tereza Lopes. Ela tinha o cabelo preto, liso, cuidava bem dele lavando com raspa de juá, para vender, quando crescia, à dona Maria Alta, mãe do Prazilde, em Capistrano.

Voltando ao Pedro Cândido, ele foi morador do papai. Morou numa casa que já descrevi em outro texto, que ficava no alto, acima da nossa casa, entre o açude e o terreno do Zé Daniel.

Ele tinha uma voz grossa, mas como tivesse com um bombom na boca. Eu ainda hoje o imito. Era uma pessoa santa. Vivia do trabalho e alheio aos propósitos do mundo. Seu único pecado, era fumar Pé Duro. Se isso for pecado. Talvez fosse melhor dizer, sua única distração era fumar Pé Duro. E é sobre o seu Pé Duro que vou contar uma história dele.

Certa vez ele estava trabalhando próximo de nossa casa e eu estava no roçado com ele. Papai o colocava para trabalhar perto de casa, no roçadinho do entorno da casa. Ele não ia para o adjunto de trabalhadores, na serra, como os demais, geralmente mais novos.

Então nós estávamos trabalhando, limpando mato, quando ele chama o filho dele que ficava por ali, e lhe deu uma missão que passo a relatar, encerrado esta crônica. Disse ele:

"Chico, vá fazer um Pé Duro pra mim e traga acesso".

O Chico devia ter uns 7 anos. Evidentemente, nem precisa dizer que o Chico se tornou um exímio fumante.

domingo, 12 de fevereiro de 2023

CORDEL DA ARARUTA



Francisco Artur Pinheiro Alves
Tabuba Caucaia – julho de 2019
Literatura de Cordel


Peço a Deus inspiração
Para este verso escrever
Tratando da ARARUTA
Para você entender
A riqueza desta planta
Depois de a conhecer

Araruta é um tubérculo
Como se fosse batata
            Da família do gengibe
Nasce no limpo e na mata
Dela se faz a farinha
Na proporção exata

Os índios já consumiam
Araruta com frequência
Extraiam e pisavam
E com muita competência
Tiravam dela a goma
Eles tinham a ciência

Aru-aru ou aru
Os índios assim a chamavam
E os portugueses então
Desse nome não gostavam
Passaram a chamar araruta
E dela se alimentavam

Os indios utilizavam
Na sua  alimentação
Araruta normalmemte
Pois havia plantação
Em todo e qualquer lugar
Litoral, serra e sertão

Foi deles que o sertanejo
Herdou esta  cultura
De consumir araruta
Com toda desenvoltura
Um alimento saudável
Para toda criatura

Como se faz araruta
Agora eu vou dizer
Arranca-se as batatas
E depois de escolher
As de melhor qualidade
Para pra boa massa prover

Selecionadas as batatas
Agora vai-se esmagar
Em um liquidificador
Também pode utilizar
Uma boa forrageira
Para nela triturar

Sendo grande produção
Devemos recomendar
Uma casa de farinha
Para melhor triturar
Usando o catitu
A goma vai apurar

Depois de ser triturada
Você então vai lavar
Com um pano de algodão
Para a goma retirar
A goma fica no fundo
Pois ela vai decantar

Então a goma está feita
Agora é só derramar
A água separou da goma
Após ela decantar
Você derrama a água
E a goma vai retirar

Após este processo
Põe a goma pra secar
Passa.em uma.peneira
Para ela afinar
Continua a secagem
Está pronta pra embalar

Araruta é uma goma
De.excelente qualidade
Pode ser.consumida
Por todos, na verdade
Ela não contém glútem
Esta é a grande novidade

Os celíacos não.podem
O que tiver glúter comer
A araruta portanto
Vai esta lacuna prover
Por não conter o tal glútem
Comsumí-la, vão poder

Mas qualquer uma pessoa
Na dieta regular
Pode comer araruta
Vai bem.se alimentar
Pois araruta é saudável
Você pode experimentar

Onde.encontrar araruta
Agora eu vou dizer
É na CARQUEIJA DOS ALVES
Onde eu tenho o prazer
De plantar araruta
Para lhe oferecer

Use nosso whatsapp
E faça uma ligação
Mande mensagem de texto
Áudio ou gravação
De um vídeo pedindo
Veremos com atenção

Esta era a mensagem
Que gostaria de dar
Leiam mais sobre araruta
Vou agora indicar
O site da EMBRAPA
Para você pesquisar

Lá existe uma cartlha
Com toda informação
Tem tudo sobre araruta
É uma boa opção
Tire alí as suas dúvidads
É a nossa sugestão.

Agora fico esperando
É a sua ligação
Peça ainda  hoje mesmo
Não tenha acanhação
Em baixo eu deixo o número
Pois não tem rima pra ele não

Nossos contatos:
085 98853 0277 (fone e ZAP)


Apoio cultural
Pólo INSTITUTO CALUMBI DE EDUCAÇÃO E CULTURA
Cursos de Graduação e Pós Graduação EAD (Cursos totalmente à distância)
Colégio São José – Maranguape – CE
85 988530277

BIBLIOTECA COMUNITÁRIA  PROFA. LOURDENISE PINHEIRO ALVES
ECOMUSEU RURAL RAIMUNDO ALVES DA SILVA
Carqeuija dos Alves – Capistrano CE




SEBASTIÃO CHICUTE Mestre de Cordel e Reisado

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


 

 

SEBASTIÃO CHICUTE

mestre de cordel e reisado

(Livro completo)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 Autor:  FRANCISCO ARTUR PINHEIRO ALVES

 

 

 

 

 

 

 

Nota do autor:

Texto adaptado para publicação no Blog. Não foram incluídas as fotos dos anexos, que constam no original. Sujeito a modificações na estrutura, mas o texto é original.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Alves, Francisco Artur Pinheiro.

 

A Atividade Cultural e a Obra do Mestre da Cultura Sebastião Alves

Lourenço (Sebastião Chicute) na Perspectiva de uma Educação Patrimonial

Imaterial na Cidade de Capistrano, Estado do Ceará, Brasil.

Assunção (Paraguai): Universidade Autônoma de Assunção, 2011.

 

Tese apresentada para a obtenção do título de Doutor. = 122p

Lista de referências p 117

 

Palavras chaves: Educação Patrimonial. Mestre da Cultura. Reisado.

Cordel. Folclore. Cultura Popular.

 


 

 

INESP

Fortaleza / Ceará

2017

 

Copyright © 2017 by Inesp

 

INESP

 

Presidência

 

George Lopes Valentim

 

 

Assistente editorial

 

Andréa Melo

 

 

Projeto gráfico e diagramação

 

Valdemice Costa (Valdo)

 

 

Ilustração da capa

 

Xilogravura de Otávio Menezes

 

 

Revisão

 

Lúcia Jacó Rocha

 

 

]Assistente de revisão

 

Carol Molfese

 

 

Impressão e acabamento

 

Gráfica do Inesp

 

 

Coordenação de impressão

 

Ernandes do Carmo

 

 

Acabamento

 

Hadson França

 

Francisco de Moura

 

João Alfredo Lanzilotti

Cleomárcio Alves (Márcio)

 

 

 

 

 

 

Catalogado por Daniele Sousa do Nascimento CRB-3/1023

 

A474s Alves, Francisco Artur Pinheiro.

Sebastião Chicute: mestre de cordel e reisado /

Francisco Artur Pinheiro Alves. – Fortaleza: INESP, 2017.

263p. ; 20cm.

 

ISBN Nº 978-85-7973-084-9

 

1. Chicute, Sebastião, poeta popular do Ceará,

biografia. 2. Cultura popular, Brasil, Nordeste. 3. Literatura

de Cordel. I. Ceará. Assembleia Legislativa. Instituto de

Estudos e Pesquisas sobre o Desenvolvimento do Estado.

II. Título.

CDD 398.20981

 

 

VENDA PROIBIDA

 

Permitida a divulgação dos textos contidos neste livro, desde que citados autores e fontes.

 

Instituto de Estudos e Pesquisas Sobre o Desenvolvimento do Estado do Ceará – Inesp

Av. Desembargador Moreira, 2807 – Ed. Senador César Cals, 1º andar Dionísio Torres CEP: 60.170900

Fortaleza - CE - Brasil | Tel: (85)3277-3701 | Fax: (85)3277-3707 | al.ce.gov.br/inesp | inesp@al.ce.gov.br

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

DEDICAÇÃO

Dedico este trabalho,

Em primeiro lugar ao mestre Sebastião Chicute, in memórian

 

Aos meus pais:

Raimundo Alves da Silva, (in memória)

e Lourdenise Pinheiro Alves

 

 

 

À minha esposa, Iraneuda Fernandes

 

 

 

Aos meus filhos:

Artur Júnior, Emanuel Abdalla,

Isabela Fernandes e Antonio Isac

 

 

 

Aos meus irmãos, demais familiares e amigos

 

 

 

Aos familiares do  Mestre Sebastião Chicute, à sua consorte

Luzia Prudêncio e familiares,

a todos os membros de seu reisado e ao povo de Capistrano

 

 

 

 

À Profa. Marta Canese, aos demais professores, funcionários e direção da U.A.A

 

 

 

 

Ao querido povo paraguaio, em especial, os da etnia Guarani

 

Ao presidente do INESP Dr. George Lopes Valentim, à minha colega de universidade profa. Lúcia Jacó, que fez a revisão ortográfica e toda a equipe do INESP

 

 

 

E a todos que direta, ou indiretamente, contribuíram para que eu chegasse até aqui.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


PREFÁCIO

Capistrano é uma cidade cearense conhecida por sua

forte religiosidade e cultura, mas sua popularidade se aguça

por ser berço de Sebastião Alves Lourenço, o Sebastião

Chicute, reconhecido como Mestre da Cultura. O título

foi-lhe conferido por comenda oferecida pelo Governo do

Estado do Ceará, através da Secretaria de Cultura, e acentua

a relevância do que é produzido por ele. O domínio de

sua arte e a capacidade de transmitir seus conhecimentos,

porém, sempre foram inquestionáveis.

 

A atuação de Sebastião Chicute fortalece as artes do Reisado

e do Cordel. A cultura do Nordeste brasileiro também

se engrandece com o Mestre, que já passou pelas moradias

de Capistrano, dançando e cantando as músicas de Reisado,

e agora chega às casas dos demais cearenses juntamente com

sua literatura popular e seus hábitos que continuarão sendo

transmitidos de geração para geração através deste livro

que a Assembleia Legislativa do Estado do Ceará, através do

Instituto de Estudos e Pesquisas sobre o Desenvolvimento

do Estado do Ceará – Inesp, disponibiliza.

 

George Valentim

Presidente do Instituto de Estudos e Pesquisas sobre o

Desenvolvimento do Estado do Ceará – Inesp

 

 

 

 

 

 

APRESENTAÇÃO

 

O escritor ainda apresenta o Município de Capistrano, o

berço do Mestre Sebastião, sua educação, cultura e o modo

como se dá sua religiosidade. Sobre o Mestre, aborda seu

processo de alfabetização, o Reisado e o Cordel em sua vida,

dentre outros assuntos que requerem maior detalhamento e

que, obviamente, se interligam à temática central do objeto

pesquisado. Também deixa explícito o caminho que percorreu

para levantar as informações para a composição desta

obra que a Assembleia Legislativa do Estado do Ceará tem a

honra de disponibilizar aos cidadãos cearenses.

 

Dep. José Albuquerque

Presidente da Assembleia Legislativa do Estado do Ceará

 

 

INTRODUÇÃO

 

O presente trabalho analisa a vida e a produção artística do mestre Sebastião Alves Lourenço, onde busco identificar a relação dessas atividades com a educação patrimonial de cunho imaterial, de acordo com os novos conceitos dessa temática interdisciplinar, a partir de conceitos mais amplos de educação. É fruto de minha tese de doutorado em educação, apresentado à Universidade Autônoma de Assunção, em 2012 e que agora foi adaptado pata publicação como livro, pelo INESP.

 

O problema

Esta pesquisa teve como objeto o mestre Sebastião Alves Lourenço – Sebastião Chicute, mestre de cultura tradicional popular do estado do Ceará, na cidade de Capistrano. Buscou-se analisá-lo em três dimensões:

a)      A partir de sua história de vida.

b)      Seu desempenho como mestre de reisado, uma dança tradicional popular do Brasil.

c)      Seu desempenho como poeta popular, autor de dezenas de livretos de cordel.

 

Objetivo geral

O objetivo deste  trabalho é identificar a contribuição do mestre da cultura, Sebastião Alves Lourenço (Sebastião Chicute), na qualidade de mestre da cultura do estado do Ceará, por sua habilidade  como poeta popular, e mestre de reisado, para a educação patrimonial imaterial, informal, difusa, na cidade de Capistrano, estado do Ceará, Brasil. Além deste objetivo geral, elencou-se alguns objetivos específicos que se registram a seguir.

 

Objetivos Específicos

1.      Compreender o conceito de educação informal, difusa, para além da educação escolar, para a partir desse conceito trabalhar a educação patrimonial imaterial;

2.      Resgatar parte da cultura popular sertaneja, representada pela brincadeira do reisado e pela literatura de cordel  presentes na atividade do mestre Sebastião Chicute;

3.      Compreender a educação patrimonial imaterial como uma ação inerente aos grupos sociais, e que acontece na escola, mas, também, além de seus muros, na comunidade; contribuir com a divulgação, o estudo e a preservação do patrimônio imaterial de caráter popular da cidade de Capistrano, em especial, com as manifestações do grupo de reisado e a literatura de cordel;

4.      Analisar o papel dos brincantes de reisado, enquanto sujeitos históricos responsáveis pelo resgate, transformação, manutenção da tradição de reisado, enquanto manifestação da cultura popular;

 

Panorama geral e alcance do trabalho

Para compreender a contribuição de um mestre da cultura para a educação patrimonial imaterial, tem-se que entender educação de uma forma mais ampla para além da sala de aula.. Para Brandão, “não há uma forma única nem um único modelo de educação, a  escola não é o único lugar onde ela acontece” (Brandão 2007 p.9). A educação sempre existiu, mesmo nas comunidades tribais, onde não havia escola (Aranha,2006). Do mesmo modo, hoje a educação acontece, na escola e fora de seu meio. Daí ser importante o estudo de experiências culturais, que contribuem com a educação patrimonial de uma comunidade. Patrimônio imaterial, no caso em estudo. Por isso, pode-se dizer que, certamente, o registro, a análise, o debate acadêmico em torno da história de vida, pelas artérias da memória, da compreensão das relações e do “modus vivendi” de um mestre da cultura popular, reconhecido por sua comunidade e por seu estado, sua atuação no grupo de reisado e na poesia popular serão uma pequena, mas valiosa, contribuição para nessa tentativa “de organizar metodologicamente as várias expressões artísticas do sertão brasileiro” (Leitão, 1997) pois, com certeza, o mestre Sebastião Chicute é parte deste universo e está neste contexto.

Segundo Cláudia Leitão, Ariano Suassuna “chegou a propor um movimento cultural, a partir das características da arte sertaneja.” A autora analisando esta proposta de Suassuna diz: “Com efeito, a idéia de um movimento cultural não passa de uma tentativa de organizar metodologicamente as várias expressões artísticas do sertão brasileiro, assim como de pesquisar suas origens n  imaginário ibérico. Compreender a cultura sertaneja para Suassuna significa identificar a herança medieval portuguesa e espanhola, observando seu sincretismo com as culturas negra e indígena” (Leitão, 1997p. 96) O município de Capistrano tem uma forte tradição rural haja vista  sua população ainda se concentrar na sua maioria na zona rural. Como tal, vem preservando, mesmo sem o apoio público, a cultura dos reis, enquanto manifestação da cultura, oriunda do catolicismo popular muito presente na história do Nordeste brasileiro.

A preservação desses grupos com condições de transmissão para as novas gerações é um imperativo que deve estar na agenda dos promotores de cultura do Nordeste brasileiro, em particular os de origem governamental.

É um dever dos que trabalham com a cultura local, pesquisar, registrar e estudar, a fundo, as manifestações  populares de nossa cultura pois a cultura popular é riquíssima.

 

Estrutura do trabalho

O trabalho está organizado da seguinte forma: esta introdução na qual se destacam os objetivos, a justificativa e a hipótese; em seguida as duas partes em que foi divido o trabalho, para facilitar a sua compreensão metodológica. A primeira parte contém os dois primeiros capítulos, de ordem metodológica, onde no primeiro capítulo se desenvolve o marco teórico da pesquisa com o título: Apresentando o Marco Teórico;

o segundo capítulo denominado: Marco Metodológico: dialogando com as metodologias utilizadas foi  destinado, como se ver,  ao marco metodológico, no qual se dialoga com a metodologia aplicada na pesquisa. A segunda parte narra os resultados da pesquisa  propriamente dita e está dividida em três capítulos. O terceiro capítulo que tem o título: Discorrendo sobre o mestre Sebastião Chicute, onde se apresentam aspectos da história de vida sobre o mestre, já fazendo uma relação com a escola, mais precisamente sobre o acesso e a negação do acesso a ela. No quarto capítulo com o título: A Educação Patrimonial pela Via da Dança dos Papangus no Reisado do Mestre Sebastião Chicute, discute-se e mostra-se o papel do reisado na educação patrimonial imaterial, informal, ou seja além dos muros da escola, pela sua riqueza de comunicação de fácil aprendizagem por parte dos assistentes e participante. No quinto capítulo denominado: Presença da Educação Patrimonial na Obra Literária Cordelista de Sebastião Chicute, demonstra-se, mais uma vez, a contribuição do mestre da cultura com a educação patrimonial, desta feita pela via da Literatura de Cordel. Por último apresenta-se a conclusão, na qual se reforçam as afirmações e as convicções do autor, sobre a sua tese, que se resume em mostrar a contribuição do mestre da cultura em estudo, para a educação patrimonial local.

 


 

PRIMEIRA PARTE

 

 

PRESSUPOSTOS TEÓRICOS METODOLÓGICOS DA PESQUISA

 

 

     Para melhor definir a estrutura do trabalho e notadamente facilitar a compreensão por parte do leitor, optou-se por dividir o relatório em duas partes. A primeira parte que contém os dois primeiros capítulos, abordam-se as questões de ordem teórico- metodológicas. Dentro da orientação metodológica da UAA o marco teórico e o marco metodológico devem ser definidos no trabalho. Neste caso, o primeiro capítulo foi dedicado ao marco teórico enquanto que o segundo capítulo foi contemplado com o marco metodológico. O relatório de pesquisa ficou na segunda parte em três capítulos.

Espera-se, assim, ter facilitado a compreensão do trabalho.

 


 



 

CAPÍTULO I

 

APRESENTANDO O MARCO REFERENCIAL

 

 

Neste capítulo, discutem-se os fundamentos teóricos que norteiam a presente pesquisa, iniciando-se pela conceituação de educação informal, as várias dimensões de patrimônio, conceitos de folclore e cultura popular e finalmente discutir-se a educação patrimonial.

 

1.1 Discutindo o conceito de educação informal

 

A primeira discussão que se traz à reflexão é o conceito de educação informal, o qual é importante ter clareza, pois é neste campo do saber que se insere a presente pesquisa. Pretende-se fazer um estudo da contribuição do mestre Sebastião Chicute, para a educação patrimonial imaterial, através de sua atividade como mestre de reisado e cordel. E o que seria educação informal, educação extraescolar.

Para Maria Lúcia Aranha, em História da Educação e da Pedagogia Geral e do Brasil:

 “Estamos tão acostumados com a escola que às vezes nos parece estranho o fato de que essa instituição não existiu sempre, em todas as sociedade ... o saber antes aberto a todos tornou-se patrimônio e privilégio da classe dominante. Neste momento surgiu a necessidade da escola, para que apenas alguns iniciados tivessem acesso ao conhecimento” (Aranha, 2006 ps.34 a 36).

Sobre o surgimento da escola, pode-se dizer que, historicamente, no momento em que as atividades econômicas tornam-se mais complexas, surge a escrita e em decorrência do surgimento da escrita, é que surge a escola. Como se percebe, claramente, a educação é um processo contínuo, presente em toda a trajetória da humanidade. As comunidades primitivas eram detentoras de um processo educativo integral, difuso, para o qual não prescindia a necessidade da escola. A escola surge num dado momento, quando uma classe dominante nascente percebeu que era necessário o domínio de códigos de escrita para registro de seus bens materiais oriundos de sua produção.

O que se quer clarear neste momento é a concepção de que a educação é intrínseca á humanidade em todas as suas etapas de desenvolvimento e nos mais variados níveis. Entretanto, no que pese a escola ser um espaço privilegiado para a educação, essa não ocorre somente dentro da escola, pelo contrário, a educação manifesta-se em vários espaços sociais.

Carlos Rodrigues Brandão, ao analisar a temática do surgimento da escola, reforça a tese da existência da educação mesmo fora ou antes da escola. Segundo esse pesquisador:

     “Mesmo os grupos que, como os nossos dividem e hierarquizam tipos de saber, de alunos e de usos de saber, não podem abandonar por inteiro as formas livres, familiares e/ou comunitárias de educação. Em todos os cantos do mundo, primeiro a educação existe como um inventário amplo de relações interpessoais diretas no âmbito familiar: mãe-filha, pai-filho, sobrinho-irmão-de-mãe, irmão-mais-velho-irmão-caçula e assim por diante. Esta é a troca de saber mais universal e mais persistente na sociedade humana. Depois, a educação pode existir entre educadores-educandos não parentes (...) semi-especializados ou especialistas do saber de algum ofício mais amplo ou mais restrito: artesão-aprendiz, sacerdote-iniciado, cavaleiro-escudeiro, e tantos outros. (Brandão, 2007. p.31 e 32). 

O autor reforça a tese de que é o fulcro principal deste trabalho, segunda a qual as atividades desempenhadas por um mestre da cultura são atividades educativas não formais e como tal contribuem, fortalecem, desenvolvem a educação patrimonial, evidentemente, que, no caso em estudo, na vertente imaterial. Voltando ao autor supra citado ele reforça a ideia da educação em um sentido mais amplo e fora da escola, quando afirma que o espaço educacional não escolar é o lugar da vida e do trabalho como por exemplo: a casa, o templo, a oficina, o barco, o mato, o quintal, espaços onde viver o  fazer, faz o saber. (Brandão, 2007. p.32)  

Dentro dessa mesma concepção conceitual, no Brasil, a  Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira, Lei nº 9394/96, cujo projeto de lei foi de autoria do Senador Darcir Ribeiro,  conhecido antropólogo e educador brasileiro, trouxe um novo conceito legal para a educação, recuperando essa visão de amplitude do conceito de educação. Esse conceito está estampado no capítulo I, que assim define educação:

“A educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais” (Lei 9394/96 art. 1º)

Discutindo um pouco sobre este conceito, sua amplitude e uma análise do artigo como um todo, insere-se o que inferiu   o professor e  especialista em LDB,  Moacir Alves Carneiro, em  seu livro LDB fácil, um dos primeiros a analisar a LDB, artigo por artigo. Segundo ele:

  “o artigo em apreço, representa uma ruptura  de dimensão axiologia á medida em que elastece  a carga semântica de educação, imputando-lhe  um atributo de ação do indivíduo sobre o indivíduo para construir seu destino nas mais diferentes ambiências; na família, no trabalho, na escola, nas organizações sociais, etc. Em qualquer destes espaços há um processo formativo, ou seja um chão de aprendizagem, sobre o qual se forma a cidadania. Trata-se, por conseguinte, de uma prática humana eivada de equipamentos de subjetividade e de ações intencionalizadas que focam a construção histórica e coletiva da humanidade” (Carneiro,1997 p 31)

O conceito de educação que se pretende trabalhar no presente trabalho é, também, bem elástico, ou seja, extrapola o conceito de educação escolar, indo além desse. Busca-se nas duas situações, aquela histórica defendida por Aranha de que a educação escolar é posterior, surge num dado momento histórico da humanidade, quando do surgimento da escola, por uma necessidade particular de um sistema de dominação nascente, enquanto que o conceito de educação é anterior, é inerente a todas as sociedades, mesmo aquelas ágrafas. Também no conceito concebido pela Lei Nacional de Diretrizes da Educação, a educação acontece dentre outros espaços, “nas manifestações culturais”.

Especialmente sobre as manifestações culturais referidas no capítulo da citada lei, o autor faz um comentário, que vale a pena aqui registrar, para fortalecer a ideia de educação privilegiada nesta pesquisa:

“trata-se de expressões de cultura enquanto conceito antropológico e se reporta ao mundo que o homem cria através de sua intervenções sobre a natureza, ou seja, através de seu trabalho. Neste sentido, não há cultura superior a outra, há isto sim, cultura diferentes”  (Carneiro, 1997 p. 32)

Para Aranha, ao analisar a origem da escola, “a educação não é privilégio da escola, ela acontece no meio social, cultural, no cotidiano da vida familiar, no trabalho etc”. Mesmo nas comunidades primitivas, onde não existia escola, sempre existiu educação. Nessas comunidades “as crianças aprendem imitando o gesto dos adultos nas atividades diárias e nos rituais. A formação é integral – abrange todo o saber da tribo – e universal, por que todos tem acesso ao saber e ao fazer apropriados da comunidade” (Aranha, 2006 p. 35).

Emile Durkheim, citado por Brandão, reforça o que diz a autora acima, ao explicar o processo educativo das comunidades primitivas da seguinte maneira:

“Sob o regime tribal, a característica essencial da educação reside no fato de ser difusa e administrada indistintamente por todos os elementos do clã. Não há mestres determinados nem inspetores especiais para a formação da juventude; esses papéis são desempenhados por todos os anciãos e pelo conjunto das gerações anteriores” (Brandão 2007. p.18).

Tudo isso para reforçar a tese de que a escola nem sempre existiu, ao passo que a educação, essa sim, sempre existiu na sociedade humana e que mesmo depois do advento da escola, a educação continua acontecer fora dela, embora seja ela o espaço privilegiado para a disseminação do saber, não é o único.

Nesse sentido, o conceito de educação é mais abrangente, não se limita ao espaço escolar pode-se inferir que, necessariamente, não se aprende somente na escola. A escola é um dos espaços, talvez o mais apropriado para a aprendizagem, mas além dela, também, se aprende, e nesse caso, a tradição oral continua sendo uma das formas de transmissão de conhecimento.

A educação de que se está falando é a educação informal, ou não formal, como bem conceitua Moacir Gadotti. Em uma conferência, na Suíça, em 2005, sobre educação formal e não formal, e elabora o seguinte conceito de educação não formal:

“Gostaria de definir a educação não formal por aquilo que ela é, pela sua especificidade e não por sua oposição à educação formal. Gostaria também de demonstrar que o conceito de educação sustentado pela Convenção dos Direitos da Infância ultrapassa os limites do ensino escolar formal e engloba as

experiências de vida e os processos de aprendizagem não-formais, que desenvolvem a autonomia da criança.... A educação não formal é mais difusa, menos hierárquica e menos burocrática. Os programas de educação não formal não precisam necessariamente seguir um sistema sequencial e hierárquico de “progressão”. Podem ter duração variável, e podem, ou não, conceder certificados de aprendizagem.” (Gadotti, 2005:2).

O campo da educação que se está definindo neste estudo é exatamente este, o não formal, como disse o autor acima, não em oposição à escola que é imprescindível na sociedade e deve ser garantida pelos governos para todos. Mas unicamente, neste caso para delimitar o espaço que se está incluindo a ação de um mestre da cultura, sua prática como agente cultural popular e como “tesouro vivo”.

Paulo Freire, também, ilumina, de certo modo, esta conceituação quando lembra que:

“Foi aprendendo socialmente que mulheres e homens, historicamente, descobriram que é possível ensinar. Se estivesse claro para nós que foi aprendendo que aprendemos ser possível ensinar, teríamos entendido com facilidade a importância das experiências informais nas ruas, nas praças, no trabalho, nas salas de aula das escolas, nos pátios dos recreios, em que variados gestos de alunos, de pessoal administrativo, de pessoal docente se cruzam cheios de significação” (Freire, 2009:44).

Como se percebe, Paulo Freire dá importância, enaltece o que ele chama de “experiências informais”, em todos os espaços, dentro e fora da escola. A experiência da brincadeira de reisado, a experiência da leitura de um “romance” de cordel, certamente, estão dentro desse leque de experiências informais de que fala Paulo Freire. E estando-se falando em educação patrimonial imaterial, então é que essas experiências têm relevância.

Pode-se inferir que a educação não formal é o campo de transmissão de saber dos mestres da cultura, os tesouros vivos, em geral, e do mestre Sebastião Chicute em particular.

1.2 A relação cultura e educação

Como acentua Marta Canese de Estigarribia,  “la educación se nutre de la cultura, y a lavez es uno de los aspectos fundamentales de la misma” (Estigarribia 2008:12). Quer dizer, a fonte em que a educação nutre, se apoia, estabelece as suas bases é a cultura. Por outro lado, diz a autora,

“es la cultura la que brinda los contenidos de la educación, al punto de reconhecerse que ésta es el medio por excelencia para transmitir la cultura… Entendemos a la cultura como un conjunto de modelos de conocimiento, de conducta e semióticos vigentes en una geografia y en un tiempo histórico concreto. ”

A cultura é a fonte inesgotável que alimenta a educação e oferece a essa elementos que enriquecem o seu currículo. Cultura, aqui, em um sentido amplo, mas num espaço e tempo definido. Por tanto educação e cultura caminham juntas lado a lado, são complementares, e não excludentes.

Edgar Morin ao analisar a diversidade cultural e a pluralidade dos indivíduos, traz uma conceituação de cultura bastante pertinente e relacionada com o que se está discutindo neste item. Para ele:

“A cultura é constituída pelo conjunto dos saberes, fazeres, regras, normas, proibições, estratégias, crenças, idéias, valores, mitos, que se transmite de geração em geração, se reproduz em cada indivíduo, controla a existência da sociedade e mantém a complexidade psicológica social. Não há sociedade humana, arcaica ou moderna desprovida de cultura, mas cada cultura. Assim sempre existe a cultura nas culturas, mas a cultura existe apenas por meio das culturas. (sic.) (Morin 2000. p. 56).

Trazendo para o que se está estudando, sobretudo no campo dos “saberes, fazeres, crenças, idéias,” que constituem parte do patrimônio cultural em sua esfera imaterial, no que pese à escola tenha papel fundamental no processo de aprendizagem desses elementos da cultura, eles não dependem, exclusivamente, dela para se multiplicarem. Entretanto a assimilação, a compreensão dessa diversidade cultural é o que se constitui o que se chama de educação patrimonial.

 Por outro lado, se a educação não acontece somente na escola, com efeito a educação patrimonial, também, não é um produto exclusivo da escola. Há inúmeras formas de acesso à educação patrimonial, sobretudo quando se está falando de patrimônio imaterial. Pode-se inferir, com segurança, que na brincadeira de reisado e na produção em literatura de cordel, o mestre Sebastião Chicute está praticando cultura e está praticando educação patrimonial, como se verá nos capítulos referentes à descrição da pesquisa na segunda parte deste trabalho.

Feitas essas considerações iniciais sobre educação, educação patrimonial e cultura, passa-se agora para a análise de outros conceitos como o de patrimônio, patrimônio cultural imaterial, para poder-se compreender o que se define como educação e mais precisamente educação patrimonial imaterial vertente onde se incluem as manifestações culturais da brincadeira de reisado e da literatura de cordel praticados pelo mestre da cultura Sebastião Chicute, objeto de estudo desta tese.

 

1.3 Evolução Histórica e Conceitual de Patrimônio

O termo patrimônio é de origem latina, deriva-se da palavra “patrimonium” que se referia a tudo que pertencia ao “pater família”. A cada época, porém, o termo patrimônio foi sendo agregado aos valores de cada cultura dominante, até chegar aos nossos dias. Por exemplo, na Idade Média, manteve o caráter aristocrático mas agregou-se ao caráter religioso, portanto, de natureza  simbólica e coletiva.

Depois, no final da Idade Média e início da Idade Moderna, recebeu a influência renascentista, e novamente enriquecido com a formação dos estados nacionais, ainda na Idade Moderna, quando esses, ao se formarem, trataram de estabelecer os marcos de sua cultura nacional  e delimitar as características de seu patrimônio, para chegar aos nossos dias, na forma delineada pelas Nações Unidas ao longo de sua existência, através de diversas convenções, inicialmente, privilegiando apenas o patrimônio cultural material, para finalmente, em 2003, contemplar o patrimônio imaterial (Funari e Pelegrini os 11 a 28).

Feito esse breve histórico da evolução do patrimônio, passa-se então para uma conceituação do que venha a ser patrimônio cultural. Para tanto, recorrer-se-à, novamente, a Peregrine e Funari, para quem,

“o conceito de patrimônio cultural na verdade está imbricado com as identidades sociais e resulta, primeiro das políticas do estado nacional e em seguida do seu questionamento no quadro da defesa da diversidade. Patrimônio cultural associou-se, nos séculos XVII e XIX com a nação, com a escolha daquilo que representaria a nacionalidade na forma de monumentos, edifícios ou outras formas de expressão.” (Peregrine e Funari, 2008  p.28)

Os autores relacionam a esse fato histórico o surgimento dos museus, e exemplificam: Museu Britânico (Londres), Louvre (Paris), Museu do Ipiranga (São Paulo), como exemplo dessas políticas. Com as críticas ao nacionalismo, surgem os apelos ao patrimônio da humanidade, mais precisamente, no seio da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO). No início, esse movimento valorizava, apenas, os aspectos materiais produzidos pelas elites, aos poucos passou a valorizar as manifestações intangíveis e dos grupos sociais.

A partir de 1930, a identificação do patrimônio histórico, cultural, paisagístico e natural da humanidade foi efetuada, de forma sistemática, por alguns estudiosos preocupados com o crescimento urbano, que passaram a refletir sobre o assunto.

A partir de 1945, a UNESCO engajou-se nesse campo e passou a promover ações reflexivas sobre estratégias pacíficas de desenvolvimento nas áreas das Ciências Naturais, Humanas e Sociais, da Cultura, da Comunicação, da Educação e da Informação. (idem p.32). Em 1954, a Unesco, através da Carta de Haia, conseguiu propor medidas de proteção de bens culturais em caso de conflito armado (idem p.33).

Em 1972, a Unesco consegui mobilizar cerca de 148 países para discutir e aprovar um importante pacto em prol dos bens culturais e naturais da humanidade a Convenção do Patrimônio Mundial. A partir dessa conferência, países, como a Bolívia, passaram a reivindicar uma atenção maior em relação à cultura tradicional popular. Dez anos depois, foi celebrada no México a “Conferência Mundial sobre as Políticas Culturais”, em face da relevância entre a cultura e a identidade dos povos (idem p.34).

A 25ª Reunião da Conferência Geral da UNESCO teve como resultado a ‘Salvaguarda da Cultura Tradicional Popular (1989). Na sequência é publicado o informe da Comissão Mundial de Cultura e Desenvolvimento, denominado “Nossa Diversidade Criativa (1996). Esses documentos são significativos em relação à necessidade de uma sistematização da proteção dos bens culturais e um inventário dos direitos culturais, antes dispersos entre as recomendações  sobre direitos humanos.

Estavam lançadas as bases para um entendimento mais amplo em relação á cultura popular, com a seguinte conceituação:

‘La cultura tradicional y popular es el conjunto de creaciones que emanan de una comunidad cultural fundadas en la tradición, expresadas por un grupo o por individuos y que reconocidamente responden a las expectativas de la comunidad en cuanto expresión de su identidad cultural y social; las normas y los valores se transmiten oralmente, por imitación o de otras maneras. Sus formas comprenden, entre otras, la lengua, la literatura, la música, la danza, los juegos, la mitología, los ritos, las costumbres, la artesanía, la arquitectura y otras artes.(recomendación sobre la salvaguardia de la Cultura tradicional y popular 1989 p1)[i]

Percebe-se aí uma grande evolução conceitual entre os primeiros documentos da UNESCO, no que concerne à cultura e, consequentemente, de patrimônio cultural, consolidando-se com a Conferência de 2003 sobre patrimônio imaterial, como se vê a seguir.

 

1.4 Patrimônio Cultural 

 

Pode-se afirmar que o patrimônio cultural é formado pelo conjunto de manifestações, realizações e representações de um povo, e também de uma comunidade. Ele está presente em todos os espaços e atividades: nas ruas, nas praças; em nossas casas; nas músicas; nas artes em geral, nos museus; escolas; igrejas, nos nossos modos de fazer; de criar e trabalhar. Também nos livros que se escreve, na poesia que se declama, nas brincadeiras, nas religiões e crenças que se profetisa. Ele faz parte de nosso cotidiano e estabelece as identidades que determinam os valores que defendemos. Quanto mais o país cresce e se educa, mais cresce a sua diversidade e, consequentemente, o seu o patrimônio cultural. O patrimônio cultural de cada comunidade é importante na formação da identidade do povo brasileiro.

A Constituição da República Federativa do Brasil estabelece que “o poder público, com a cooperação da comunidade, deve promover e proteger o patrimônio cultural brasileiro. Dispõe, ainda, que esse patrimônio é constituído pelos bens materiais e imateriais que se referem à identidade, à ação e à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira”, (CF art. 16 ) dentre elas destacam-se: as formas de expressão; os modos de criar; fazer; viver; as criações científicas, artísticas e tecnológicas; as obras; objetos; documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais; etc.

Os bens materiais e imateriais que formam o patrimônio cultural brasileiro são, portanto, os modos específicos de criar e fazer, as descobertas e os processos genuínos na ciência, nas artes e na tecnologia; as construções referenciais e exemplares da tradição brasileira , incluindo bens imóveis tais como igrejas, casas, praças, conjuntos urbanos e bens móveis , como: obras de arte ou artesanato; as criações imateriais como a literatura e a música; as expressões e os modos de viver, como a linguagem e os costumes; os locais dotados de expressivo valor para a história, a arqueologia, a paleontologia e a ciência em geral (IPHAN).

 

1.5 Patrimônio Imaterial

 

Inicia-se a discussão em torno do patrimônio imaterial, fundamental para compreensão deste trabalho, com um fragmento daquilo que a UNESCO considera como patrimônio imaterial  e que, como se verá na sequência deste estudo, terá grandes desdobramentos nos países membros, no Brasil e no Ceará, em particular:

É amplamente reconhecida a importância de promover e proteger a memória e as manifestações culturais representadas, em todo o mundo, por monumentos, sítios históricos e paisagens culturais. Mas não só de aspectos físicos se constitui a cultura de um povo. Há muito mais, contido nas tradições, no folclore, nos saberes, nas línguas, nas festas e em diversos outros aspectos e manifestações, transmitidos oral ou gestualmente, recriados coletivamente e modificados ao longo do tempo. A essa porção intangível da herança cultural dos povos, dá-se o nome de patrimônio cultural imaterial.” (Unesco 2010)

No Brasil, o reconhecimento por parte do governo, dos bens de natureza imaterial como parte do patrimonio cultural brasileiro, é recente. Este reconhecimento deu-se a partir da promulgação da Constitutição Federal de 1988 tendo sido regulamentado com a publicação do Decreto Federal nº 3.551, de 04 de agosto de 2000, assinado pelo Ministro da Cultura, Francisco Welffort e pelo presidente Fernando Henrique Cardoso. O refeido decreto criava o Programa Nacional do Patrimônio Imaterial, no âmbito do Ministério da Cultura (Abreu. 2007:353).

A partir de então, as manifestações artísticas, musicais, a religiosidade popular, puderam receber o reconhecimento como patrimonio cultural brasileiro pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN. Essa vitória era o resultado de uma luta de folclorists, intelectuais e artistas brasileiiros que desde o sec. XIX, se empenhavam em tal desiderato (Abreu 2007: 354).

Pode-se fazer uma relação entre o Decreto nº 3.551 e os Parâmetros Curriculares Nacionais aprovados pelo MEC na gestão do presidente Fernando Henrique Cardoso, em 1996. “Ambos os documentos se relacionam em vários aspectos e sinalizam para uma problemática nova – educacional e patrimonial – para se pensar as noções de brasilidade e identidade nacional” (Abreu, 2007:362).

A proximidade dos PCNs com o Decreto nº 3.551, também, pode ser relacionada a uma dimensão internacional, uma vez que os dois documentos procuram vincular-se e dialogar com as “diretrizes da UNESCO de valorização da diversidade cultural e inscrições de bens de natureza imaterial nas listas dos patrimônios nacional e mundial” (Abreu, 2007:265).

A Unesco, por sua vez, enquanto incentivadora internacional da valorização do patrimonio da humanidade,  reconhece, o patrimônio cultural imaterial como sendo:

“as práticas, representações, expressões, conhecimentos e técnicas junto com os instrumentos, objetos, artefatos e lugares culturais que lhes são associados e que as comunidades, os grupos e, em alguns casos, os indivíduos reconhecem como parte integrante de seu patrimônio cultural. Transmitido de geração em geração, esse patrimônio é mantido e permanentemente recriado pelas comunidades e grupos em função de sua interação com o meio em que vivem e com a sociedade mais ampla (UNESCO 2003).

Segundo Rossano Lopes Bastos, através da Educação Patrimonial, o cidadão pode vir a compreender sua importância no processo sóciocultural no qual está inserido, almejando uma transformação positiva no seu relacionamento com o patrimônio cultural. Esse processo pode interagir com o ensino formal (escolas – que dependem enormemente da disponibilidade dos diretores das escolas e de seu cronograma anual), quanto com o não formal (comunidade do entorno da pesquisa, associações de bairro, etc), devendo sempre direcionar os trabalhos às necessidades das mesmas, relacionando-as ao conhecimento gerado na pesquisa. (Bastos 2010).

Ainda segundo a UNESCO:

“O Patrimônio Cultural Intangível ou Imaterial compreende as expressões de vida e tradições que comunidade, grupos e indivíduos em todas as partes do mundo recebem de seus ancestrais e passam seus conhecimentos a seus descendentes. Apesar de tentar manter um senso de identidade e continuidade, este patrimônio é particularmente vulnerável uma vez que está em constante mutação e multiplicação de seus portadores. Por esta razão, a comunidade internacional adotou a Convenção para a Salvaguarda do Patrimônio Cultural Intangível em 2003.(UNESCO: 2003)

Guardando as devidas proporções, pode-se dizer que é o que acontece, por exemplo, com a brincadeira dos caretas, na dança do reisado. No caso em estudo, o mestre Sebastião Chicute, carrega em sua memória e em sua prática uma tradição já recebida por seus antepassados, “seus ancestrais” de uma festa, de uma brincadeira, de um auto de natal, praticado ao longo dos tempos, e que chega aos dias atuais, naturalmente, adaptados ás condições da atualidade e do meio em que está inserido. Em Danças Dramáticas do Brasil, Mário de Andrade registra uma cantiga de reisado, em 1929, no Rio Grande do Norte, (Andrade, 2000) que naturalmente já era cantada, há muitos anos, por antepassados daqueles que o registrou, e essa mesma cantiga, com o nome de cantiga de porta, é cantada igualmente, quase na sua totalidade, pelo mestre Sebastião Chicute e seu grupo.

“Num mundo de crescentes interações globais”, diz o documento da salvaguarda do Patrimônio Imaterial “a revitalização de culturas tradicionais e populares assegura a sobrevivência da diversidade de culturas dentro de cada comunidade, contribuindo para o alcance de um mundo plural.” (UNESCO Brasil 2003). Ao registrar, analisar a sua importância, está dando-se uma contribuição  para a preservação de manifestações como as que são emanadas do mestre em estudo, contribuindo com a sua preservação, mas sobretudo valorizando a sua ação enquanto componente educativo dentro de uma educação patrimonial difusa, mas nem por isso menos importante para o processo de formação cultural da comunidade onde está inserida.

“Ciente da importância dessa forma de patrimônio e da

complexidade envolvida na definição dos seus limites e de sua

proteção, a UNESCO vem, nos últimos vinte anos, se

esforçando para criar e consolidar instrumentos e mecanismos

que conduzam ao seu reconhecimento e defesa. Em 1989, a

Organização estabeleceu a Recomendação sobre a Salvaguarda da Cultura Tradicional e Popular e vem, desde então, estimulando a sua aplicação ao redor do mundo. Esse instrumento legal fornece elementos para a identificação, a preservação e a continuidade dessa forma de patrimônio, assim como de sua disseminação.” UNESCO Brasil. 2003).

A posição da UNESCO deve atingir a todos os organismos, instituições, conforme está em seu documento, cabendo aos países e suas instituições decidirem como fazer. Nesse aspecto, a escola tem um papel fundamental. Daí porque ao se estudar fenômenos culturais com o presente, dando-se uma contribuição para a preservação de um lado e por outro lado a inclusão desta temática, no debate sobre a educação e quem sabe, paulatinamente, no currículo escolar. Daí porque surge, nos cursos de formação de professores, como é o caso dos Cursos de História da Universidade Estadual do Ceará, da Universidade Estadual Vale do Acaraú e de outras universidades, a disciplina Educação Patrimonial. Para possibilitar aos professores mecanismos intelectuais e didáticos que venham a contribuir na sua pratica docente, que possa levar seus futuros alunos a descobrirem e valorizarem, a partir do seu entorno, o patrimônio imaterial de sua cidade, de seu estado, do seu país e da humanidade como um todo. Tais disciplinas acadêmicas já são reflexos deste movimento que no Brasil se inicia com a Constituição de 1988, passando pelo Decreto nº 3.351 e, em nível internacional com a carta da salvaguarda do patrimônio imaterial, o qual tem como um dos objetivos:

“Estimular os governos, ONGs e as próprias comunidades locais a reconhecer, valorizar, identificar e preservar o seu patrimônio intangível, a UNESCO criou um título internacional, concedido a destacados espaços (locais onde são regularmente produzidas expressões culturais) e manifestações da cultura tradicional e popular.”

E para consolidar um esforço histórico no processo de valorização da cultura e do patrimônio intangível, imaterial,

“Finalmente, em 2003, após uma série de esforços, que incluíram estudos técnicos e discussões internacionais com especialistas, juristas e membros dos governos, a UNESCO adotou a Convenção para a Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial. Essa convenção regula o tema do patrimônio cultural imaterial, e assim complementa a Convenção do Patrimônio Mundial, de 1972, que cuida dos bens tangíveis, de modo a contemplar toda a herança cultural da humanidade.” (UNESCO 2003).

A convenção da UNESCO sobre patrimônio intangível é o documento mais importante nessa área e que norteia, em cada país, em cada comunidade, a importância de preservação de suas identidades, do seu patrimônio imaterial, dos seus bens intangíveis. Esse documento é, também, norteador, de trabalhos de pesquisa de investigação científica, como o presente. Ele mostra que, por exemplo, Mário de Andrade e Câmara Cascudo são exemplos a serem seguidos, evidentemente, que analisados á luz de seu tempo, das condições que lhes foram proporcionadas. E é este o propósito deste trabalho, trazer a luz, evidenciar o papel de um mestre da cultura,  de seu saber e de seu fazer, demonstrando a importância para a educação patrimonial, no seu aspecto imaterial, para a comunidade local e também alhures, posto que pode vir a atingir pessoas em outros lugares, através de instrumentos de comunicação e de pesquisa como o presente trabalho. E neste sentido a convenção da UNESCO é um dos documentos que respaldam, teoricamente, a presente pesquisa e lhes dá sustentação.

Seguindo esse raciocínio, pode-se estabelecer, também, uma relação entre os mestres da cultura, escolhidos pela SECULT, no Ceará, entre os quais, se encontra Sebastião Chicute, por serem “tesouros vivos” da comunidade. E este é o próximo tema a ser desenvolvido neste capítulo.

 

1.6 Educação Patrimonial Imaterial

Toda vez que as pessoas se reúnem para construir e dividir novos conhecimentos, investigam para conhecer melhor, entender e transformar a realidade que nos cerca, estamos falando de uma ação educativa. Quando se faz tudo isso levando em conta alguma coisa que tenha relação com o patrimônio cultural, está se falando de educação patrimonial.

A educação patrimonial nada mais é do que uma proposta interdisciplinar de ensino voltada para questões atinentes ao patrimônio cultural. Compreende desde a inclusão nos currículos escolares, de conteúdos programáticos que versem sobre o conhecimento e a conservação do patrimônio histórico, como está previsto nos Parâmetros Curriculares Nacionais e em alguns programas de cursos de universidades, como foi citado, até a realização de cursos de aperfeiçoamento e extensão para os educadores e a comunidade em geral. Sempre com o objetivo de propiciar informações acerca do acervo cultural, de forma a despertar nos educadores e na própria sociedade, o senso de preservação da memória histórica, conforme orienta a UNESCO (UNESCO 2003).

 

1.7 Sobre Folclore e Cultura Popular

A atividade artística do mestre Sebastião Chicute é basicamente a produção de cordel, mais permanente nos últimos anos e o reisado, ambas inseridas no contexto das tradições folclóricas e da cultura popular de nosso povo. Neste momento pretende-se discutir um pouco sobre essas duas áreas do conhecimento, de maneira a subsidiar o estudo em pauta. Começando com o estudo sobre folclore de Luis da Câmara Cascudo, respeitado folclorista brasileiro, em seu Dicionário do Folclore Brasileiro, define o termo folclore, como sendo:

“a cultura do popular tornada normativa pela tradição. Como no passado, e ao contrário das lições dos mestres, acredita-se na existência dual da cultura em todos os povos.” Para ele, “em qualquer um deles haverá uma cultura sagrada, hierárquica, reservada para a iniciação, e a cultura popular, aberta à tradição oral e coletiva, estórias e acessos às técnicas habituais dos grupos, destinada à manutenção dos grupos, dos uso e costumes no plano do convívio diário. ...O folclore estuda todas as manifestações tradicionais na vida coletiva.” (Cascudo, 2001 ps 240, 241)

Segundo o Dicionário de Conceitos Históricos, “o conceito de folclore está intimamente ligado às noções de povo, de tradição e, como não poderia ser diferente, de cultura, pois de forma simples, folclore é a cultura popular tradicional”.  Nesse sentido, os autores conceituam folclore como sendo o conjunto das tradições, das lendas, das crenças populares e dos costumes de uma determinada região. (Sílvia 2010: 155).

No caso presente, o reisado está dentro desta conceituação de folclore, por ser uma das tradicionais festas populares do ciclo natalino brasileiro. Cascudo define reisado como sendo, “denominação erudita para os grupos que cantam e dançam na véspera e dia de Reis (6 de janeiro) ... O reisado tem sua origem na Idade Média ... O auto popular profano-religioso pertence ao ciclo natalino... O reisado é conhecido também como folia dos reis, boi de reis, e o enredo é sempre a Natividade, os Reis Magos e os pastores a caminho de Belém.” (Cascudo 2001, p.580).

O reisado, também, é denominado de folia de reis ou terno de reis. De uma maneira geral é constituído por grupos, exclusivamente, masculinos, que percorrem as ruas das cidades, sítios e fazendas, geralmente, entre 20 de dezembro e 6 de janeiro. Faz parte do roteiro da folia de reis a visita às casas de acordo com um andamento, previamente, determinado que consta de chegada, pedido de licença para entrar,o agradecimento pela esmola ou comida, e a despedida. (Cascudo, 2001, p. 675).

A principal figura do reisado, sobretudo no Nordeste brasileiro, é o boi. A dança do boi, porém não é específica do reisado, o bumba meu boi é dançado em várias partes do Brasil, cada região com a sua peculiaridade. A grande festa do bumba meu boi ocorre no Maranhão, no entanto, não acontece em dezembro e sim durante os festejos juninos, como é do conhecimento público, posto que há uma cobertura da mídia televisiva nacional muito intensa nesse período. Em outras localidades, como é o caso do Ceará, e mais precisamente em Capistrano, a dança do boi acontece dentro do ciclo natalino, como parte da folia de reis.

Especificamente, sobre o bumba meu boi, Mário de Andrade  registra no livro Danças Dramáticas do Brasil, detalhadamente como se dá essa dança na maioria dos estados brasileiros, resultado da grande pesquisa feita pelo autor , cujos originais datam da década de 30, sendo a maior parte do ano de 1934.

A pesquisadora que organizou o livro relacionou uma série de regiões das quais Mário de Andrade faz os registros das danças do boi. São elas: O bumba meu boi do Rio Grande do Norte, a mais extensa nos relatos; o bumba meu boi de Humaitá na Amazonas; o bumba meu boi de Belém, Pará; o bumba meu-boi de Vassouras, Rio de Janeiro; e o boi surubi no Ceará. Sobretudo no bumba meu boi do Rio grande do Norte, (Andrade 2002:) o estudo é mais detalhado, tem todas as cenas de vários autos, tem as figuras, as músicas, inclusive, com letra e partitura, é um trabalho de suma importância para a cultura popular brasileira. No que pese ser reservado um comentário para a dança do boi no Ceará, foi no relato das cantigas do boi do Rio Grande do Norte, que se encontrou uma melodia cuja letra é bastante semelhante a cantada pelo reisado de Capistrano, que merece ser citada:

“Ôh! De casa! Ôh! de fora!

Mangerona quem está aí!

Ou é o cravo ou é a rosa,

Ou a flor do bugarí.

      

Eu bati em tua porta,

Pus a mão na fechadura

Eu falei, tu não falaste,

Coração de pedra dura!  (Andrade, 2002:569)

 

Quando da análise do relatório da pesquisa, se fará a comparação e ver-se-á a semelhança. Em o boi surubi, do Ceará, diz o autor de Danças Folclóricas do Brasil:

Cinco melodias sem número, aqui publicadas na mesma sucessão em que as encontrei. Grafadas por Leonel Silva. Sobre o valor das colaborações deste músico cearense residente no Rio de Janeiro, Mário de Andrade deixou uma nota em melodia que doou à Discoteca Pública Municipal de São Paulo e por esta foi publicada: “As peças me dadas por ele, que pude autenticar no Nordeste, me provaram a honestidade e habilidade do recolhedor” (melodias registradas por Meios Não mecânicos” p. 5). No seu “Ensaio sobre Música Brasileira”, Mário de Andrade inclui melodias registradas por Leonel Silva (conf. P. 93 e 94). Esse fato e mais aquela nota parecem garantir que as melodias do “Boi Surubi” foram dadas a Mario de Andrade antes de sua viagem ao Nordeste em 1928-1929”. (Andrade, 2002:559).

As melodias do “Boi Surubi”, dança do boi do Ceará, registradas por Leonel Silva e entregues a Mário de Andrade, estão no conjunto das melodias incluídas nos relatos do boi do Rio Grande do Norte, conforme relata a pesquisadora:

“em minhas explicações do Bumba-meu-Boi do Rio Grande do Norte já indiquei que estas cinco melodias de Leonel Silva estavam numa pasta intitulada “Melodias do Boi”. Como Mário de Andrade não deixaria de ver que seu exato lugar seria entre as demais versões do bailado não tive dúvida em mudá-lo para cá” (Andrade, 2002:559 e 560).   

No mais é conveniente salientar que a obra de Mário de Andrade, além de detalhar todos os momentos, do auto do boi, registra, também, com detalhes as demais figuras que compõem o auto do reisado, encontrando-se dentre elas a figura do “bode” (Andrade 2002: 604) e da “burrinha” (Andrade. 2002:596 e 674), que estão presentes no reisado do mestre Sebastião Chicute de Capistrano.

 

1.8 Mestres da Cultura ou Tesouros Vivos

No campo da conceituação dos mestres da cultura ou “tesouros vivos”, requisito necessário para compreensão do título recebido pelo mestre Sebastião Chicute, trata-se de uma comenda oferecida pelo Governo do Estado do Ceará, através da Secretaria de Cultura do Estado, a 60 pessoas, que sejam depositárias de elementos de nossa cultura tradicional popular e que possam, a partir das investiduras no seleto grupo dos mestres da cultura ou dos tesouros vivos, como é oficialmente chamado, proporcionar a divulgação desses saberes no seu entorno, através de atividades cotidianas relacionadas com o seu ofício, contribuindo, assim, com a preservação da memória e da cultura regional.

Tal política, pode-se dizer, é um reflexo, no estado do Ceará, daquilo que está definido pelo Decreto Federal nº 3.551, de 2000, já citado anteriormente, bem como as orientações da UNESCO, sobretudo da convenção de 2003

Para assegurar a continuidade dessa política, o Governo do Estado do Ceará aprovou uma a Lei nº 13, de agosto de 2003 que define e estabelece as diretrizes da política dos Mestres da Cultura ou Tesouros Vivos do Ceará. A lei foi assinada pela Secretária de Cultura Cláudia Sousa Leitão, uma estudiosa da temática dos “caretas” e governador Lúcio Gonçalo de Alcântara.

 

Considerações Finais Sobre este Capítulo

Todos esses conceitos e teorias abordados neste capítulo são, em última instância, o que foi estudado e delimitado como marco teórico do presente trabalho. Entretanto, como é sabido, o marco teórico, no que pese está contemplado em um capítulo, estará presente em todo o relatório, direta ou indiretamente. Ou seja, ele se consubstancia neste capítulo em particular, mas abarca a tese como um todo, nos seus demais capítulos, sobretudo na segunda parte, quando se relatará toda a pesquisa. O que não poderia ser diferente.

Para que isso possa ser percebido carece que se faça a leitura do trabalho na íntegra.

 



 

CAPÍTULO II

MARCO METODOLÓGICO: DIALOGANDO COM A METODOLOGIA

 

Em primeiro lugar, deve-se esclarecer que antes e durante a pesquisa de campo, debruça-se em uma revisão bibliográfica para dar suporte à pesquisa. Tal pesquisa bibliográfica evidencia-se no capítulo anterior, quando se discutiram os principais conceitos trabalhados na pesquisa, entretanto estão presentes em todo o corpo do trabalho. Neste capítulo, dar-se-á ênfase à metodologia utilizada durante todo o processo da pesquisa de campo, concluindo, assim, a primeira parte do trabalho que foi destinada às questões de cunho teórico-metodológico.

 

2.1 Metodologia

Pode-se afirmar que durante a pesquisa, três metodologias foram contempladas, ou melhor, foram as mais utilizadas: a história oral, como método de colheita de parte das informações, sobretudo aquelas derivadas da vida do mestre Sebastião Chicute; a pesquisa etnográfica como suporte de compreensão do universo estudado, contribuindo, sobretudo, para a análise da dança do reisado, e a pesquisa qualitativa, cujo recurso se aplica no processo de análise  de todos os dados.

 

2.1.1 Pesquisa qualitativa

A metodologia utilizada neste trabalho, em toda a sua extensão foi qualitativa. Muito embora tentando reduzir as fronteiras metodológicas, dentro de um estudo com diversas nuances, complexo, em que envolve, história de vida, descrição etnográfica de elementos culturais, utilizou-se de técnicas como a história oral, e se utilizou de uma descrição etnográfica, quando o relato da pesquisa requisitou esse procedimento. O marco essencial do percurso metodológico do presente trabalho, entretanto, é de uma pesquisa qualitativa, uma vez que não privilegia dados quantitativos, mas analisa situações, manifestações culturais e, até certo ponto parte de uma história de vida de um mestre da cultura, um “tesouro vivo”.

Sobre essa corrente metodológica, pode-se afirmar que a pesquisa qualitativa preocupa-se, basicamente, com uma realidade que não pode ser quantificada, respondendo a questões muito particulares, trabalhando um universo de significados, crenças, valores e que correspondem a um espaço mais profundo das relações, dos fenômenos que não podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis, como é o  caso de um estudo sobre um mestre da cultura (3). ((Spindola, Santos, 2003, p.120).

Sobre a relação da pesquisa qualitativa com história de vida, uma das nuances dessa pesquisa, Maria Ângela Silveira Paulino, analisando o tema, é enfática ao afirmar:

O universo não passível de ser captado por hipóteses

perceptíveis, verificáveis e de difícil quantificação é o campo, por excelência, das pesquisas qualitativas. A imersão na esfera da subjetividade e do simbolismo, firmemente enraizados no contexto social do qual emergem, é condição essencial para o seu desenvolvimento. Através dela, consegue-se penetrar nas intenções e motivos, a partir dos quais ações e relações adquirem sentido. Sua utilização é, portanto, indispensável quando os temas pesquisados demandam um estudo fundamentalmente interpretativo. (Paulino, 1998 p.136)[ii]       

No caso da presente pesquisa, ao se investigar a contribuição de um mestre da cultura na educação patrimonial imaterial de sua cidade e região, a pesquisa qualitativa é valiosa, corroborando-se com o que afirma a autora acima.

Ainda em relação a essa metodologia, e de outro prisma, assim, se manifesta Rosália Duarte:

“Vencida a etapa de organização, classificação do material coletado, cabe proceder a um mergulho analítico profundo em textos densos e complexos, de modo a produzir interpretações e explicações que procurem dar conta, em alguma medida,

do problema e das questões que motivaram a investigação. As muitas leituras do material de que se dispõe, cruzando informações aparentemente desconexas, interpretando

respostas, notas e textos integrais que são codificados em “caixas simbólicas”, categorias teóricas ou “nativas” ajudam a classificar, com um certo grau de objetividade, o que se depreende da leitura/interpretação daqueles diferentes textos. (Paulino, 1998 p. 137).

De posse do material colhido ao longo da pesquisa, foi-se estabelecendo o nível de análise para cada tema ou assunto que se pretendeu privilegiar, por entender que fizesse parte dos objetivos estabelecidos para pesquisa, muitas vezes tais e quais como estavam no projeto e em outras ocasiões redimensionados, em face dos dados disponíveis, mas sempre na mesma direção.

Nesse processo de organização e análise dos dados da pesquisa, pode-se assegurar que foram captadas informações, dados, não só de forma sistemática, através de entrevistas formais, houve um certo grau de observação, de movimentos, de gestos, de entonações, que fugiam ao alcance da captação de uma entrevista colhida em data marcada, de maneira formal. Sobre isso a autora, também, se manifesta dizendo:

“Assim, fragmentos de discursos, imagens, trechos de entrevistas, expressões recorrentes e significativas, registros de práticas e de indicadores de sistemas classificatórios constituem traços, elementos em torno dos quais construir-se-ão hipóteses e reflexões, serão levantadas dúvidas ou reafirmadas convicções. Aqui, como em todas as etapas de pesquisa, é preciso ter olhar e sensibilidade armados pela teoria, operando com conceitos e construções do referencial teórico como se fossem um fio de Ariadne, que orienta a entrada no labirinto e a saída dele, constituído pelos documentos gerados no trabalho de campo.” (Paulino, 1998 p. 138).

Feita a colheita do material que se achou suficiente para o início da organização e elaboração do relatório, embora fosse necessário voltar ao mestre, sempre que se pretendia ter mais esclarecimento de uma informação ou na falta dela, passou-se à elaboração do relatório. Essa etapa é assim descrita pela autora:

Daqui para frente trata-se de produzir “resultados” e explicações cujo grau de abrangência e generalização depende do tipo de ponte que se possa construir entre o micro universo investigado e universos sociais mais amplos.[iii] (Duarte, 2010)

Como se percebe, a metodologia empregada, a partir da técnica da história oral, está intimamente relacionada com a pesquisa qualitativa, ou seja, história oral e pesquisa qualitativa são complementares, não são excludentes. É o que se pode constatar no relatório da presente pesquisa na segunda parte deste trabalho.

 

2.1.2 Estudo etnográfico

Ainda que essa seja uma pesquisa qualitativa, a interdisciplinaridade faculta o uso de metodologias afins, reduzindo-se as fronteiras metodológicas. Neste sentido, o percurso metodológico enveredado pelo pesquisador contemplou, também, um estudo etnográfico, sobretudo, quando descreve os diversos componentes e as figuras do reisado. Por outro lado, ao abordar questões de história de vida e deter-se em uma extensiva descrição de uma determinada expressão cultural, genuinamente masculina, embora com participação de mulheres, conforme pode ser visto no capítulo quarto deste trabalho.

O que se entende por pesquisa etnográfica? Wielewicki analisa esse tipo de metodologia, a partir de uma conceituação de etnologia:

 “O que é pesquisa etnográfica?

A definição de etnografia encontrada em

dicionários, como normalmente acontece em relação

a disciplinas, é bastante vaga: estudo dos povos e de

sua cultura. Os especialistas, entretanto, também não

têm uma conceitualização definida da disciplina,

nem do que pode ou não ser considerado pesquisa

etnográfica (Hammersley, 1994:01). Apesar das

 diferenças entre os pesquisadores, alguns pontos em

comum podem ser pinçados. “(Wielewicki, 2001 p.28)

A presente pesquisa foi realizada em um lugar, a cidade de Capistrano, abordando uma figura da cultura local, reconhecido pelo órgão de cultura do estado, como mestre da cultura. Ao se analisar a brincadeira do reisado, como os brincantes e seu mestre costumam chamar, a pesquisa etnográfica foi imprescindível, posto que foi realizada uma descrição de cada elemento constitutivo do reisado, tais como personagens e figuras, conforme se verá no capítulo quarto deste trabalho, portanto trata-se de uma pesquisa com características etnográficas, conforme a autora revela:

“Originariamente desenvolvida na antropologia, a pesquisa etnográfica propõe-se a descrever e a interpretar ou explicar o que as pessoas fazem em um determinado ambiente (sala de aula, por exemplo), os resultados de suas interações, e o seu entendimento do que estão fazendo (Watson-Gegeo, 1988:576). Em outras palavras, esse tipo de pesquisa procura descrever o conjunto de entendimentos e de conhecimento específico compartilhado entre participantes que guia seu comportamento naquele contexto específico, ou seja, a cultura daquele grupo (Hornberger, 1994:688).” (Wielewicki, 2001 p.28)

Ao se estudar um mestre da cultura e sua produção, como se fez em relação ao mestre Sebastião Chicute, objeto de estudo desta pesquisa, está-se trabalhando em um campo muito próximo ao etnológico. Está-se, numa abordagem interdisciplinar, buscando os recursos da etnografia, para o campo da educação, da cultura e da história de vida, eixos principais desta pesquisa. Tal ponto de vista é corroborado com a autora, quando ela conclui que:

“...parece consensual que a etnografia descreve a cultura de um grupo de pessoas, interessada no ponto de vista dos sujeitos pesquisados.” (Wielewicki, 2001 p.29)

O recurso proporcionado pela abordagem etnográfica na descrição de uma grande parte dos resultados da pesquisa, elaborados de forma analítica, fortaleceram o caráter qualitativo da presente pesquisa.

 

2.1.3 História Oral

É importante registrar que uma das técnicas utilizadas para colher as informações desta pesquisa foi a História Oral, posto que toda a pesquisa de campo esteve ligada diretamente, à memória e a oralidade. Tudo que se escreveu sobre o mestre Sebastião Chicute foi colhido diretamente dele, que funcionou como fonte primária. Mesmo os sites e documentos derivados dele, como o site da - Secretaria da Cultura do Ceará - SECULT, o site do Jornal O Povo, do jornal Diário do Nordeste, os missivistas e jornalistas que registraram suas matérias, foi com base em entrevistas, em depoimentos dele, ou na documentação da SECULT, que como foi dito, foram originadas dos depoimentos do referido mestre. Tudo isso, por uma razão muito simples, não havia uma bibliografia sobre o mestre Sebastião Chicute, o mesmo não se poderá dizer depois da conclusão deste trabalho.

De outra parte, pode-se verificar que, também, a obra do mestre Sebastião Chicute, está toda centrada na oralidade. A literatura de cordel, apesar de escrita, como se verá, é uma literatura baseada na oralidade, seria mais apropriado talvez, o termo literatura oral, mas preferiu-se a expressão literatura de cordel, por uma questão de valorização dessa expressão literária popular, sendo neste trabalho, uma categoria autônoma dos ramos da literatura. Se tivesse sido dada preferência à expressão literatura oral, a literatura de cordel passaria a ser, apenas, uma corrente ou uma derivação daquela. Tudo isso para definir o caráter oral, da poesia do mestre Sebastião Chicute, presente nesta pesquisa.

O outro aspecto do mestre Sebastião Chicute analisado na pesquisa, talvez com mais ênfase, até, é o de mestre de reisado. O mestre de reisado traz em sua memória toda bagagem de seu ofício de mestre, que aprendeu com seus antepassados e está transmitindo para os presentes que serão seus sucessores na linhagem de mestres. Essa atividade cultural é essencialmente baseada na oralidade. Mais uma vez prevalece a memória, a oralidade, como fonte de pesquisa.

E, por último, mas igualmente importante, embora não tenha sido predominante, destaca-se a história de vida. Essa como as duas correntes mencionadas, anteriormente, também e sobretudo, é fonte da memória.

Daí porque não seria possível realizar esta pesquisa, sem os recursos valiosos da história oral. E o que vem a ser a história oral? Para responder essa pergunta, no que pese tal metodologia já ser muito disseminada nos meios acadêmicos, sobretudo nas Ciências Sociais, como a Antropologia, a História e a Sociologia, buscou-se tal resposta no núcleo pioneiro de história oral do Brasil, o CPDOC, da Fundação Getúlio Vargas, que segundo o qual:

A história oral é uma metodologia de pesquisa que consiste em realizar entrevistas gravadas com pessoas que podem testemunhar sobre acontecimentos, conjunturas, instituições, modos de vida ou outros aspectos da história contemporânea. Começou a ser utilizada nos anos 1950, após a invenção do gravador, nos Estados Unidos, na Europa e no México, e desde então difundiu-se bastante. Ganhou também cada vez mais adeptos, ampliando-se o intercâmbio entre os que a praticam: historiadores, antropólogos, cientistas políticos, sociólogos, pedagogos, teóricos da literatura, psicólogos e outros.[iv]  (CPDOC, 2010)

Seguindo-se essa tendência, por se tratar de uma pesquisa da área da educação, onde se faz uma ponte entre essa e a cultura, por meio da educação patrimonial, no caso por se tratar de um patrimônio de caráter imaterial, intangível, justifica-se a opção por essa metodologia, embora da não seja a única utilizada na pesquisa. Mas em que consiste, por exemplo, as entrevistas na história oral?

As entrevistas de história oral são tomadas como fontes para a compreensão do passado, ao lado de documentos escritos, imagens e outros tipos de registro. Caracterizam-se por serem produzidas a partir de um estímulo, pois o pesquisador procura o entrevistado e lhe faz perguntas, geralmente depois de consumado o fato ou a conjuntura que se quer investigar...Isso torna o estudo da história mais concreto e próximo, facilitando a apreensão do passado pelas gerações futuras e a compreensão das experiências vividas por outros. (CPDOC, 2010)

Procurou-se ouvir o mestre da cultura Sebastião Chicute onde ele teve oportunidade de relatar um pouco de sua vida, baseado em sua memória, como também apresentações suas no grupo de reisado. Isto se fez diversas vezes, em locais distintos. Além disso, foram utilizadas gravações anteriores, também, individuais e coletivas, gerando um razoável banco de material sobre o referido mestre e sua obra.

O trabalho com a metodologia de história oral compreende todo um conjunto de atividades anteriores e posteriores à gravação dos depoimentos. Exige, antes, a pesquisa e o levantamento de dados para a preparação dos roteiros das entrevistas. Quando a pesquisa é feita por uma instituição que visa a constituir um acervo de depoimentos aberto ao público, é necessário cuidar da duplicação das gravações, da conservação e do tratamento do material gravado. (CPDOC, 2010)

Em relação a esse aspecto de cuidar da duplicação dos documentos gerados por meios eletrônicos, foi elaborado um DVD e um CD, principalmente, com as apresentações e músicas, e pretende-se elaborar outras mídias, para contribuir com a preservação “in natura” de algumas apresentações e depoimentos do mestre, fonte principal deste estudo.

Outras abordagens certamente são feitas e são possíveis de serem feitas a respeito da metodologia da história oral, mas neste trabalho, no relato da pesquisa, pode-se perceber a prática de tal metodologia, o que configura como assertiva a discussão neste momento colocada a respeito desta temática.

Aprofundando a discussão sobre história oral, iniciada neste capítulo,

É importante registrar que a história oral subverte o conceito tradicional de História. Ao partir do presente – do chamado documento vivo, do aqui e agora – para o passado, além de comprometer a sincronia em favor da diacronia – provoca também uma crise no conceito usual de documento. A produção do documento de história oral diverge daqueles promovidos por terceiros, escritos, guardados em arquivos, museus ou coleções. É documento em história oral o texto produzido diretamente, em contato pessoal entre partes que se integram num mesmo projeto. Idem)

De outra parte ressalte-se que por se tratar de uma pesquisa envolvendo elementos da cultura geral e popular, da área de patrimônio, de história de vida e sobretudo de educação informal, aplica-se o uso de história oral, metodologia considerada de uso multidisciplinar, como afirma José Carlos Sebe Bom Meihy[v]:

A história oral é uma prática vista como “multi” ou “interdisciplinar”, contudo, há quem a proponha como uma nova forma de conhecimento até com estatuto disciplinar próprio e assim mais do que técnica e/ou metodologia de trabalho científico. De toda maneira, mundialmente, a história oral ganha foros de popularidade e passa a ser um recurso apreciado não apenas nas universidades e círculos acadêmicos. Famílias, grupos de trabalho, participantes de instituições variadas (religiosas, etárias, de gênero, associações de vítimas de acidentes, de violência doméstica, de deficientes, de moradores, grupos de reivindicação e segregados politicamente) estabelecem parâmetros comuns e organizam discursos reflexivos capazes de orientar o que se chama de comunidade de destino. Muitas vezes, é papel dos organizadores dos projetos despertar a motivação consciente dos participantes, mas, é bastante comum também pessoas que se juntarem em torno de determinado evento ou motivação afinada com experiências grupos que clamam por projetos capazes de dar corpo a uma causa. Assim, a história oral não é apenas um mecanismo de registro, uma forma de “resgatar a memória”. Muito mais, a história oral é processo de conscientização, uma maneira instrumental de favorecer políticas públicas. (Meihy 1996).

       No Brasil, a história oral contribuiu para o surgimento de importantes trabalhos nas áreas da cultura popular, em temáticas de meninos de rua, pesquisas sobre seringueiros, pescadores, sem-teto. Possibilitou, também, o registro da memória de grupos intermediários da elite como é o caso do registro da memória de militares, realizado pela Fundação Getúlio Vargas (Sílvia e Silva, 2010:187).

       Pode-se concluir essa discussão inferindo que a presente pesquisa teve uma grande contribuição da história oral, uma vez que essa “incentiva que pensemos a oralidade em toda a sua funcionalidade, como ferramenta de transmissão de valores, sentimentos e visões de mundo”, o que em última instância pode-se dizer, como “instrumento de transmissão de cultura” (Sílvia e Silva, 2010:188).

Muito se poderia discutir sobre a história oral, entretanto o que foi colocado julga-se, seja suficiente para compreender tal metodologia e justificar a necessidade de sua aplicação neste trabalho.

Outra vertente da metodologia da história presente nesta pesquisa e que deriva da história oral, ou dela depende, em parte, é a história de vida, que poderia ser assim sumariamente descrita:

“História de vida é um ramo da História Social, que ganhou força, também a partir da Nova História Francesa e que se privilegia a história da vida das pessoas de qualquer status social.  “A história de vida é uma das modalidades de estudo em abordagem qualitativa. O termo História de Vida, traduzido de historie (em francês) e de story e history (em inglês),tem significados distintos. O sociólogo americano Denzin propôs, em 1970, a distinção das terminologias: life story (a estória ou o relato de vida) é aquela que designa a história de vida contada pela pessoa que a vivenciou (Spindola, Santos, 2003, p.120).

No caso desta pesquisa por se tratar de um estudo sobre um mestre da cultura, trata-se de um tema que aborda a história de vida, sobretudo no terceiro capítulo que é dedicado à história do referido mestre. A técnica da história oral veio contribuir com a metodologia qualitativa usada na pesquisa como um todo.

E por assim ser, passa-se para outro aspecto do processo metodológico que esta pesquisa foi palco, no caso a pesquisa etnográfica.

 

2.2 Como se Conduziu a Pesquisa: detalhes práticos e subjetivos do desenvolvimento da pesquisa.

     Basicamente, a pesquisa foi conduzida em primeiro lugar a partir das entrevistas e as conversas informais com o mestre da cultura, também, merece destaque a fase de acompanhamento, as apresentações do reisado, o trabalho de ouvir atentamente as músicas em CD e vendo o DVD, e por último a  leitura  e análise de folhetos  de cordel

 

2.2.1 As Entrevistas e as Conversas Informais com o Mestre da Cultura

As entrevistas com o mestre Sebastião Chicute deram-se, na sua maioria, na sua residência, na rua Coronel Francisco Nunes, nº 17 na cidade de Capistrano. A casa é antiga e no quintal ele construiu oito quartos, que servem de abrigo para transeuntes, é uma pensão, como se chamavam os hotéis familiares, antigamente, e em alguns lugares, hoje. No final dos quartos, há um galpão onde ele reúne o reisado, para os ensaios e apresentações locais. O local serviu, também, durante alguns meses para criação de pintos, mas já voltou à sua função cultural, inclusive, é onde, ultimamente, se reúne a Academia Capistranense de Letras de Arte, da qual o mestre Sebastião Chicute é membro. Há, ainda, na referida pensão, um quarto, o de número 9, que é reservado para os instrumentos e figuras do reisado e onde a rede do mestre passa o dia armada, para descansos nos intervalos de trabalho. Foi, nestes espaços, que o mestre recebeu inúmeras vezes o pesquisador.

Afora esses encontros mais formais, houve encontros informais onde continuava a conversa da entrevista. Tais conversas deram-se, inclusive, no carro do pesquisador no trajeto entre as cidades de  Capistrano e Fortaleza, como também, antes e depois de cada apresentação da brincadeira do reisado. Nesses momentos, devido à informalidade, pode-se captar mais informações, quer da vida privada, quer da sua arte. Muitas das informações colhidas foram desses encontros que foram diversos, em várias ocasiões e horários. Aí não se conversava só sobre a pesquisa, mas sobre tudo, inclusive, a política local, tema do agrado do mestre, por ter sido vereador na década de 70.

Como se pode ver no relatório, as entrevistas constaram de relatos de vida, informações sobre a sua participação na brincadeira do reisado e a poesia de cordel.

 

2.2.2 Acompanhando as apresentações do reisado

Os momentos mais empolgantes da pesquisa deram-se por ocasião das  apresentações do reisado. Tais momentos foram vividos desde antes do projeto se tornar pesquisa de doutorado. Desde janeiro de 2005, acompanha-se a apresentação do seu reisado, pelo menos uma vez em cada ano, na época dos festejos natalinos entre 24 de dezembro e 6 de janeiro. Algumas vezes, participou-se de até duas nesse período, quando havia possibilidade do pesquisador estar presente na apresentação. Além das apresentações tradicionais do ciclo natalino, assistiu-se apresentações fora de época, com as que aconteceram na Universidade Estadual do Ceará, promovidas pelo pesquisador e as apresentações por ocasião da festa de São João Batista, na localidade de Carquieja dos Alves, na zona rural de Capistrano.

Pode-se observar um certo nervosismo do mestre, antes de entrar em cena, como acontece com os artistas em geral, também, a preocupação para as coisas darem certo.

Em uma apresentação na cidade de Ocara, na qual o reisado participava de um concurso, o grupo se apresentou por último, aproximadamente, uma hora da manhã. Na hora de iniciar, num local diferente, em cima de um palco, na praça pública, houve um certo desencontro. O sanfoneiro, Luis Duarte, um senhor de mais de 85 anos,à época, ficou um pouco separado do grupo para ficar próximo à mesa do som, equivocou-se com a música da entrada, tocando uma outra, o que fez o mestre, ao perceber a gafe, sair com esta expressão, com o microfone aberto: “O que diabo é que o Luis tá tocando!”. Isso foi motivo de muitas gargalhadas dos presentes, inclusive, do prefeito da cidade que assistiu todas as apresentações. Isso aconteceu, pode-se explicar, por ser o reisado uma brincadeira, que os membros fazem para se divertir, sem aquela preocupação de erro ou acerto. No mais, deve-se levar em consideração o fato de que estão habituados a fazer as suas apresentações nos terreiros das casas e não em palcos modernos.

Mas as apresentações são sempre muito alegres e o mestre, apesar de sempre dizer que é uma pequena apresentação, que agora não se pode fazer apresentações mais demoradas e que ele, também, não pode falar muito, por ter problema no esôfago, quando pega o microfone, esquece tudo isso e tanto fala, como canta e dança, ao redor do boi, ou das outras figuras. Não há nenhuma pessoa na plateia que ele conheça e saiba o nome, para não ser citado em seus “relachos”, como eles denominam as trovas que recitam.

Foram nesses momentos de descontração, momentos lúdicos, que se colheram bastante informações sobre uma das partes da pesquisa, aquela referente ao reisado. Faziam-se as gravações, mas o lado emocional, simbólico é difícil de descrever e foi esse aspecto que mais contaminou o pesquisador e está presente a cada minuto que se depara com a análise de tais informações, nos capítulos que compõem a segunda parte desta tese.

Parece que a euforia do mestre e do grupo estão presentes, de forma invisível, fora de tempo, no momento da descrição e análise do relatório. Daí porque a cada momento se fortalece a ideia defendida na hipótese deste trabalho, de que há uma contribuição significativa das atividades de um mestre da cultura, em particular do mestre Sebastião Chicute, com a educação patrimonial imaterial, pois ele transmite aos ouvintes, aos participantes toda a energia cósmica que recebeu dos seus antepassados  para esses, configurando um ato educativo informal, conforme está definido no marco teóricos de acordo com os respectivos autores que tratam do assunto.

 

2.2.3  Análise das  músicas em CD e de um vídeo em DVD

Além de participar e assistir várias apresentações do reisado, em Capistrano, na zona rural e urbana, nas cidades de Ocara, Fortaleza e Aracoiaba, de 2005 a 2010, também, foi analisada uma apresentação gravada em um DVD em janeiro de 2007 e um CD de músicas de reisado gravado pelo mestre Sebastião Chicute, na mesma época, no município de Maranguape, ambos com o apoio da Secretaria de Cultura do Município de Capistrano e Secretaria de Cultura do estado do Ceará.

Os dois produtos foram essenciais como fonte de pesquisa, pois proporcionaram um contato direto com a apresentação do reisado e com as suas músicas. Juntamente com um estudo do reisado em que se consultou autores como Luis da Câmara Cascudo, Mário de Andrade e outros, como se pode ver na bibliografia e no capítulo IV da tese, dedicado, exclusivamente, ao tema do reisado.

Ao lado das entrevistas, das conversas informais, das fotografias e da assistência às apresentações do mestre, o Cd e o DVD contribuíram, sobremaneira, para a compreensão do fenômeno do reisado e de sua importância como parte do conjunto que se está querendo provar, que é a contribuição do mestre Sebastião Chicute, entendo-se como ele e seu fazer e sua obra, para a educação patrimonial imaterial, de caráter informal e não oficial.

 

2.2.4 A Leitura  e Análise de Folhetos  de Cordel

A literatura de cordel, apesar de está dentro da literatura oral, por ter um grande componente de oralidade em sua composição, é também registrada de forma escrita em livretos de cordel. Segundo os estudiosos e o próprio mestre Sebastião Chicute, tradicionalmente, esses livretos eram conhecidos como romances de cordel, pois geralmente eram folhetos com mais de 32 páginas e contavam episódios da vida, histórias, acontecimentos etc.

Hoje são conhecidos, apenas, como folhetos de cordel e tratam de assuntos variados. A obra do mestre Sebastião Chicute até a conclusão da pesquisa era de 50 folhetos dos quais foram selecionados para análise, apenas, 10.

São folhetos que falam de assuntos ligados à religiosidade, animais, pássaros, reportagens relacionadas a temas de violência, temas relacionados á educação, história do Ceará e de Capistrano, temas relacionados à política partidária e aos mestres da cultura, entre outros.

A leitura dos versos foi essencial para se compreender o alcance educativo da literatura de cordel produzida pelo mestre Sebastião Chicute, o que torna sua obra um elemento de educação patrimonial no campo imaterial.

O estudo dos cordéis do mestre Sebastião Chicute ganhou um capítulo neste trabalho, organizado a partir de temáticas, seguindo a tradição do estudo da literatura de cordel, especialmente, a partir dos conceitos de Martine Kunz: Cordel a Voz do Verso, editado pelo Museu do Ceará em 2001. A autora é uma das principais estudiosas do cordel no Ceará neste momento. Entretanto foi importante, também, o conhecimento prévio sobre essa literatura, a partir da vivência e da própria experiência em escrever cordel, que o autor desta tese registra em seu currículo, facilitou a análise dos livretos de cordel de autoria do mestre Sebastião Chicute que estão registrados no último capítulo desta tese.



 

CAPÍTULO III

 

CONHECENDO O MUNICÍPIO DE CAPISTRANO E O MESTRE DA CULTURA SEBASTIÃO CHICUTE

 

3.1 O Município de Capistrano

O município de Capistrano dista cerca de 110,5 Km da capital do estado do Ceará, Fortaleza. Sua toponímia está ligado a uma homenagem feita pelo governo do Ceará, ao historiador cearense João Capistrano de Abreu (1853 a 1927).

Capistrano tem uma área de 223 km2, sua localização geográfica é a seguinte: latitude: 4.46º e longitude: 38.9º, altitude:159,9m.  Bioma: Caatinga (IBGE, 2011). Seu clima tem as seguintes características: tropical quente semiárido, tropical quente semiárido brando, e tropical quente subúmido (Anuário do Ceará 2010-2011) com chuvas, geralmente, de janeiro a maio. A população do município é estimada em 2009 é de 17.062 hab. (IBGE, 2011).

A principal atividade econômica do município, ao longo dos anos, foi a agropecuária, sendo a agricultura mais forte que a pecuária, entretanto, com a queda na produção de algodão a partir da década de 1980 em todo estado do Ceará, como também as sucessivas estiagens, esse setor perdeu competitividade representando apenas 21% da economia local. Ultimamente, o setor de serviços, incluindo aí o comércio e o serviço público tem tido uma grande expansão, (69,0%), a indústria ainda é incipiente, (9,8) representada por indústria de panificação, pequenas fábricas (confecções facções) e cerâmica.  (Anuário do Ceará 2010-2011). 

 

3.1.1 A Educação e Cultura no Município

Na área da educação, a matrícula do ensino fundamental, de responsabilidade do município, em 2009, foi de 3500 alunos enquanto a do ensino médio de responsabilidade do estado foi de 991. A educação de jovens e adultos figura com uma matrícula de 863 alunos. Nessa categoria estão classes de alfabetização e turmas do primeiro ao 9º, não especificados no censo.  A rede escolar está assim disposta: uma escola de ensino médio e 13 escolas de ensino fundamental. Apesar do ensino médio aparecer com apenas uma escola, há três anexos que funcionam em escolas municipais na zona rural, cuja matrícula dos alunos é informada em uma única escola.

Figura 1: Vista parcial da cidade de Capistrano com estação ferroviária ao fundo.foto de 2008. Acervo do pesquisador.

 

No campo da promoção da cultura até 2004, essa era coordenada por um departamento da Secretaria Municipal de Educação. Em 2005, na gestão do prefeito José Renato Cavalcante Lima, foi então criada a Secretaria da Cultura. A criação da Secretaria de Cultura proporcionou ao município algumas conquistas no campo da cultura popular, das quais vale a pena destacar: realização de uma exposição de literatura de cordel, com recursos de um edital de cultura do Banco do Nordeste do Brasil. Ainda junto ao mesmo banco foi conquistado, em outro edital, um projeto para a indumentária do reisado do mestre Sebastião Chicute. O município foi vencedor de três editais na Secretaria de Cultura do Estado, sendo um para uma exposição de artes visuais e dois para realização de festivais de quadrilhas juninas. Todas essas conquistas deram-se no triênio 2005-2007. Registra-se, também, como vitória decorrente da Secretaria de Cultura, a criação do Museu Municipal, a ampliação do acervo da Biblioteca Pública Municipal D. Marieta Cals, com aquisição de cerca de 2000 títulos, televisor de 29”, aparelho de som e DVD,  através do projeto de revitalização de bibliotecas municipais do Ministério da Cultura. Ainda pode ser registrado como positivo na ação da nova Secretaria, a revitalização da banda de música municipal, desativada havia 6 meses. Outras iniciativas, porém, foram tentadas mas não conseguiram o desiderato, como foi o caso da reforma do prédio histórico da estação ferroviária, bem como a não aprovação de outros projetos junto aos editais de cultura do BNB e da SECULT, nem a conquista de uma verba própria, ou um fundo permanente no orçamento municipal (fonte: Secretaria Municipal da Cultura).

Foi a Secretaria da Cultura que, atendendo às exigências do edital de seleção dos Mestres da Cultura de 2006, apresentou à Secretaria da Cultura do Estado, o mestre Sebastião Alves Lourenço, que concorreu com dezenas de outros candidatos ao título de Mestre da Cultura do Ceará e foi escolhido juntamente com mais 11 mestres. Vale ressaltar que essa iniciativa havia sido tentada no concurso anterior, mas não logrou êxito naquela primeira tentativa.

 

3.1.2 Religiosidade

Não há estudos recentes sobre o número de adeptos de religião A ou B. O que se sabe, em nível de senso comum, é que a maioria da população, ainda, é católica, mas as religiões evangélicas têm crescido no município nos últimos anos. E nesse grupo as denominações religiosas mais presentes são a Assembleia de Deus, com dois ministérios, Igreja Batista, Igreja Universal do Reino de Deus e mais, recentemente, Igreja Mundial do Poder de Deus.

Mantendo-se ainda como religião principal a Igreja Católica tem como padroeira Nossa Senhora de Nazaré, cujas festividades são realizadas no período de 29 de agosto a 8 de setembro. A tradição das festividades em homenagem à N. S. de Nazaré remontam ao início do século passado, quando da construção da capela no centro do povoado. Na década de 40 foi criada a Paróquia pelo Arcebispo de Fortaleza Dom Antônio de Almeida Lustosa (Oliveira, 2007:36) e a partir daí foi construída a Igreja matriz (figura 2), tendo sido a Igreja anterior, demolida em 1974, por decisão do Pe. Bernardo Borrassar, alegando não ter condições de restaurá-la e não ter encontrado interesse por parte dos paroquianos de fazê-lo e temendo que a mesma desabasse mandou derrubá-la, após consultar seus paroquianos (Pinheiro, 2002).

 

Figura 2: Igreja Matriz de Capistrano. Foto de 2008. Acervo do pesquisador.

 

A partir de 2005, com o apoio da Secretaria de Cultura do Município, a paróquia de N. S. de Nazaré, tendo à frente o Pe. Francisco Eudásio, pároco local, agregou á festa da padroeira o Círio de Nazaré de Capistrano, uma espécie de réplica do Círio de Nazaré de Belém do Pará, que foi escolhido em 2006, como patrimônio imaterial do povo brasileiro pelo IPHAN (Pelegrine e Funari, 2008: 74). O Círio de Nazaré de Capistrano, figurou na revista CÍRIOS,[vi] por três anos consecutivos, sendo o último na edição de 2010, como um dos Círios de Nazaré do Estado do Ceará, ao lado de um outro na cidade de Fortaleza (Círios, 2010:72). A festa tem um grande apelo popular, com participação de devotos de toda a região. A mesma é encerrada, em 8 de setembro com a grande procissão com a imagem de N. S. de Nazaré, que é “puxada” com uma grande corda. (figura 3 e anexos)

 

Figura 3: Devotos em torno da imagem de N.S. de Nazaré na Matriz de Capistrano. Acervo do pesquisador

 

 

 

Figura 4: detalhe da procissão do Círio de Nazaré de Capistrano em 2007.Acervo do pesquisador.

            Após conhecer um pouco sobre o município de Capistrano, palco das atividades culturais do mestre Sebastião Chicute e onde ele reside há mais de 40 anos, introduz-se, na sequência, a história de vida do referido mestre, para nos capítulos seguintes, apresentar sua arte como mestre de reisado e como poeta popular de cordel.

 

3.2 O Mestre Sebastião Chicute

 o nome dele é Bastião”

O cancioneiro nordestino traz uma música cantada por Luiz Gonzaga, denominada Samarica Parteira. A música conta a história de uma senhora que vai ter um filho e na última hora o seu marido, “Capitão Barbino”, manda buscar a velha Samarica, uma parteira que morava a léguas de sua casa e o portador é o próprio Luis Gonzaga, que se autodenominou no texto de Lula. A letra é a seguinte:

“... Lula!
- Pronto patrão.
- Monte na Bestinha Melada e risque.

- Vá ligeiro buscar Samarica parteira que Juvita já tá com dô de menino. ...”

Depois de uma longa carreira ele chega à casa de samarica

“... – Samarica! é Lula...

 - Capitão Barbino mandou vê a senhora que Dona Juvita já tá com dô de menino.
- Essas hora, Lula?...”

Saíram  de novo em disparada, caminho de volta. Assim que chega de uma viagem enfadonha, Samarica começa o seu trabalha, pois D. Juvita, a senhora, já está em trabalho de parto. Quando a criança nasce, um menino, perguntam o capitão exulta: “... Prepare aí a meladinha, ah, prepare a meladinha, que o nome do menino... é Bastião[1]

O nascimento de Sebastião Chicute foi no dia 24 de abril de 1934, na zona rural do município de Aratuba. Por certo, não foi tal e qual a música popular relata, mas tem alguma semelhança, pois na época em que ele nasceu, era comum os partos serem assistidos por parteiras, algumas denominadas cachimbeiras, talvez pelo uso do cachimbo e do fumo durante o parto.

Sobre o nascimento do mestre Sebastião Chicute assim se refere Gilmar de Carvalho:

“Dos quatorze filhos do agricultor Francisco ( “Chicute”) Lourenço Sobrinho e Maria Alves dos Santos se criaram quatro Homens e cinco mulheres, dos quais estão vivos Sebastião e três irmãs. O pai era  ”morador” e  plantava “café de sombra”, embaixo de pés de ingazeiras, e cana, que moía  nos engenhos da vizinhança. A Mãe fiava algodão para costurar a roupa dos meninos e fazia renda de bilro nas almofadas cheias de palha de bananeiras.” (Carvalho 2006:197)

Como o mestre Sebastião Chicute descreve esta primeira parte de sua vida é o que se verá no item seguinte.

 

Figura 5: Mestre Sebastião Chicute. (Foto do site da SECULT-Ce)

 

 

3.2.1  A Alfabetização na Carta de ABC  

Como é conhecido pelos educadores, em geral, e pelos que estudam a educação popular, no início da década de 60, na cidade de Natal, no estado do Rio Grande do Norte, foi criada a campanha “de pé no chão também se aprende a ler”, ideia desenvolvida a partir da sugestão de um popular em uma reunião dos moradores de um bairro, com o Secretário de Educação, que relatava a dificuldade de fazer escolas e recebeu a ideia de se fazer barracões cobertos de palha e começar, de imediato, a campanha de educação. (Góes 2010: 420) A campanha abrangia educação popular, ensino fundamental, com um amplo movimento cultural, envolvendo educadores, intelectuais, entre eles o folclorista Câmara Cascudo, ensinando folclore (Góes 2010: 421) e instituições afins. Infelizmente, foi ceifado pelo golpe militar de 1964. O sucesso  da campanha mostrou que escola não é só o prédio, (Góes 2010:428) pode haver, escola, educação, mesmo sem os prédios de concreto e alvenaria, como foi de pé no chão”.

Sendo um desses milhões de brasileiros que não teve acesso à escola e sem ter, em seu município ou estado, uma oportunidade como esta de Natal, que ainda que tenha sido efêmera, foi importante para sua população, Sebastião Chicute foi um daqueles, que na juventude não teve acesso à escola. Aliás nunca frequentou a escola nem de palha, nem de alvenaria. Mas, mesmo assim, com grande esforço, aprendeu a ler e escrever e as quatro operações matemáticas. Sem nunca ter ouvido falar em campanha “de pé no chão”, de maneira individual, também, aprendeu a ler, de pé no chão e fora dos prédios da escola. E como foi esse aprendizado, essa alfabetização?

Ao ser perguntado como aprendeu a ler, o mestre Sebastião Chicute, sempre, conta esta história, algumas vezes  gravadas  formalmente, mas foi ouvido dele a mesma história em outras ocasiões de forma descontraída. O relato abaixo é um resumo da história contada por ele próprio. Diz ele:

“Naquele tempo filho de trabalhador não ia pra escola. tinha que ajudar o pai na lida do roçado. Eu morava na Serra, no município de Aratuba. Ajudei meu pai desde criança, trabalhando com ele no roçado. No começo ajudando, dando recado, amarrando um bicho, quando fui ficando maiozinho, fui pro cabo da enxada. Então ninguém se importava com escola. Só os filhos dos patrões, mesmo assim uns queriam outros não queriam. Quando eu vinha do roçado com meu pai, passava na casa do nosso patrão e eu via os filhos dele estudando, lendo. Eu tinha vontade de aprender a ler. Aí um dia, tinha um passando as férias lá e me perguntou: Bastião tu quer aprender a ler? Eu disse, quero. Ele disse: pois compre uma carta de ABC que eu te ensino. Aí eu comprei a carta de ABC e ele começou a me ensinar quando terminava o trabalho. Mas aí ele voltou de férias e eu fiquei lendo na cartilha, soletrando as palavras e aprendendo alguma coisa. Nas outras férias ele veio de novo e perguntou: como é que está Bastião? E eu disse, tou indo, to aprendendo. Aí ele me deu mais umas aulas e eu fui aprendendo, até que aprendia ler uma coisinha. Nesse tempo as pessoas gostavam de ler romance, era assim que se chamava os versos de cordel. Era a História do Pavão Misterioso, os Doze pares de França. Então quando aparecia um romance, uma pessoa que sabia ler lia pros outros. Aí  o pessoal começou a me pedir pra ler. Ler Bastião! Ler Bastião! Aí eu começava a ler. Ficava aquela roda escutando. Não tinha luz elétrica era na base da lamparina.  Eu achava bom por que tinha as meninas, as mocinhas e eu sempre fui assim popular. Foi indo foi indo e foi nesse negócio de ler verso que eu aprendi a ler o pouco que sei, foi também nesse tempo que eu aprendi a poesia, embora só tenha feito verso assim pra vender, depois.”

O escritor Gilmar de Carvalho, em Mestres da Cultura Tradicional Popular do Ceará, ao abordar sobre o mestre Sebastião Chicute (figura 5), também, relata como se deu  o processo do mestre, em estudo, da seguinte forma:

“Sebastião nunca aceitou um destino previamente traçado por um Deus pouco generoso. “Comprou uma carta de ABC” e o filho do patrão, chamado Edílson começou a lhe dar as lições nos fins de semana, nas férias, e assim ele foi se soltando. Tinha boa memória para ouvir e aprender as lições e aprendeu as quatro operações da tabuada.

Começou a decifrar pedaços de jornal até chegar a ler versos nas casas ,enquanto tirava o terço e rezava novenas.” (Carvalho 2006: 198,199).

Parafraseando a expressão do projeto de Paulo Freire, e com base no depoimento do mestre Sebastião Chicute, pode-se dizer que com carta de ABC e cordel, também, se aprende a ler. Certamente, muitas pessoas por esse Brasil à fora, quando a escola era distante em todos os sentidos, aprendeu a ler de forma semelhante. O exemplo de alfabetização do mestre Sebastião Chicute pode ser levado a muitos jovens e adultos que não tiveram oportunidade de alfabetizar-se na chamada “idade certa”, termo até inadequado, posto que toda idade é certa para aprender, ou melhor, não tem idade certa para se aprender, aprende-se em qualquer idade. Esse é o primeiro grande exemplo que hoje mestre da cultura Sebastião Chicute dá para a sua gente.

Evidentemente, o fato de ter aprendido a ler sem frequentar a escola, não é específico de Sebastião Chicute, isso era comum entre os seus pares, que estão envoltos no mesmo processo de exclusão da escola, vivido pelas populações interioranas, sobretudo no Nordeste do Brasil, fato que começa a ser superado na década de 90 do século passado. Essa constatação em relação aos poetas populares é feita por Márcia Abreu em História de Cordéis e Folhetos (Abreu, 1999. p.93).

 

 

3.2.2 Reisado e Cordel na Vida de Sebastião Chicute.

Sobre a sua trajetória como brincante de reisado, Sebastião Chicute relata:

“Comecei a brincar em reisado em 1952, brincando de dama. Hoje os meninos não querem brincar de dama, aí a gente coloca como pastorinho. É a mesma coisa. Depois fui brincar de caboclo e brinquei de tudo em um reisado. Aí comecei a brincar na cabeça do boi. Eram as pessoas que pediam “Bastião Vem pra cabeça do boi”. Hoje eu brinco mais os meus amigos, tenho pedido para eles tomarem conta do reisado, mas eles querem que eu continue. Eu penso em passar pra outro, devido a minha idade e a minha saúde, mas como ninguém ainda resolveu assumir, a gente vai tocando.”

Assim, de forma modesta, o mestre mostra o seu valor, construído em um trajetória que é reconhecida por seus seguidores e familiares, envolvidos em sua trajetória e na sua arte de brincar reisado.

De outra parte, há no mestre a dimensão poética que se manifesta tanto nos “relaxos” (glosas) do reisado, quando dança ao lado do boi, quanto na literatura de cordel. Em entrevista a Gilmar de Carvalho, declarou: “Lá vou eu escrever um verso, passo uma noite, passo duas noites, depende do tempo e do dom”. Portanto, o mestre Sebastião Chicute é um poeta, um poeta popular. Ele mesmo tem afirmado em diversas ocasiões, em diversas circunstâncias, falando de si mesmo: “um poeta faz assim” ou ao fazer ou recitar uma glosa, repetir: “é o poeta, é a poesia”, referindo-se á forma de ver as coisas com o olhar de poeta. E o que vem a ser essa figura romântica chamado poeta.  Buscou-se o conceito de um grande poeta popular cearense, Alberto Porfírio. Para ele “poeta é aquele que tudo ama e justifica das coisas a razão de ser considerando tudo natural, divino e necessário.” Mas é em outro trecho de seu discurso sobre o poeta, que Alberto Porfírio, em sua conceituação, mais se aproxima de Sebastião Chicute enquanto poeta. Diz ele:

É ainda o poeta que, desprovido de ambição, despreza a fortuna, e ama o simples, fazendo questão de ser um deles, merecendo, por isso, um protetor, um mecenas que lhe compreenda o valor e o ampare na vida.”(Porfírio, 1978, p31)

Mestre de reisado e poeta popular são atividades que têm muita relação, que se casam, se completam. E são essas duas atividades culturais desenvolvidas ao longo da vida pelo mestre Sebastião Chicute, que serão descritas e analisadas nos próximos capítulos, que lhe conferiram em 2006, o título de Mestre da Cultura Tradicional Popular do Ceará.

 

3.2.3 Sebastião Chicute: Mestre da Cultura Tradicional Popular do Estado do Ceará

A Lei Estadual nº 13.351, de 22 de agosto de 2003, instituiu o registro dos mestres da cultura tradicional popular, no âmbito de estado do Ceará. A data de sua publicação foi, cuidadosamente, pensada, haja vista o folclore ser comemorado no calendário escolar brasileiro, no mês de agosto. Por outro lado, deve-se ressaltar que a Lei nº 13.351 é uma decorrência promissora, no estado do Ceará do Decreto Federal nº 3.551, de 04 de agosto de 2000, promulgado pelo então Presidente Fernando Henrique Cardoso tendo como Ministro da Cultura o sociólogo Francisco Welffort. Esse decreto oficializou a inclusão do patrimônio imaterial na relação do Patrimônio Cultural Brasileiro, instituindo o registro de bens culturais de natureza imaterial que poderiam passar a constituir o patrimônio cultural brasileiro, a partir daquela data.. O resultado imediato do decreto foi o desencadeamento de uma série de ações de valorização do patrimônio imaterial no Brasil, sobretudo no primeiro quadriênio do governo do presidente Lula, quando esteve à frente da pasta da Cultura, o cantor Gilberto Gil. (Abreu, 2007, p353)

Por outro lado, o referido decreto, também, interagia com a educação patrimonial na medida em que muitas de suas metas estavam em sintonia com outra legislação no âmbito do Ministério da Educação que eram os –Parâmetros Curriculares Nacionais - PCNs, que incluem no currículo escolar, no capítulo dos temas transversais, a pluralidade cultural e a valorização do conhecimento do patrimônio étnico-brasileiro, na forma da Constituição de 1988 (Abreu, 2007, p363)

 

Figura 6. Mestre Sebastião Chicute ao lado da figura do boi. Foto de 2008- Acervo do pesquisador.

 

O estado do Ceará, ao aprovar essa lei, concretizava, em parte, uma política de valorização e reconhecimento do patrimônio imaterial intangível reiterado pela 32ª Conferência Geral da UNESCO, em 2003. Segundo Nogueira, 2008, “essa reorientação nos critérios de preservação da UNESCO, levou a França a instituir o sistema “tesouros humanos vivos, exemplo que o Ceará vem seguindo parcialmente”

E o que são esses mestres da cultura? Para o governador do Estado à época, Lúcio Alcântara, os mestres da cultura  são homens e mulheres que perpetuam artes ancestrais, renovam a memória coletiva com criações contemporâneas e usam variadas linguagens para compor o mosaico da identidade cultural. (Carvalho, 2006: 9).

Oswald Barroso em Encontro dos Mestres do Mundo, uma publicação da SECULT, classifica mestre como sendo “um portador ativo de uma tradição”. Aquele que “guarda em seu corpo a memória de um saber coletivo”. Esses saberes de que é ele portador são “renovados constantemente por outros Mestres e por ele mesmo como ele”. Como tal, pode-se afirmar que “o Mestre é, também parte do universo da cultura popular tradicional de feição predominantemente oral e de extração coletiva”. Como portador de saberes, “seu saber é um rito de uma série de procedimentos que domina,... “seu saber é único, portanto intransferível, mesmo que tenha discípulos e imitadores.” Por tudo isso e muito mais, o mestre se inclui dentro do conceito daquilo que ficou estabelecido pela UNESCO como patrimônio imaterial, e que tão bem é descrito por Oswald Barroso em seu ensaio, ao afirmar:

“Por isso não apenas seu saber deve ser tratado como patrimônio imaterial de uma cultura, mas também o próprio mestre, a integridade de sua pessoa, deve ser vista como tesouro cultural, patrimônio vivo de seu povo”, conclui Barroso. (SECULT, Encontro dos Mestres, 2008).

E com essa visão de o mestre e sua obra fazerem parte do patrimônio imaterial de seu povo que este estudo foi concebido, com a certeza de que como tal, influi e contribui com a formação e a educação patrimonial do meio em que estão inseridos.

 

3.2.3.1 Mestres porque Ensinam o que Aprenderam

Como professora que é, tendo sua vida dedicada à educação e à cultura, a Professora Luiza de Teodoro, professora aposentada da Universidade Estadual do Ceará e com larga experiência nas áreas de Educação e Cultura, em “Ser um Mestre”, texto que integra o livro do prof. Gilmar de Carvalho, identifica nos mestres a função do ensino, da transmissão do conhecimento popular. Para ela, eles são mestres porque

“ensinam como alguns bons professores, incendiando as almas nascentes de seus alunos, sem contudo, deixar que a rotina pedagógica destrua a sensibilidade da criança ou do adulto com o mais corrosivo dos venenos: o tédio, a preguiça de aprender, a extinção da curiosidade criadora e da utopia transformadora”( Carvalho, 2006).

Com a sua prática cotidiana, em seu fazer e com seu saber os mestres da cultura contribuem para a educação patrimonial imaterial, sendo eles próprios uma fonte inesgotável de saber popular, daí porque se usa a expressão “tesouros vivos”. É a partir de um conceito ampliado de educação, já explicitado, anteriormente, que se considera que tais mestres, e como tal o mestre, em estudo, contribui com a educação patrimonial, no seu cotidiano, com o seu exemplo, nos seus afazeres, como bem registra Carvalho: 

“os Mestres da Cultura Popular educam pelo exemplo, pelo amor ao que fazem, pela alegria com o que fazem, pela persistência em fazer compartilhar o que fazem com os que se deixam cativar e, assim, aprendem... muitos deles e delas foram excluídos da possibilidade de frequentar escolas, no entanto, creio que são estímulo para quem deseja ser um verdadeiro professor. Um mestre.”(Carvalho, 2006: 19)

Essa posição corrobora com o que está sendo defendido neste trabalho do início ao fim, de que os mestres da cultura têm um papel fundamental na transmissão da cultura de que são portadores que se traduz numa contribuição para a educação patrimonial que, no caso em estudo, é mais relacionada com o patrimônio imaterial.

O mestre Sebastião Chicute, portanto, como um mestres da cultura tradicional popular de seu estado, contribui com a sua prática, com o seu ofício de cordelista e de mestre de reisado, com a manutenção, a divulgação, a revitalização dessas duas atividades culturais e, por conseguinte, com a educação patrimonial imaterial,  no seu município e no raio de abrangência de sua atividade artística e  cultural. Sua contribuição, por vezes, é diretamente junto aos estudantes, quando esses o procuram para dar depoimentos sobre a cultura, sobre suas atividades e experiência, ou ainda, quando participa de palestras, debates, discussões em salas de aula ou em outras atividades escolares. No entanto, a sua contribuição junto ao processo de educação patrimonial, de caráter imaterial, dar-se de maneira mais atuante, fora dos muros da escola, desde quando participou das primeiras apresentações nos grupos de reisados de sua comunidade na década de 50, como relata em seus depoimentos, ou seja, ao longo de sua vida de brincante de reisado e de poeta popular, inicialmente, cantando coco e, ultimamente, como poeta de bancada, como se verá no capítulo específico sobre a sua produção na Literatura de Cordel.

 

3.2.4 Mestre Sebastião Chicute, um Imortal?

Além das atividades já descritas relativas à vida e à participação do mestre Sebastião Chicute no contexto cultural da cidade de Capistrano, registra-se, também, a sua participação, na Academia Capistranense de Letras e Artes- ACLARTE, entidade cultural local que reúne professores, poetas, artistas de vários gêneros. A ACLARTE foi fundada, em 2005, por um grupo de professores e artistas locais, movimento esse, dirigido pelo professor aposentado e espécie de decano dos professores, o senhor José Humberto Gomes de Oliveira, que também é escritor e cronista da cidade. Consta na ata de abertura da entidade[vii] como um de seus fundadores o nome do mestre Sebastião Alves Lourenço. Segundo o mestre da cultura, “fazer parte da ACLARTE, é uma honra, por que é uma entidade que valoriza o poeta e a cultura”.

 

Figura 7: Mestre Sebastião Chicute com a beca da ACLARTE. Foto de 2008

Acervo do pesquisador

Para ter-se uma ideia do envolvimento e o compromisso do mestre Sebastião com essa organização cultural, ultimamente, os encontros têm se realizado no salão de seu reisado, onde se pode dizer que é a sede social da entidade.

 



 

CAPÍTULO IV

 

A EDUCAÇÃO PATRIMONIAL ATRAVÉS DA DANÇA DOS PAPANGUS NO REISADO DO MESTRE SEBASTIÃO CHICUTE

 

Pretende-se, neste capítulo, registrar e inferir a presença de um processo de educação patrimonial, a partir do acompanhamento realizado desde 2004, junto ao mestre Sebastião Chicute e seu grupo de brincantes de  reisado, na cidade de Capistrano. Uma manifestação genuína, que contribui com a educação patrimonial, na vertente imaterial de maneira informal, ou seja fora da escola. Ao organizar o seu grupo de reisado com as principais figuras do reisado tradicional do Nordeste, o mestre Sebastião Chicute e seu grupo de brincantes voluntários estão trazendo para a juventude uma tradição que vem sendo transmitida, de forma oral, de gerações para gerações, configurando-se como parte do patrimônio imaterial do povo brasileiro. De maneira difusa, está o mestre e seu grupo contribuindo com a educação patrimonial de sua comunidade, quando mantém viva essa tradição e a propaga em seu meio. Nesse caso, como já foi estudada, a educação que pode ser percebida na ação do mestre e de seu grupo é de caráter informal, extraescolar, difusa, pois vai além da escola. Para confirmar-se o que se está afirmando, registram-se e analisam-se a seguir, os diversos componentes dessa rica tradição do reisado, presente no grupo do mestre Sebastião Chicute e sob sua liderança.

 

4.1 O Que é e como se compõe um Grupo de Reisado

Grupo de reisado é um grupo de brincantes, geralmente, formado por homens, que durante os festejos alusivos ao período de natal, realizam apresentações nas casas, dançando e cantando em homenagem ao nascimento de Jesus, mas com base no presépio de natal, que também é conhecido no Nordeste brasileiro como lapinha. O nome reisado é em referência aos reis magos descritos no Evangelho de São Mateus (Mt.2:1 a 12). O que e quais são os componentes de um reisado? Além das figuras de animais, o reisado é composto por figurantes que têm, cada um, a sua função no cenário. São os componentes humanos, posto que os outros são figuras de animais, que compõem o elenco da dramatização, da folia, da brincadeira, conforme eles se autodenominam: brincantes.

 

Figura 8: Grupo de reisado pronto para apresentação na praça pública em Capistrano.

A denominação desses componentes varia de grupo para grupo, de região para região. No grupo, em estudo, os componentes são os seguintes:

O mestre, o capitão, os caboclos ou caretas, a velha, as damas ou pastorinhos, o trio musical: sanfoneiro, triângulo, pandeirista, o soldado, os dançarinos de figuras. Além desses observar-se-á  a participação das mulheres no suporte e apoio.

 

4.1.1 O mestre

O mestre ou amo é o que dirige a apresentação, mais do que isso é, quem concebe toda a apresentação, o chefe, o coordenador, o líder do grupo. No caso em estudo, o mestre é Sebastião Chicute, que além de dirigir a apresentação, é quem confecciona as figuras, decide onde, como e quando o grupo vai se apresentar, recebe a gratificação ou cachê, quando há, e reparte entre os componentes. Portanto, pode-se dizer, na linguagem da “folia de reis” que Sebastião é dono e mestre de seu reisado. Sobre essas categorias, dono e mestre assim conceitua, Bitter:

“Dono e mestre são categorias distintas que exigem alguma delimitação, embora ambas as funções se fundam na mesma pessoa. O dono é a pessoa que origina uma folia de reis ou a herda de outro dono. Sua autoridade é grande, mas limitada quando não  detém o conhecimento ritual necessário para a condução da folia, necessitando assim da presença de um mestre. O dono é responsável pelas condições materiais da folia: instrumentos musicais, manutenção da sede, ...etc.” (Bitter, 2010:26) 

No caso em estudo, sendo o mestre, o dono do reisado, casa do mestre é, também, a sede do reisado. Nela ele reserva um quarto, para guardar todos os apetrechos do grupo. É lá que em um salão, especialmente, construído para esse fim, que o grupo realiza seus ensaios. Em outro momento, falar-se-á da sede do reisado.

Voltando para o mestre, ele dirige o grupo em apresentação. Tudo só começa quando ele dá as ordens, faz as explicações, os comentários iniciais, uma preleção em que ele esclarece o que é o reisado, quando tudo começou e situa, dentro do contexto, o seu grupo e aquela apresentação. Nesse momento, ele faz referência a quem está patrocinando, a quem, de uma forma ou de outra, está colaborando para que eles se apresentem.

Começa então a apresentação dramática e o primeiro a receber a ordem, o comando,  é o sanfoneiro. É com o toque da sanfona que tudo se inicia. O grupo em torno do mestre e do sanfoneiro recebe a ordem do comandante para iniciar. E tudo se inicia com a “cantiga de porta”.

Finda a cantiga de porta, o mestre chama os caboclos para dizerem seus “relaxos”. São versos em quadras ou sextilhas, contando coisas interessantes, fenômenos, geralmente, enaltecendo o próprio recitante. Depois desse ato, todos os outros vão acontecendo sob a sua ordem. Às vezes, nem sempre o que foi ensaiado acontece, prevalece o improviso, por isso todos devem estar atentos ao que o mestre diz, canta e faz. Pode-se dizer que o mestre é o maestro, no entanto, diferentemente desse, ele também tem os seus instrumentos: canta, dança e comanda o grupo com sua voz.

Ao descrever-se cada ato, percebe-se a importância da atuação do mestre e sua presença em todos os atos do drama popular natalino.

 

4.1.2 O capitão

O termo capitão utilizado no reisado, ao que parece, está presente em outros autos como é o caso de outra brincadeira existente, ainda, no Brasil, especialmente na Paraíba,  que é a nau catarineta. Como essas brincadeiras todas têm origem na Europa e foram trazidas para o Brasil pelos portugueses, percebe-se interfaces entre elas. Personagens, figuras, misturam-se em diversos dramas populares. Ao que tudo indica é da nau catarineta a herança do capitão no reisado. Sendo um navio ela tem, necessariamente, um capitão em seu comando.

No reisado do mestre Sebastião Chicute, o papel do capitão é auxiliar o mestre na organização do evento. Uma de suas funções é controlar o tempo, ele o faz com um apito.  Quando o capitão apita, o caboclo passa a palavra para outro da roda.  O capitão pode ser qualquer um dos caboclos designado pelo mestre. Como os demais caboclos, o capitão, também, faz os seus relaxos, participando ativamente da brincadeira.

O capitão, também, auxilia o mestre na entrada e saída das figuras, na matança do boi e em todos os momentos da brincadeira. Pode-se dizer que o capitão é uma espécie de contramestre.

Nesse grupo de reisado, o capitão é designado pelo mestre e eventualmente é exercido por um ou outro componente. Os que têm assumido esta função são os “caboclos”, Luis Silva e Capitu. Até 2005, também exerceu, eventualmente, essa função o caboclo Chico do Mundo, que se afastou do reisado por motivo de conversão á religião dos testemunhas de Jeová.

 

4.1.3 Caboclos, Caretas ou Papangus

A essência do reisado está nos caboclos, também, chamados de caretas. Os caretas são os principais personagens da brincadeira. Na região, em estudo, costuma-se chamar o reisado mais de caretas que propriamente de reisado. É comum a expressão: “vamos ver os caretas” O termo reisado é utilizado mais pelos componentes do grupo e pelos pesquisadores. O povo utiliza mais a expressão caretas. Aí está uma diferença entre o reisado em estudo e o reisado que sempre acontece no período da festa de Reis, de porta em porta nas cidades. Todos têm a mesma origem, mas esse reisado urbano, nômade, ou melhor itinerante, ambos têm o caráter dramático, da brincadeira dos caretas. O reisado de que está falando acontece em um único lugar, numa data previamente agendada pelo grupo com o dono da casa, ou responsável pela instituição que convida.

Tradicionalmente, as apresentações ocorriam em uma casa, geralmente, no terreiro de uma fazenda; hoje acontece  em espaços públicos como em praças e escolas. É um auto, uma peça dramática, popular. Os caretas ou reisado são chamados, também, de papangus. O dicionário do Folclore Brasileiro de Câmara Cascudo define papangus como: “tolo, ridículo, grotesco... O termo vem de uma espécie grosseira, assim apelidada, e que a semelhança do farricoco, tomava parte nas extintas procissões de cinzas...”(Cascudo,2001 p.480).

Portanto, os atores principais da brincadeira, do auto, são os caretas, mascarados, como foi dito, dão nome ao drama. O número de caboclo em cena não é algo pré-estabelecido, é de acordo com a disposição voluntária de cada um. Como cada ator, geralmente, quer se apresentar, passa o ano inteiro esperando o dia e a hora de se apresentar, todos se apresentam No grupo a média de caretas é seis membros, mas há apresentações que participam oito, alguns vêm assistir e entram na brincadeira. A média de idade dos caretas é acima de 70 anos. Como se percebe, o reisado não teve renovação, são os mesmos que vêm trazendo a tradição desde jovens. O ingresso da televisão nos lares, trazendo filmes e novelas diárias, novos meios de diversão, os sons eletrônicos a diversificação e a mercantilizarão da diversão, que virou negócio altamente lucrativo, tudo isso concorreu para que o reisado deixasse de ser uma novidade, um atrativo, sobretudo para os jovens.

Para o mestre Sebastião Chicute, o que retirou em grande parte a audiência do reisado foram as novelas:

“Depois que apareceu as novelas na televisão e também agora que todo mundo possui uma televisão em casa, as pessoas se acomodaram e não saem para ver um reisado. Antes como não tinha televisão, não tinha outra diversão, todo mundo ia assistir o reisado. Brincava-se até a noite inteira. Hoje se faz só uma pequena apresentação.”

 O reisado deixou de ser uma atração, sobretudo, a partir da década de 70, [viii]que é quando chega a energia da hidrelétrica de Paulo Afonso do Rio São Francisco, no Nordeste brasileiro e consequentemente, as primeiras televisões. Nas praças públicas as prefeituras colocavam televisores em locais construídos para esse fim. Portanto onde tinha uma televisão, não se podia fazer outra brincadeira, pois atrapalharia os assistentes. Multidões formavam-se em torno dos televisores nas praças para assistirem aos programas e novelas o que confirma o ponto de vista do mestre Chicute.

No entanto, ultimamente, tem havido uma revalorização dos grupos de reisado e no Ceará, o ano de 2003 é o marco do processo de revalorização com a lei que instituiu os mestres da cultura, com consequente influência nos municípios. Em Capistrano, o marco foi o ano de 2005, quando a recém criada Secretaria de Cultura proporcionou  as apresentações do reisado do mestre Sebastião Chicute, na praça, e em ambientes públicos. Por outro lado, como o reisado se constitui uma tradição espalhada por todo o Brasil, embora com denominações diferentes, pesquisas recentes revelam a existência de grupos de folia de reis em várias partes do Brasil, atuando normalmente. No Rio de Janeiro, por exemplo, há até uma federação de reisado, devidamente organizada. (Bitter, 20010:25)

Com uma concorrência tão desleal, o espaço dos caretas foi reduzindo-se a ponto de no final da década de 90, início do séc. XXI, praticamente, desaparecer, em Capistrano.

Com o incentivo dos poderes públicos, sobretudo das Secretarias de Cultura, dos editais de cultura, o reisado volta à cena e estava bem guardado na memória dos artistas populares e do povo que o assistiu quando criança. É no momento uma atração para as crianças, também.

Talvez seja essa uma das explicações que se tenha para o fenômeno de ser o reisado uma brincadeira de sexagenários, no entanto, a introdução de crianças como assistentes e participantes garantirá a sua sobrevivência.

Essas são as explicações mais plausíveis que se tem. Uma outra explicação que merece mais aprofundamento é o fato de na zona rural, os homens, a partir dos 60 anos, aposentam-se, portanto ficam mais livres, mais libertos do ponto de vista financeiro, isso está mexendo com o imaginário dessa gente. É comum as prefeituras organizarem o “forró” dos idosos e outras atividades lúdicas para esse grupo etário, que participa ativamente. Em Capistrano, há o espaço do idoso e muitos dos que se divertem naquele espaço são brincantes do reisado, são caretas.

Os caretas são responsáveis pela animação permanente do auto. Eles estão sempre enfeitados, com máscaras, de chapéu, com bastões na mão, eles dançam o tempo todo, seja quando estão em cena as figuras, seja no momento dos relaxos, que são versos  cantados em que relatam aventuras, cada um contando a sua história. Podem ser improvisados ou decorados. Isso já acontece  na abertura, mas se estende a todos os atos da apresentação pelos caretas, protagonistas da apresentação. Eles se organizam em circulo, em torno do sanfoneiro e do mestre, criando o espaço para as figuras desfilarem no centro da roda.

Ao longo desta análise falar-se-á mais sobre esses que são o coração do reisado.

 

4.1.4 A Velha ou Vitalina

 

Oi, bota

Oi, bota pó,
Vitalina tire o pó,
Quem não casa aos trinta e dois,
Vai morrer no caritó.
(bis)
Outro dia Vitalina,
Quando foi se confessar,
Perguntou ao "Seu Vigário",
Se é pecado namorar,
Seu vigário respondeu,
Tenha pena de mim, tem dó,
Eu também fui nessa onda,
Vou morrer no caritó. [ix]

 

Essa é um personagem singular no grupo de caretas. É um careta especial, tem a função de quebrar a ordem das coisas, das apresentações. Funciona como catalisadora da atenção das crianças. Ela faz um teatro à parte. Não fica no grupo, não dança, não faz parte daquele mundo cênico, ela faz o seu próprio espetáculo. Mexe com todo mundo, sobretudo, com as crianças. Corre atrás de crianças, leva carreira, também, faz todo tipo de estripulia no terreiro, na praça, no local da encenação. Chega a atrapalhar e tirar a atenção do grupo em cena. Mas é essa, contraditoriamente, a sua função.

A velha tem vários apelidos. Nesse reisado é velha, mas já foi vitalina,[x] muitos ainda chamam de vitalina, ao que tudo indica, a velha no reisado de Sebastião Chicute é a registrado por Câmara Cascudo e que a reconhece em outros pesquisadores é a “Catirina”[xi]. É difícil, estabelecer uma fronteira entre estes personagens, eles misturam-se, mesclam-se, recriam-se em cada grupo, em cada região e em cada tempo.

“Sem a velha o reisado é frio, é sem graça” diz o mestre Sebastião Chicute.  A velha é o contraponto. Os meninos têm medo dela, mas gostam dela, querem desafiá-la. Ela porta uma máscara horrível que a deixa desconhecida, completamente, porta uma “macaca” ou “chiqueirador” (termos usados para designar uma espécie de chicote, que consta de um pedaço de sola de mais ou menos 3 metros, amarrados em um pedaço de pau), instrumento que o vaqueiro usa na tangência do gado.

 

Figura 9: A velha, foto do acervo do pesquisador.

É um longo pedaço de sola, de couro, fixado em um pedaço de pau, um cassetete de mais ou menos 80 cm. Esse objeto quando bem lançado, dá um estalo na sua ponteira. Ela dá dois lances seguidos, indo e voltando, provocando, assim um grande estalo que assusta os animais e as pessoas. Se a sola tocar na pessoa, pode causar um ferimento. Mas não se registrou acidente, pois o personagem age com muito cuidado, sempre distante.

Esse personagem ao contrário dos caboclos, é uma pessoa mais jovem, até porque sua função é correr atrás dos meninos, que não o deixam em paz. É preciso está em forma para suportar o ritmo de sua ação. No reisado do mestre Sebastião Chicute o papel da velha, desde 2005, é desempenhado pelo brincante Adriano, que ao vestir-se de seu personagem (vide figura 9) o encarna completamente, transformando-se em uma espécie de palhaço, mudando o seu comportamento natural, que é de uma pessoa calada, tímida e pacata. 

                                   

4.1.5 As Damas e ou Pastorinhos

Segundo o mestre Sebastião Chicute,[xii] quando ele brincou, pela primeira vez, na década de 50, do século XX, ainda criança, teria sido como “dama de reisado”. Na época, era assim que se denominavam as crianças que brincavam com os adultos. Apesar de denominarem-se damas, todos eram meninos. É que o reisado é uma brincadeira tipicamente masculina. Os atores são, na maioria das vezes, homens No reisado do mestre Sebastião Chicute há mulheres coadjuvantes, como a esposa dele, Luzia Lourenço Prudêncio, que ajuda em tudo: na confecção das figuras, na alimentação nos dias de ensaio e nas apresentações, mas não tem papel definido na roda. No caso dela, especificamente, no momento das apresentações, sua função é de apoio ao marido e ao grupo, notadamente, na organização.

Voltando às damas ou aos pastorinhos, como se disse antes, chamavam-se damas os  meninos, mas devido ao preconceito, por dama ser um substantivo feminino, e não masculino, os garotos começaram a ficar incomodados com essa função. Apesar de vestirem roupas masculinas, o fato de serem damas lhes incomodava. Foi aí que o mestre resolveu denominá-los de pastorinhos.

 

Figura 10: Damas e pastorinhas, foto do acervo do pesquisador.

 

4.1.6 O Trio Musical: Sanfoneiro, Pandeirista e Tocador de Triângulo.

A sanfona[xiii] é um dos instrumentos mais populares do Nordeste brasileiro. Acompanha os principais grupos e conjuntos de danças nordestinas, o mais popular artista: cantor, compositor e instrumentista nordestino, Luis Gonzaga, tinha a sanfona como seu principal instrumento e se tornou um dos símbolos da música nordestina. Portanto a sanfona é um instrumento indispensável no reisado.

Mas esse grupo tem algo especial. Seu acordeonista, seu sanfoneiro é um nonagenário: Luis Duarte. Filho de um tocador de oito baixos, ele, o irmão apelidado de Sabiá e o primo Chico Justino formam um trio de artistas de uma única família, sendo o último conhecido em todo estado.

 

Figura 11: Trio musical do reisado: Sanfoneiro, pandeirista e tocador de triângulo.

Luis Duarte toca sanfona desde tenra idade. Mesmo com 90 anos não esqueceu as notas musicais das cantigas do reisado. Ao comando do mestre que lhe dá a ordem, ele inicia com seu velho e cansado acordeom a melodia de cada parte, de cada ato. Para melhor desempenho artístico e reduzir a timidez, um gole de aguardente é sempre bem vindo no início de cada apresentação. Tem um cuidado todo especial com seu instrumento, sempre guardado em uma sacola de pano e somente aberta durante a apresentação.

Mas só o sanfoneiro não tem graça, é preciso de percussão e a percussão é feita com o triângulo e um pandeiro, cujos tocadores estão, igualmente, afinados com o compasso das músicas do reisado, da cantiga de porta, à morte e ressurreição do boi.

Está composto o trio musical, que acompanha o reisado.

 

 

4.1.7 Os Soldados

O papel do soldado é figurante, é para dar um aspecto de autoridade ao grupo. Como se trata de uma festa e é comum nas festas ter a presença da polícia, o papel do  soldado no grupo é este, organizar o grupo, auxiliar o mestre e o capitão na organização do grupo. No caso, em estudo, há ocasiões de se ter dois soldados, mas ultimamente apenas um tem se apresentado e esse tem o apelido de Pirulito, apelido que é conhecido na cidade.

 

4.1.8 Os Dançarinos de Figuras

Toda figura de reisado tem uma força humana para movê-los. É claro, um boi de madeira e pano não se move sem que uma pessoa não o esteja conduzindo, e assim por diante. Como já foi dito, as figuras predominantes no reisado em estudo pinta, boi, bode e burrinha são animados por especialistas em figuras. Cada uma com o seu gingado, o seu balançado específico, de acordo com o toque da sanfona, com o seu canto, com a sua dança. Para melhor compreender o papel dos dançarinos de figuras, na sequência deste capítulo, quando se descrever cada figura do reisado, se estará descrevendo o papel de seus dançarinos, que são a força motriz e que dão vida às figuras dos animais do reisado, conforme se verá.

 

 

4.2 Os Instrumentos Musicais e de Propagação Sonora do Reisado do Mestre Sebastião Chicute

Foi oportuno registrarem-se os instrumentos que viabilizam a realização de uma apresentação de reisado, hoje. Basicamente são quatro os instrumentos, um conjunto de natureza musical e percussão e um conjunto de propagação sonora. Em ambos está a presença da modernidade, do desenvolvimento tecnológico que se propaga através de equipamentos musicais e de som pelo interior afora com toda intensidade nas últimas décadas. Nesse momento, a tradição e a modernidade se associam, essa contribuindo com a difusão daquela. E quais são esses instrumentos: o acordeom, o pandeiro, o triângulo e o serviço de som.

Já se falou do acordeom, mas aqui quer-se ressaltar o seu caráter moderno, como produto industrializado. Diferentemente do pífano ou da rabeca que podem ser construídos pelo próprio músico, a sanfona é um instrumento sofisticado, fabricado por indústrias especializadas, de marcas famosas. Entretanto, ainda que seja um instrumento moderno e de alto padrão industrial, a sanfona não tem sonoridade própria, à altura do que se requer hoje, onde o silêncio é coisa rara. Para amplificar o som da sanfona é preciso dos recursos tecnológicos de amplificação eletrônica, aí sua potência aumenta e consegue ser ouvida e competir com os demais instrumentos e o barulho que uma festa deste tipo consegue fazer. Então sanfona sem som, não anima, é morta.

O pandeiro é, também, um produto industrializado, com um nível de sofisticação menor, mas, também, não é feito de forma artesanal, pois o pandeiro, ainda que seja bem ouvido sem o som, melhora e muito, se for amplificado com ajuda de um microfone.

O triângulo é o único dos instrumentos que é feito pelo próprio tocador que usando um pedaço de ferro roliço, consegue fabricá-lo, mas igualmente melhora seu desempenho com o som.

Como se viu, o som é importantíssimo para o grupo musical, mas é igualmente importante para os membros do reisado. Pelo menos dois microfones devem está a disposição dos caboclos, pois assim eles podem propagar para toda a assistência os seus relaxos, seus improvisos e as cantigas, que é como chamam as músicas de sua brincadeira.

Por isso, nesse caso específico, a modernidade veio para contribuir, para somar com a tradição. Os meios eletrônicos, ao mesmo tempo, foram e são concorrentes do reisado quando estão a serviço de outros grupos em grandes festas, por exemplo, aqui são seus aliados.O que se percebe é que é possível manter e valorizar a tradição popular com os meios que a modernidade oferece.

 

4.3 Início de uma Apresentação: cantiga de porta

      Apesar de predominar o improviso e os versos decorados aleatórios declamados pelos caretas durante as apresentações, cada ato começa com a sua música própria que o grupo todo conhece e canta. A primeira música que o grupo entoa é na porta da casa onde vai acontecer a apresentação daquela noite. Apesar da pessoa já está sabendo, os convidados estarem todos no terreiro, muitas vezes, o dono da casa entra para que se faça o ritual conforme a tradição. A música introdutória é muito melancólica na sua primeira parte, depois ela se torna mais alegre e divertida, pois muda-se o estilo, ou seja, a primeira parte é como se fosse um hino sacro, já a segunda é uma espécie de xote. Na sequência serão registradas algumas dessas principais músicas para melhor compreensão da brincadeira. As letras aqui apresentadas são de duas fontes: o CD de músicas de reisado, gravado pelo mestre Sebastião Chicute, com o sanfoneiro Luis Duarte e o grupo musical do Prof. Fábio Abreu na cidade de Maranguape, em 2007, e de depoimentos do mestre Sebastião Chicute, que, em algumas estrofes, apresenta versões diferentes das faixas do CD.

Cantiga de porta é o pedido de autorização ao dono da casa para iniciar a festa. São duas partes, cada uma com ritmo diferente, a primeira mais cadente e a segunda mais alegre, mais rápida.

 

Primeira parte:

                                     Ôh de casa! ôh de fora!

Mangerona é quem está ai!

È o cravo e a rosa,

E a flor do bugari.

 

Eu cheguei na vossa porta,

Pus a mão na fechadura,

Eu falei vos não falaste,

Coração de pedra dura!

   

Santo reis do Oriente

Não dormia nesta hora

Ele foi para Belém

Visitar Nossa Senhora

 

Senhor rei do Oriente

Ele foi para Belém

Ele pedir a esmola para

Nós pedir também

 

O senhor abre esta porta

Pelo rei de meu amor

Porque eu quero saber

Se você me perdoou

 

Entre  porta e portal

Vi a chave tramilir

O arrasto da tramela

E a porta se abrir

 

Esta casa está bem feita

 Por dentro por fora não

Por dentro cravos e rosas

Por fora manjericão

 

Ao comparar a cantiga da porta do reisado, em estudo, com a do coro de abertura do bumba meu boi do Rio Grande do Norte, descrito por Mário de Andrade, (Andrade,2002.p 569). percebe-se a universalização desse canto no Nordeste e a continuidade da tradição. Se não são iguais , mas há muita semelhança nas letras. Veja-se como são  descritas pelo autor paulistano, duas estrofes que ele chama de coro de abertura:

                                     (...)                                                               

                                     2

                                     Ôh de casa! ô de fora!

                                     Mangerona  qum’stá aí!                                

                                     Ou é o cravo ou é a rosa

                                     Ou é a flor do bugarí

                                     3

                                     Eu bati na tua porta,

                                     Pus a mão na fechadura,

                                     Eu falei, tu não falaste,

                                     Coração de pedra dura!

As diferenças são poucas, talvez as mudanças ocorram por ser uma tradição oral. No reisado de Sebastião Chicute, a primeira estrofe é a segunda no reisado do Rio  Grande do Norte. O primeiro verso dessas estrofes são quase iguais, no segundo verso percebe-se uma diferença. Nos versos 4 e 5, o do RGN registra uma dúvida: “ou é o cravo, ou é a rosa, ou é a flor de bugarí,” enquanto no de Sebastião Chicute é afirmativo: “É o cravo, é a rosa é a flor do bugarí”. Veja-se como canta o mestre Sebastião Chicute:

              Ô de casa, ô de fora

              Mangerona é quem tai

              É o cravo é a rosa

              É a flôr do bugari

A terceira estrofe do boi do Rio Grande do Norte é igual à segunda estrofe do boi do Sebastião Chicute mudando, apenas, o pronome possessivo tua e tu para vossa e vosso, como pode ser visto acima.

As semelhanças demonstram que há um tronco comum nesses autos e que vão se modificando com o tempo, quando recebem outras influências, agregam-se outras palavras, outros costumes, ou mesmo quando, por ser uma tradição oral, transmite-se como ouviu a palavra ou frase, adaptando-se ao seu linguajar ou vocabulário.

                                     Eu cheguei em vossa porta

                                     Pus a mão na fechadura

                                     Eu falei vós não falaste

                                     Coração de pedra dura.

 

4.3.1 Segunda Parte da Cantiga de Porta:

Nesta segunda parte muda o ritmo. Enquanto o ritmo anterior é melodioso, na segunda parte é animado, o ritmo é quase como um xote, mas está mais para um baião. Neste momento os caboclos começam a dançar cantando assim:

 

                                     Abre esta porta

                          Por nossa Senhora

                        Que nós mora longe

                          Queremos ir embora

                         

                          Abre esta porta

                          Se queres abrir

                          Que nós mora longe

                          Queremos seguir

 

                          Abre esta porta

                          Por nossa Senhora

                          Se quer vim dançar

                                     Queremos agora

        

No Nordeste brasileiro, a tradição do reisado está vinculada às brincadeiras e folguedos do ciclo de festejos natalinos. As figuras que compõem o auto dramático de caráter popular, do natal, tem relação com as que compõem o presépio, criado por São Francisco de Assis, na Idade Média e que virou um dos símbolos do natal, principalmente, para os cristãos católicos. (Mário de Andrade, 2002 e Câmara Cascudo, 2001).

 

4.4 Figuras  de Animais e suas Respectivas Cantigas

As figuras de animais, os componentes, as danças, as músicas, os instrumentos e a forma de brincar o reisado variam de região para região, de localidade para localidade, de grupo para grupo. Cada região, cada lugar, cada grupo têm as suas peculiaridades.

No Brasil, segundo os pesquisadores Câmara Cascudo e Mário de Andrade, a brincadeira dos reis tem uma variada forma, e está adaptada a cada região do país.

Em Capistrano, atualmente, as figuras de animais que compõem o reisado são: o boi, o bode, a burrinha e a pinta. Para melhor compreensão do papel de cada uma dessas figuras, far-se-á o registro de cada uma delas a seguir.

 

Figura 12: Fotos do boi, do bode, da burrinha, sem a vestimenta e da pinta no primeiro plano.

 

4.4.1 O Boi e suas Cantigas

A primeira figura a ser registrada é a do boi, por ser a principal. O boi é sua majestade no reisado, é em torno dele que acontecem as mais variadas estripulias, sempre cantadas e dançadas pelos componentes do reisado. Antes porém de falar-se sobre o boi de Capistrano é bom saber o que diz Câmara Cascudo sobre essa figura de tanta fama:

“Pelas regiões de pecuária há uma literatura oral louvando o boi, suas façanhas, sua agilidade sua força e decisão. Especialmente no Nordeste, onde outrora na havia  a divisão da terra com cercas de arame, os bois eram criados soltos, livres nos campos sem fim. A cada ano os vaqueiros campeavam o gado para a apartação, separando as boiadas pelas marcas impressas a fogo. Alguns touros escapavam ao cerco anual e  iam criando ama de ariscos e bravios. Eram os barbatões que vaqueiros destemidos iam buscar...” (Cascudo, 2001, p.69)

O reisado do mestre Sebastião Alves Lourenço, popularmente, conhecido por Sebastião Chicute, contém as figuras, as danças, as músicas de tradição do reisado do Ceará, e tem o boi, como figura principal. O boi é o destaque da brincadeira. As demais figuras, que serão conhecidas na sequência deste estudo, são, podemos dizer, coadjuvantes. O ponto auto da apresentação é o boi, é a brincadeira de cabeça do boi, ou a arte de brincar na cabeça do boi, como dizem os mais antigos.

A primazia do boi no reisado de terreiro, no auto do reisado, que difere do reisado cantado de porta em porta, no período da festa de reis, pois esse embora tenha muito daquele, tem outra característica: a de visitar as casas e colher prendas, levando as músicas e a brincadeira a cada porta, a cada lar.

O reisado de terreiro é dançado em uma só casa, em um só lugar naquela noite. O número de figuras, os instrumentos, o som, as danças, a dramatização são próprios para se realizar em um espaço físico determinado, onde há um grupo de atores, os componentes do auto, da dramatização e um público, que interage com os participantes de diversas formas.

Voltando à figura do boi, pode-se dizer que essa não é exclusiva do reisado. A sua inclusão na brincadeira inspira-se primeiro nas figuras do presépio natalino e que, no Nordeste brasileiro, foi fortalecida pela forte influência do boi em outras atividades de lazer, como a vaquejada oriunda do ciclo do gado. O cantor nordestino Luiz Gonzaga consagrou o boi em uma de suas canções, dando ênfase à sua repartição, como se faz no reisado:

“Ê! boi, ê! boi, ê! boi do Mangangá,

Quem não tem chaculateira

Não toma café nem chá

 

Ê boi, ê boi, ê boi do Ceará

Quem está matando este boi

É o prefeito do lugar

 

Ê boi, ê boi, ê boi do Piauí

Quem não brincar neste boi

Não pode sair daqui

Na sequência da música tem a repartição do boi, que por ser muito longa, optou-se por não registrá-la neste momento, e sim quando se falar da repartição do boi.

O boi, portanto, está no reisado, mas não é só do reisado, e, sim, característico de uma outra brincadeira que tem vínculos com os festejos medievais trazidos da Península Ibérica para o Brasil e fortalecido, aqui, com o ciclo do couro. Essa brincadeira conhecida como bumba meu boi ocorre em todas as regiões do Brasil e em diversas fases do ano, de acordo com a região.

“o boi está de tal forma inserido no contexto cultural do Brasil que sua figura se apresenta em folguedo folclóricos, canções, literatura de cordel e tantas outras manifestações, com diferentes nomes: boi-bumbá, bumba meu boi,  boi-de-reis, reisado, boi de mamão, boi-calemba, surubi, e outros”. (Andrade, 2002)

Por exemplo no Maranhão, a festa do bumba meu boi ocorre em junho, dentro dos festejos juninos. Mário de Andrade, em seus estudos sobre o folclore brasileiro, deu destaque ao bumba meu boi.

O que se quer demarcar neste estudo é que o reisado não se limita ao bumba meu boi. O reisado tem o boi como figura principal, mas não única. O boi do reisado é uma figura oriunda da tradição do presépio, como é a própria festa de reis, pois os reis de que se festejam são os reis magos que visitaram Jesus, mas há, também, a presença do boi, que sendo, também, do presépio, incorporou a cultura da dança do boi, do bumba meu boi estudado, amplamente, por Mário de Andrade e Câmara Cascudo.

 

4.4.1.1 O boi no reisado do mestre Sebastião Chicute

Meu boi morreu, / Que será de mim,

Manda buscar outro/Lá no Piauí

A figura do boi evoluiu muito, com novos materiais disponíveis à população. O alumínio, o isopor, por exemplo, são materiais leves que possibilitam a construção de uma figura leve de fácil manejo. Vê-se hoje figuras de boi bem estilizado, mantendo-se a cabeça e os chifres em destaque, dando mais visibilidade ao componente que dança o boi.

O boi do reisado de Capistrano, ainda é um boi tradicional, nele o destaque não é para o brincante que está debaixo do boi, e sim para o caboclo, para o mestre que brinca na cabeça do boi. (Figura 13). Há, portanto, uma diferença. Quando a figura é leve, tem mais tecido que armação, a cabeça e os chifres são de isopor, o brincante brinca em pé, o boi tem mais agilidade, corre de uma ponta a outra do salão, faz acrobacias, momentos etc. Aí então o brincante é destaque com seu boi.

 

Figura 13: O boi do reisado do mestre Sebastião Chicute

No caso, em estudo, não ocorreu bem assim. O boi é pequeno, parado, gordo, fechado, apenas com o espaço do condutor ver onde vai passar.

A tarefa de ficar debaixo do boi é árdua, pois o espaço é pequeno, quente, com pouca visibilidade. Nessas condições, caminha um pouco lento e dança de acordo com a música, a cantiga do boi. É preciso ter amor, dedicação. É preciso gostar mesmo para ficar debaixo do boi. E quem é o destaque nesta situação? O caboclo de cabeça do boi, os caboclos, ou papangus que dançam em volta e a figura do boi, que tem vida, se movimenta, através da força motriz humana, do componente que sofre, mas, também, se diverte debaixo dele.

Nesse caso particular do grupo do mestre Sebastião Chicute, não houve uma grande evolução da brincadeira do boi no que se refere à figura, como deve ocorrer em várias regiões, embora ela possa estar mais leve, por conta dos materiais disponíveis, já citados, mas o seu modelo é o mesmo, ou se aproxima muito do mesmo boi da metade do século XX, razão porque, sendo seus componentes, na maioria, homens acima de 70 anos, trouxeram essa tradição para o presente, já que são os seus condutores, como é o caso de Sebastião Chicute, 74 anos.

Apesar de a tradição ser mantida em grande parte, posto que o boi é construído, no ano, pelo próprio mestre e foi assim que ele aprendeu e todos aprenderam, eles não estão satisfeitos com esse boi. Eles sonham com outro boi mais leve, mais galante. Foi o que aconteceu, quando um grupo dos componentes do reisado esteve em Russas, em 2007, por ocasião do II Encontro dos Mestres do Mundo, do qual participou o mestre Sebastião Chicute. Na última noite, foi um ônibus de Capistrano, com seus amigos e familiares, para assistirem as apresentações finais. Como destaque teve a apresentação de um boi de Russas. Nele o brincante ficava em pé, corria todo o palco, dançava, era visto pelo público. De boi tradicional só tinha mesmo a cabeça e o chifre, o resto era tecido, fantasia, muito colorido etc. Eles ficaram encantados com esse boi e vieram para Capistrano, com a ideia de mudarem o boi, criticando o “boi do Sebastião”.

Em outra ocasião, no Natal de 2005, na cidade de Ocara, em uma festa regional promovida pela SECULT, através de edital, o reisado de Capistrano apresentou-se, mas o ganhador da competição foi o reisado da cidade. Esse tinha um boi, não muito “moderno” como o de Russas, mais leve, mais alto que o de Capistrano e que até fazia humor com o público, ao emitir jatos d’água ao público com a cauda levantada, o que levava o povo ao delírio.

Por conta desta proeza do boi de Ocara, e por não terem vencido a competição, houve muitos questionamentos e, mais uma vez, se reclama do boi deles, sem enfeite, pequeno, quase parado. “Este boi devia mudar”, “temos que mudar”.

Passadas essas discussões de fora, os encontros com outros grupos, voltando-se ao cotidiano da vida e das festas de reis locais, esqueceram-se de mudar o boi e ele continua com sua peculiaridade. Isto não é ruim, é bom que o boi de Capistrano tenha sua identidade, o de Russas a sua e o de Ocara, também, sendo todos “bois” de reisado.

 

4.4.1.2 O Dançarino do Boi

O dançarino do boi pouco, ou quase nada aparece, mantém-se dentro do boi, numa posição pouco confortável, pois o espaço é muito pequeno. A posição normal é encurvado de 90 a 180 graus, dependendo do tamanho da pessoa. Carrega o boi nas costas, curvado o tempo todo, sua visão externa é, apenas, por um pequeno espaço de 20 cm lineares, ele o faz sempre dançando. Ao término da apresentação, dependendo do tempo, sai debaixo do boi com o corpo molhado de suor. Há grupos de reisado que trocam os brincantes na apresentação, mas nesse não há tal prática, o brincante é um só.

Notou-se uma mudança nos últimos quatro anos. Em 2005, o brincante era um senhor de 80 anos, que pela idade pouco se apresenta dentro do boi. O mesmo foi substituído por um jovem oriundo do grupo mirim e sua adaptação tem se revelado boa.

 

4.4.1.3 Cantiga da Chamada do Boi

A cantiga do boi é linda, melancólica e poética. Registra-se, a seguir, na íntegra:

Quando eu vejo as trovoadas

Meu amo

Pro lado do meu sertão

Me lembro de sela nova

meu amo

De meu cavalo e meu gibão

E de minhas vaquejadas,

meu amo

Nas florestas do sertão

 

Mas cadê o meu garrote,

meu amo

Eu não  vejo ele chegar

Hoje na primeira vez

meu amo

Ele veio se apresentar

Depois de tudo queremos,

meu amo

Com o senhor negociar

 

Mandei buscar este boi,

meu amo

Pelo mesmo cortador

Esperei até agora,

meu amo

Ele ainda não chegou

 

Vai chegando meu garrote,

meu amo

Meu novilho contente

Ele vem se apresentando

Meu amo

Com duas damas na frente

Vem mostra pra este povo,

meu amo

O santo rei do oriente

 

Já chegou meu garrote,

meu amo

Veio aqui pra este salão

Mandei buscar este boi

meu amo

Para saudar este povo

Meu amo

Com toda esta multidão

Pra recordar as belezas

Meu amo

Que tem lá no sertão.

 

4.4.1.4 Cantiga da Retirada do Boi

A cantiga de retirada do boi, principal figura do reisado, é melodiosa e melancólica. È num tom de aboio típico do Nordeste brasileiro. Identifica-se nessa música um pouco da tradição dos vaqueiros do Nordeste, amplamente, estudado por autores como Câmara Cascudo. De certo modo, o boi que aparece no reisado e no bumba meu boi do Brasil, tem influência do ciclo do couro, denominação dada ao período de predominância da pecuária no Nordeste do Brasil. Registra-se nessa cantiga, como são denominadas as músicas, uma presença da literatura oral na sua vertente denominada literatura de cordel, que será abordada no próximo capítulo. Para comprovar-se o que se está afirmando, registra-se abaixo um dos trechos do referido cântico.

Toca, toca a despedida

Do meu boi coração

(bis)

Vai embora novamente

Vai voltar pro meu sertão

                                     Adeus meu pessoal nobre

Eu rogo a toda nação

 

4.4.2 O Bode e sua Cantiga

Antes de ler Mário de Andrade, em Danças Dramáticas do Brasil, desconhecia a origem do bode na brincadeira do reisado. Mas sabe-se que o bode está presente no bumba meu boi de diversas regiões, como do Rio Grande do Norte e Ceará, segundo Andrade. (Andrade/2000). Já no Dicionário do Folclore Brasileiro de Câmara Cascudo, o termo bode não faz nenhuma relação com figura de qualquer folia. Faz referência ao uso depreciativo da palavra em relação às pessoas, também, à culinária nordestina.

No caso, em estudo, o bode tem as mesmas características do boi: é pequeno, baixo, fechado, com pouca visibilidade e o caboclo que dança debaixo dele se submete a um calor demasiado. Também percebe-se que tanto no boi, como no bode o dançador dessas figuras fica na posição horizontal, ou seja, curvado, diferente do boi de Russas, por exemplo, que o dançador fica em pé.

A figura do bode é, pois, do tamanho natural de um bode, mas sendo largo, certamente, para caber o dançador dentro. A cabeça e os chifres são originais, retirados de cabeça e chifre de bode. No caso específico do reisado do mestre Sebastião Chicute, o bode é coberto com couro de bode, para ficar mais original.

O bode entra em cena depois do boi, podendo ser primeiro ou depois das outras figuras, quem determina é quem está no comando, o mestre da noite, que, no acaso em estudo, é o mestre Sebastião Chicute.

O bode é introduzido no círculo, trazido por duas ou mais damas, que, devido o preconceito das meninas, o mestre substituiu os seus títulos de damas, que seria mais apropriado para mulheres, para pastorinhos.

Ao adentrar no recinto, o bode é recebido pelo coro dos caboclos e brincantes com o seguinte refrão:

“Marieta amarra o bode

Que esse bode foge”

Mas para ficar mais engraçado, eles cantam com um certo apelo, da seguinte forma::

 “Marieta amarra o bode

Que esse bode “fode”. 

                         

Na sequência são cantadas várias estrofes com o tema do bode. São os chamados relaxos. Cada caboclo canta pelo menos um: o relaxo, geralmente, é composto por quatro versos, uma quadra.

 

4.4.2.1 Dançarino do bode

Como o boi, o dançarino do bode fica imerso em sua figura, sendo, ainda, menor o seu espaço. Uma coisa interessante é que não há proporção entre as figuras, todas são mais ou menos do mesmo tamanho. Na realidade um boi é muito maior que um bode, mas na brincadeira de reisado essas figuras são desproporcionais ao animal que simbolizam e mais proporcionais ao homem que as conduz. Assim boi, bode, pinta, burrinha são, praticamente, do mesmo tamanho. (Vide figura 12).

  Ao término do bode, entra nova figura.

 

4.4.3 A Burrinha e sua Cantiga

A burrinha (conferir figura 14) é uma das figuras mais conhecidas dos grupos de reisado, bumba meu boi, caretas e papangus, no grupo em estudo, seu formato é o seguinte:

Uma estrutura de arame e madeira, coberta de tecido branco, tecido ao centro, um espaço para o brincante, que também se veste de branco. A cabeça e a cauda dão a aparência de um animal, porém em tamanho reduzido, desproporcional ao corpo. Nas laterais, um par de estribos com sapatos velhos neles colocados para simular as pernas do cavaleiro.

Câmara Cascudo, em seu Dicionário do Folclore Brasileiro, (Cascudo 2001:81) afirma que a burrinha:

“Era uma personagem mascarada, tendo um balaio na cintura, bem acondicionado, de modo a simular um homem cavalgando uma alimária, cuja cabeça de folhas-de-flandres produzia o efeito desejado....O divertimento semelhava-se ao terno de reis. A diferença estava apenas na  presença da burrinha dançando... Assim ,depois de tirado o Reis, entravam cantando:

                                    

                                     Minha burrinha bebe vinho

                          Bebe também aguardente

                          Arrenego deste bicho

                          Que tem vício feito gente.

 

                          Xô, xô bichinho,

                          Xô, xô, ladrão,

                          Cadeado do meu peito,

                          Chave do meu coração. (Cascudo, 2001:81)

      

Ao que tudo indica, a burrinha é mais uma figura que faz parte dos folguedos nordestinos e brasileiros, sendo apresentada, em cada região, de acordo com a tradição do lugar. No caso de Capistrano, ela aparece como componente do folguedo de reisado. Ela entra em cena acompanhada de um ou dois pastorinhos, antes denominadas de damas. Ao adentrar no recinto, o grupo canta a sua música, uma das mais populares do reisado, da qual extraiu-se a seguinte estrofe:

“A burrinha do meu amo

Come tudo que lhe dão

Só não come carne fresca

Sexta feira da paixão”.

A coreografia da dança da burrinha é uma das mais belas do reisado. Uma vez trazida ao centro, três dos caboclos a recebem dos pastorinhos e, de imediato, sobre o comando do mestre, iniciam a dança do trancelim. O trancelim é uma dança em que a burrinha e os dois caboclos se alternam indo e voltando de um lado a outro do recinto, ela em pé e eles um pouco agachados, na velocidade e na sétima música, passando um pelo outro, bem pertinho (vide fotos e vídeo). É aplaudido e ao mesmo tempo provoca risos da plateia, que muitas vezes participa também cantando. Pela intensidade do ritmo e da dança, os caboclos, os homens acima de 80 anos demoram pouco tempo na dança, saindo do cenário cobertos de suor. É impressionante a resistência e a capacidade deles no reisado como um todo e nesse ato em particular.

A burrinha, como de certo o reisado, é uma brincadeira de homens, mas registrou-se a participação de uma mulher, jovem, invertida da burrinha, pois o brincante havia faltado e ela apresentou-se muito bem, inclusive, na dança do trancelim.

 

Figura 14:A burrinha, acervo do pesquisador.

                   

 

Segundo relato do mestre Sebastião Chicute, que é corroborado pelas pessoas mais antigas, esse ato do reisado demorava muito tempo, antigamente, pois a brincadeira começava às 20 horas e varava a madrugada.

Para finalizar a descrição da figura da burrinha, pode-se dizer, como foi falado no início, que a burrinha era uma das mais populares. Ela é descrita pelos folcloristas, como Câmara Cascudo e Mário de Andrade, em várias localidades do país. Recentemente, a televisão mostrou algumas localidades que mantêm a tradição da brincadeira da burrinha, mas independente de grupo de reisado, ou equivalente. Nesses, a burrinha sai à rua e é acompanhada por populares, numa brincadeira particular, ou seja, em torno dela própria, sem está vinculada a grupo de reisados.

No caso, em estudo, é uma das componentes do pequeno elenco de figuras do reisado.

 

4.4.3.1 Dançarino ou Dançarina da Burrinha

A burrinha requer um dançarino ou dançarina mais ágil. A burrinha corre, sua dança é conhecida como trancelim. Ela reveza-se com mais dois caboclos indo e voltando quase juntos, cruzando um pelo outro de forma rápida e cadente. O trancelim da burrinha é um dos momentos mais lúdicos da apresentação, contagia o público que aplaude e se diverte com a sua façanha. Em 2006, na falta do brincador oficial da burrinha, um homem de 70 anos, uma jovem senhora da plateia dispôs-se a dançar e o fez muito bem para surpresa de todos. Isso demonstra que por ser uma brincadeira popular e pela prática da assistência, populares aprendem e, eventualmente, se quiserem podem participar, o que, de certo modo, é uma garantia para a continuidade da brincadeira e de sua sobrevivência.

A burrinha é a única figura, nesse reisado em que o brincante o faz de pé e com o corpo de fora, pois ela ocupa apenas a metade do corpo do brincante que fica como se estivesse, realmente, montado em um animal. O animal é metade homem e metade bicho.

 

4.4.4 A Pinta e sua Cantiga

Mário de Andrade e Câmara Cascudo registram, em seus trabalhos, a figura da ema em vários pontos do país, sobretudo no Nordeste. Não se observa, no entanto, a figura da pinta. Ao que se sabe, essa figura parece ser uma adaptação, posto que não havendo ema na nossa região, é natural que não se tenha uma dança ou uma brincadeira com um animal, que não faz parte do cotidiano das pessoas. Assim sendo a pinta substitui, pois a ema conhecida em outras regiões. No caso de Capistrano, o mestre Sebastião Chicute fez a adaptação da ema para a pinta. Isso porque a função da pinta é a mesma da ema: por um ovo para o mestre e seus brincantes. A justificativa para a figura da pinta é a seguinte: segundo o mestre Sebastião Chicute: “aqui a gente não tem ema, aí se coloca a pinta no lugar da ema”.

A figura da pinta é difícil de descrever só vendo para compreender (fig. 12). Tem um longo corpo, mais apropriado para uma pata, um longo pescoço, e cabeça pequena que lembra mais uma ema. É baixinha, tem uns 50 cm de altura e 1,50 cm de cumprimento. Pela sua estatura pequena, é própria para criança. Mesmo criança, o brincante ainda tem que se agachar para não ser visto pelo público. O que se vê são apenas os seus pés. Ela entra em cena muito lentamente, pela posição difícil de caminhar do brincante. A lentidão, com o balanço que dá à figura, a torna cadente, elegante.

A letra da cantiga  da pinta é um tom ameaçador, promete-se castigo se ela não fizer o que se pede: botar ovo pra se vender e ganhar dinheiro. Diz, assim, uma das estrofes:

                                           Penera, penera pinta

                                 Pintinha do meu sertão.

                                 Se tu não me der dinheiro

                                 Eu arranco teu esporão.

Quando a pintinha bota o ovo, geralmente, uma pedra arredondada, os pastorinhos a levam para o mestre, que oferece às pessoas. Faz uma espécie de leilão. O ovo da pinta é uma das formas de arrecadação do reisado.

 

4.4.1. Dançarino da Pinta

O dançarino da pinta leva sua figura de quatro pés. Para essa façanha tem-se recorrido ao recurso de uma criança, pois é muito pequeno o espaço para um adulto. A pinta entra solene no recinto, daí porque seu dançarino deve está atento ao ritmo da sua música. Pela posição do brincante ela caminha muito lentamente.

 

4.5 Participação das Mulheres no Suporte e Apoio

Todos os grupos têm um suporte que lhes possibilita a apresentação. É a infra-estrutura do show, do espetáculo, enfim do grupo ou do programa. Esse grupo chama-se de produção, ele é que dá o suporte para que tudo possa acontecer como previsto. No caso do reisado, não há uma produção exclusiva, um grupo que tudo prepara para o ato acontecer, tudo é feito pelo próprio grupo, pelos mais próximos do mestre e por suas famílias. Aí entra o papel das mulheres. As mulheres dão apoio aos seus maridos e filhos, antes, durante e depois da apresentação. É, também, uma tradição no reisado a realização de uma festa no final do ciclo de apresentação. O mestre Sebastião Chicute revela: “geralmente a festa era no dia 6 de janeiro, dia de santo reis. Todo o apurado era para (destinado) a festa que acontecia, na casa de uma pessoa ou  do mestre. A festa hoje se resume em um jantar. Antes, era uma festa com muita música, muito forró e o sanfoneiro tocando a noite inteira. Era a uma das atrações de um lugar.” Hoje com a concorrência das festas com grande aparato tecnológico, a potência dos equipamentos de propagação de som, a diversidade dos grupos musicais, faz com que a festa de reis seja mais uma confraternização.

Essa festa, seus preparativos, sobretudo, a alimentação é feita pelas mulheres, que se unem em torno da mulher do mestre e trabalham na sua organização. No final, todos colaboram na limpeza do local. Portanto, apesar das mulheres, via de regra, não dançarem no reisado, não serem brincantes, elas participam, assistindo, colaborando, sendo suporte par que as coisas possam acontecer a contento.

 

4.6 Forró de Encerramento

No final da apresentação, o sanfoneiro toca mais algumas músicas, geralmente soladas, música nordestina, seja um xote, um baião, música que se convencionou chamar no Ceará de forro pé de serra. Dependendo da hora e da localidade, esse forró pode durar um pouco mais. Segundo os participantes, antigamente, dançava-se até o dia amanhecer. Ora, naquela época, eles eram os jovens do lugar, eles participavam das festa do reisado, como sendo uma atração única que eles tinham oportunidade de ir, era uma diversão para todos. Nesse tempo, antes da década de 70, não existia televisão no interior, a energia elétrica só existia na zonas urbanas dos municípios em motor a óleo, somente um período da noite das 18h às 22h, somente para iluminar as ruas e as casas.

Com o advento da energia das hidrelétricas, chegou a energia 24 horas, também, inicialmente só nas zonas urbanas, mas agora todas as localidades têm energia, mais de 90% das casas da zona rural têm TV com parabólica, além de equipamentos de sons. A juventude tem outras oportunidades de diversão, outros interesses, o forró desse estilo é mais apropriado para as pessoas mais velhas e essas não têm mais aquele interesse de ficar a noite inteira em uma festa, como tinham quando eram jovens. Essa é uma explicação que se tem para o fato de, na maioria das vezes, terminar a apresentação logo, e terminar, também, a festa, todos vão para as suas casas.

 

4.7 À Guisa de Conclusão do Capítulo

Encerra-se, assim, o estudo etnográfico sobre os figurantes e as figuras do grupo de reisado, a do mestre Sebastião Chicute. Pode-se dizer, por último, que no que pese haver um conhecimento de todas essas figuras, bem como, de suas danças e de suas músicas pelas pessoas mais velhas, geralmente, com mais de 70 anos, o mesmo não ocorre com os mais jovens, pois eles não tiveram a oportunidade de participar, e muitos até nunca nem viram esse tipo de folguedo. A resistência de grupos como esses é importante para o processo de formação cultural de nossa juventude.

Concluída essa análise descritiva do reisado do mestre Sebastião Chicute, passa-se agora para o quinto e último capítulo onde se realiza uma análise de sua obra literária popular, na modalidade de cordel.

 



 

CAPÍTULO V

 

 

PRESENÇA DA EDUCAÇÃO PATRIMONIAL NA POESIA DE CORDEL DO MESTRE SEBASTIÃO CHICUTE

 

Pelos conceitos já discutidos até o presente momento, em relação ao patrimônio imaterial e educação patrimonial, a Literatura de Cordel, enquanto manifestação de caráter popular e imaterial, constitui-se como patrimônio imaterial. Sendo assim, a sua divulgação, através da produção literária de um poeta popular, constitui-se numa das possibilidades de proporcionar a educação aos que lhe tiverem acesso, na forma do conceito de educação do art. 1º da LDB, analisada, anteriormente, ou ainda de acordo com o que se convencionou chamar de educação não formal. Ou seja, o cordelista quando publica seus trabalhos está contribuindo com a difusão de uma literatura de cunho oral, embora escrita, resultado de um manancial que se estende há décadas e séculos, no Nordeste brasileiro, como mostram os autores anteriores e agora citados, como é o caso de Ariano Suassuna que afirma

“...a meu ver, a grande importância da literatura popular, para o Brasil, está no fato de que ela constitui uma espécie de “tradição viva”, peculiar, fecunda, abridora de caminhos, e fonte para uma Literatura erudita realmente nossa... Tal importância está, aliás, a meu ver, em toda a nossa riquíssima Literatura popular, em prosa ou verso, oral ou de origem moral – nos contos e recontos da Poesia improvisada, dos Cantadores, ou na Literatura de cordel dos “romances” e folhetos impressos. Como está, também, nos espetáculos populares do Nordeste, que formam todo um teatro vivo e vigoroso, com o “mamulengo”, o auto dos guerreiros, os “pastores”, o “bumba meu boi” etc. (Suassuna 2007 p. 251,252.)

De outra parte, analisando o mérito da obra do mestre Sebastião Chicute, percebe-se que ele vai além, trazendo temas que contemplam a educação informal e até mesmo a educação escolar, como os relacionados à história regional, à religiosidade, à preservação da natureza, os chamados “causos”, à política, dentre outros.

 

5.1 Literatura de Cordel: origem e temáticas

Antes de iniciar a discussão em torno da produção literária de Sebastião Chicute,convém que se faça uma conceituação mínima do que seja Literatura de Cordel. Luis da Câmara Cascudo, Literatura de Cordel, em seu Dicionário de Folclore Brasileiro, classifica Literatura de Cordel como sendo uma

“denominação dada em Portugal e difundida no Brasil, referente aos folhetos impressos, compostos em todo o Nordeste e divulgado pelo Brasil. (...) Literatura popular impressa que se reconhece também na França pela denominação  de liiterature de colportages, literatura ambulante. A literatura de cordel desses paises emigrou para o Brasil  ingressando no patrimônio de cultura oral..(Cascudo, 2001p.332)

 

A literatura de cordel teve sua origem na prática da oralidade. No Nordeste brasileiro registram-se as cantorias oitocentistas, eram poemas guardados na memória de antigos poetas, registrados por folcloristas, ou reconstituição de folhetos relatando grandes pelejas. Tem-se como pioneiro da cantoria, o poeta Agostinho Nunes da Costa (1897 a 1858), provavelmente, houve cantadores antes dele, mas o mesmo figura como fundador dessa categoria de poeta popular. Por outro lado, os primeiros folhetos impressos no Brasil datam do séc. XIX, sendo considerado os pioneiros do cordel impresso Leandro Gomes de Barros e Francisco das Chagas Batista, na serra do Teixeira, na Paraíba. (Abreu, 1999 p. 74)

Outro aspecto que vale a pena ressaltar, em relação à Literatura de Cordel, é quanto à temática. Para Dourado:

“Os cinco temas mais freqüentes na classificação popular da literatura de cordel são os seguintes: romance, desafio, valentia, encantamento e gracejo. (Dourado,2009)

Na obra de Sebastião encontra-se o tema encantamento, exemplo do cordel sobre a Pedra Aguda e encontra-se gracejo em alguns versos, ou em algumas estrofes dentro de cordéis específicos, como por exemplo o cordel “ Os dez beijos” do qual se selecionou a seguinte estrofe:

Beijar na Barriga é bom

Precisa muito cuidado

O exagero demais

Deixa o homem apaixonado

Paixão fora do limite

Pode não ter resultado

Segundo, ainda, o mesmo autor, Ariano Suassuna classifica, sinteticamente, a Literatura de Cordel nos seguintes ciclos temáticos: histórico, heróico, moral/religioso, satírico e maravilhoso, entre outras variações.

Por sua vez, para o professor Gilmar de Carvalho, estudioso do Assunto,
"a divisão em ciclos não é a forma mais adequada para se encaixar esta fértil produção cultural - além de reducionista, a classificação empobrece a compreensão real do cordel. Para efeito didático, no entanto, é possível apontar alguns dos temas presentes com maior intensidade nos livretos, bem como os mais representativos para o Estado: a religiosidade, o cangaço e a seca, por exemplo, além de personalidades recorrentes como Padre Cícero e Antônio Conselheiro". "São temas que refletem a nossa realidade, contaminados pela nossa visão de mundo", explica o pesquisador.

Análise do professor Eduardo Ditahy Bezerra de Menezes, intelectual dos mais respeitados no estado do Ceará, citado por Dourado, discorrendo sobre a temática do cordel é enfático: "A quase unanimidade dos que se debruçaram sobre a Literatura de Cordel - ou «Literatura Oral», como querem Câmara Cascudo e outros folcloristas nas pegadas do estudioso francês Paul Sébillot - propôs uma classificação por temas do material que compõe esse gênero de produção da cultura popular nordestina. Ditahy explicita que "uma das raras exceções nesse domínio foi a de Mário de Andrade que, em seu curto ensaio «O Romanceiro de Lampeão», limitou-se a constatar, nisso porém simplificando demasiadamente as coisas: "O cantador nordestino tem duas formas principais de poesia cantada: o Desafio e o Romance." Complementa o mestre cearense Eduardo Ditahy: "nesse terreno, tudo se passa como se, à primeira vista, o estudioso quisesse demonstrar a sua competência rejeitando as tipologias dos demais e construindo a sua própria classificação mediante alguns arranjos e acréscimos. (Dourado, 2009)

 

5.2 A Obra Literária do Mestre Sebastião Chicute

A literatura de cordel, componente da grande área da literatura oral, está presente na arte do mestre Sebastião Chicute. Ele afirma em seus diversos depoimentos que os

primeiros contatos com o cordel foi ainda na juventude. É o próprio mestre que  afirma:

“Naquele tempo, pouca gente sabia ler. E eu como sempre fui conversador, as pessoas pediam – ler aí Bastião, um romance pra nós ouvir. Nesse tempo não tinha televisão, hoje tem a televisão, os programas, as novelas, mas naquele tempo tinha o rádio mas nem era em toda casa, pegava ruim era uma chiadeira, então a gente lia romances, como era chamado o cordel antigamente. Eu nunca tinha ido a escola, mas aprendi a ler devagarzinho com a carta de ABC e já dava pra ler os versos. Foi aí que aprendi a escrever cordel, embora só na década de 60 tenha escrito o primeiro verso. Escrevia uma poesia, aqui, acolá, tirava coco com os colegas, mas escrever verso só foi depois. Agora é que tenho escrito mais versos.”

Ao analisar-se a produção poética de Sebastião Chicute, percebem-se algumas linhas temáticas. Grande parte de sua obra está dedicada á temática da religiosidade católica, depois vem a temática da política, também, a questão da violência, as questões inerentes ao amor, aos animais e à história.

Como católico praticante, em dado momento de sua vida, ativo participante das atividades da Igreja, como membro do movimento Encontro dos Casais Com Cristo, Sebastião, muitas vezes, na ausência do padre, era chamado para “encomendar corpos”, função hoje desempenhada pelos Ministros Extraordinários da Eucaristia. Por sua formação religiosa e intensa participação na Igreja, escolheu essa linha, como componente de sua produção literária. A respeito dessa temática, Kunz, afirma:

“Dentro da literatura de cordel, a temática religiosa constitui um ciclo importante. De fato, poucos folhetos deixam entrever algum sinal de anti-clerismo. Inúmeros abordam unicamente assuntos religiosos: vida de santos, relatório de milagres, ABC da missa, profecias...Em quase todos há traços evidentes da moral católica, a maior parte contém uma exortação ao bem, revelando quase sempre, temor a Deus e respeito à Igreja.” (Kunz, 2001p.10)

Na verdade, a religião, especialmente o catolicismo, tem sido fonte de inspiração para o poeta popular, ao longo dos anos, um exemplo disso é o grande número de folhetos sobre o Pe. Cícero, frei Damião etc. Por outro lado, as festas de padroeiros, nos diversos rincões do pais, têm sido espaços utilizados por cantadores para fazerem suas apresentações e os autores de Literatura de Cordel têm realizado suas melhores vendas como afirma Alberto Porfírio ( Porfírio 1978: 25). É verdade que, a partir dos anos 80 a Literatura de Cordel ganha os espaços urbanos e, consequentemente, ganha o público universitário, expandindo assim o seu espaço e a sua temática. O que não invalida a tese de Alberto Porfírio que faz essa observação no final da década de 70.

É exatamente o que acontece com a obra de Sebastião Chicute, que é influenciada, fortemente, pelo catolicismo popular, haja vista diversos cordéis de sua autoria serem, exatamente, nessa temática, sobressaindo-se a vida dos santos. Pode-se dizer que foi  o tema que mais recebeu atenção do cordelista em sua obra de 50 folhetos publicados, sobretudo, nos últimos anos.

Na área relativa aos animais, ele escreveu: O Jumento é nosso Irmão (2006) e Cordel dos Passarinhos (2007). Há outros trabalhos com temáticas do amor, da violência e da política, da história, oriundos do noticiário policial e violência; alguns por encomenda e outros por iniciativa própria. Até o astro americano Michael Jackson recebeu a atenção do mestre da cultura, com um cordel dedicado ao mesmo, após a sua morte.

Para essa pesquisa foram escolhidos alguns de seus principais cordéis, notadamente, os que versam sobre temas religiosos, ecológicos e históricos, sobre os quais teceram-se considerações analíticas e foram citados algumas estrofes como forma de melhor esclarecimento daquilo que estava se tentando esclarecer. Inicia-se a presente análise pelos cordéis de natureza religiosa.

 

5.3 Cordéis de Cunho Religioso

Sebastião Chicute, como a maioria dos poetas populares, em sua obra dedicada á religiosidade, também, escreveu sobre o Pe. Cícero Romão Batista. Para Kunz, “A grande maioria desses folhetos religiosos, versa sobre Padre Cícero, chegando a constituir um ciclo na literatura de cordel” O fenômeno da exaltação de Padre Cícero na Literatura de Cordel segunda a autora, dentre outros, ocorre,

 “...como se fosse uma revanche poética sobre o silêncio que cercou os movimentos religiosos surgidos entre meados do século XIX e cujo traço comum foi o choque aberto entre a religiosidade popular e a doutrina oficial da Igreja dominante” (Kunz, 2001 p. 14).

Como se percebe, mesmo distante do núcleo de ação que propagou a figura de Pe. Cícero, a região do Cariri, o mestre Sebastião Chicute participa desse ciclo, escrevendo, no início do séc. XXI, mais um cordel sobre aquele que foi escolhido, no ano de 2000, o cearense do século.

5.3.1 Cordel: A História de Pe. Cícero de Juazeiro do Norte    

O cordel do mestre Sebastião Chicute sobre a História do Padre Cícero de Juazeiro do Norte começa assim:

                                      Hoje resolvi contar

Através da poesia

A vida de padre Cícero

A hora o mês e o dia

Data que ele nasceu

Tudo de bom que fazia

 

Foi guia espiritual

Cuidava bem do seu povo

Curava deficientes

Trabalho que teve aprovo

Quisera nós que voltasse

Pra tê-lo com nós de novo

 

A vida de padre Cícero

Na poesia eu relato

Quero mostrar a verdade

Sem mentira e sem boato

Um grande caririense

Filho natural de Crato.

Portanto, o mestre Sebastião Chicute participa, com seu trabalho, do chamado ciclo da Literatura de Cordel sobre Pe. Cícero, considerando-se que o mesmo é atemporal.

Ainda no campo religioso, há vários cordéis, dentre eles os que tratam da vida dos santos são a maioria. A pesquisa teve acesso aos seguintes folhetos: Milagre de Santo Antônio de Pádua, A Decapitação de João Batista, Cordel de São Francisco, o Debate de São Pedro com um Outro Simão, o Mágico, A História de São Bento e seus Milagres, A História de São Sebastião e Círio de Nazaré. Ainda na temática religiosa, tem ainda os cordéis: Frei Damião, Religião e Cultura, Lembrança do Papa João Paulo II e Dados da Paróquia de Capistrano e a Despedida de Pe. Bernardo, fechando, assim, o grupo de versos do tema da religião.

 

Figura 14: Capa do cordel de Padre Cícero

Um ponto comum em todos esses cordéis é que são escritos em sextilhas, método mais tradicional no cordel, isso no campo da métrica. Já do ponto de vista do enredo, são histórias de louvação aos santos baseados em fontes diversas, desde a Bíblia Sagrada, como a histórias de santos, cujos autores o mestre prefere não revelar.

Para analisar, apenas, uma mostra dos diversos folhetos acima apresentados, na área da religiosidade, optou-se por analisar mais dois folhetos, os folhetos escolhidos foram: o Círio de Nazaré e o Debate de São Pedro com um outro Simão, o Mágico. A razão dessa decisão, é, primeiro, Círio de Nazaré que trata de um tema que, ao mesmo tempo, é religioso, como também histórico e cultural. Como já foi revelado, o Círio de Nazaré é uma espécie de réplica do Círio de Belém do Pará, que se constitui em um dos Patrimônios Culturais Imateriais do Brasil. E, se assim o é, o Círio de Nazaré de Capistrano se constitui, também, uma referência da cultura imaterial local, embora não tenha sido tombado pelo município que seria o ente republicano, diretamente, ligado ao mesmo, que poderia fazê-lo ou poderá fazê-lo no futuro. Por outro lado, o cordel sobre São Pedro é tema religioso, mas de natureza cômica.

 

5.3.2 Cordel: Círio de Nazaré

O cordel Círio de Nazaré é uma espécie de louvação a Maria e, ao mesmo tempo, uma divulgação e convite para a festa do Círio de Capistrano. Começa, como é de costume, entre os cordelistas, pedindo a Deus inspiração para escrever o verso. No caso específico o autor começa assim:

Ó Deus, mostrai vossa face

Com a verdadeira luz

Mandai o Espírito Santo

Com a graça que conduz

Pra neste verso eu falar

Na santa mãe de Jesus

Por se tratar de Maria, a tradição Católica é que sendo Maria mãe de Jesus, é também Mãe de Deus, como determinou o dogma do Concílio de Éfeso de 431, publicado pelo Concílio de Calcedônia de 451 (Fasanella, 2002: 18) e por conseguinte mãe de todos, enveredando por esta linha da maternidade universal de Maria, realizar em outras estrofes várias louvações a Mãe de Jesus, o que se compreende pela tradição católica, cuja história de devoção popular que exprimia profunda incorporação de Maria ao coração e ao imaginário de quem não era da hierarquia da Igreja, como artistas poetas e monges (Hines, 2005: 12). Dentro desse contexto de devoção, ele registra na estrofe seguinte uma relação daqueles que Maria é mãe que são: os aflitos, os pecadores, os adultos e as crianças, os alunos e professores, os menos favorecidos, os fracos trabalhadores, eis a sextilha:

Maria é mãe dos aflitos

Dos justos e dos pecadores

Das crianças e dos adultos

De alunos e professores

Dos menos favorecidos

Dos fracos trabalhadores

Na sequência, descreve o primeiro dia da festa que se inicia com o hasteamento da bandeira, mas que na cidade é, costumeiramente, chamado do dia em que se ergue o pau da bandeira. Veja a estrofe:

Hoje nossa Capistrano

Nesta data costumeira

Em vinte e nove de agosto

Se ergue o pau da Bandeira

Para se comemorar

A festa da Padroeira

Encerrando o cordel, o poeta faz o convite às pessoas dos municípios vizinhos e próximos como Itapiúna, Aratuba, Canindé, Aracoiaba, Quixadá e Baturité, para a festa do Círio de Nazaré, como se ver a seguir:

Você de Itapiúna

Aratuba e Canindé

Você de Aracoiaba

Quixadá e Baturité

Venha assistir nossa festa

O Círio de Nazaré.

 

5.3.2 Cordel: o debate de São Pedro com outro Simão, o mágico

Esse cordel conta uma história que teria acontecido ao tempo de São Pedro.  Inicialmente, ele faz um breve histórico sobre São Pedro, recordando os principais momentos de sua vida e em plena atuação de Pedro, já depois da morte de Jesus. Esse encontro com um mágico, também, chamado Simão, que ao ser desafiado por Pedro, também, Simão, teria ido para Roma, para a corte de Nero. A primeira estrofe é a que pede inspiração a Deus, como é a tradição na segunda ele comenta sobre os nomes de São Pedro: Simão, Bar. Jonas. Na terceira estrofe, esclarece o significado de Simão, diz assim:

Esta palavra Simão

Quer dizer obediente

É o que se entrega a Deus

Mesmo estando doente

Ter amor a tudo enquanto

Mas em Deus primeiramente

Depois ele fala do significado do  nome Pedro, conforme a tradição bíblica e também descreve a passagem do Evangelho em que Jesus confia a fundação da Igreja a Pedro, de cuja tradição a Igreja considera Pedro o primeiro Papa (Mt.16,18). Todo o episódio é narrado, assim:

                               Depois de ter confirmado

Conforme pesquisei

E Pedro quer dizer pedra

                 E para cumprir a lei

     Minha Igreja nesta pedra

     Nela confiarei

Na sequência algumas passagens bíblicas e onde Pedro é focado, aparecem, como por exemplo, o episódio em que Pedro é libertado da prisão por um anjo, narrado nos Atos dos Apóstolos ( At. 12, 6-19). Ele narra assim:

Sendo posto na prisão

Ficou aprisionado

E sofreu amargamente

Pelo guarda vigiado

Com a proteção de um anjo

Da prisão foi libertado.

Feitas as considerações sobre Simão Pedro, agora, a partir da estrofe de número 20, surge no cordel o tal Simão mágico e na estrofe 22 ele descreve de quem se tratava:

A história deste mágico

Com o nome de Simão

Vivia enganando o povo

Aquela população

Com esta falsa magia

Enganava qualquer cristão

 

Qualquer estátua de bronze

Fazia rir e falar

Não tinha nada impossível

Para ele não ajeitar

Era capaz de fazer

Um cão sorrir e cantar

Então o verso continua, informando que Pedro soubera da existência desse outro Simão e procurou encontrá-lo, para saber exatamente de quem se tratava. Marcaram, então, um encontro, que é narrado assim:

Pedro chegou pro debate

Por ser a primeira vez

Falou pra todos presentes

A paz esteja com vocês

O Simão mago chegou

E esta palavra desfez

 

No debate Simão disse

Faço o que quero fazer

Com a minha divindade

Com a força e o poder

Se achar que não é certo

Agora eu vou fazer

 

Pedro perguntou a ele

Qual a sua garantia

Transformar as pedras em pão

Só Jesus é quem fazia

Eu morro e não acredito

Na tua feitiçaria

Ao que parece, o mágico Simão não suportou a autoridade moral de Pedro e tendo se achado perdido no debate, resolveu ir embora, naturalmente, Roma seria seu destino, pois era a grande metrópole. O narrador dá a ideia de que teria ido pra corte de Nero, como se ver na estrofe a seguir.

Para não ser denunciado

E nem poder persistir

Jogou os livros nos mares

Depois resolveu sair

Foi pra Roma e ficou lá

Pra Nero se iludir

Um possível encontro entre Pedro e Simão, o mágico se daria em Roma, quando da perseguição de Pedro, é o que transparece a estrofe seguinte, como que demonstrando que esses dois personagens além dos nomes iguais tiveram encontros e desencontros em suas vidas.

Dizem que Simão e Nero

Queriam prejudicá-lo

Deus disse não tenha medo

Eu mesmo vou consolá-lo

E quando estiveres preso

Eu também vou libertá-lo

Na última estrofe, vem a conclusão e a justificativa da versão do poeta para aquelas vidas descritas, sugerindo que quem achar que a história não existiu, que faça a sua pesquisa e não o condene, pois afinal ele se baseou em outras fontes, que prefere ocultar, para fazer a sua narrativa.

De tudo que pesquisei

Só pude escrever assim

A história de São Pedro

Não cheguei até o fim

Foi muito bem pesquisada

Quem achar que está errada

Não se queixe só de mim

Como se ver, a última estrofe é uma sétima, ou seja tem 7 versos, o poeta preferiu assim pois é uma estrofe bem elegante do ponto de vista sonoro e lhe dar mais recursos para a conclusão de sua história.

Com esses três cordéis, finaliza-se o que se denominou de cordéis de cunho religioso e passa-se aos cordéis de caráter escolar. Preferiu-se o termo escolar por serem direcionados às escolas, entretanto todos são de natureza educativa, na perspectiva da educação patrimonial, na sua vertente imaterial.

 

5.4 Cordéis de Cunho Escolar

Outra faceta da produção cordelista de Sebastião Chicute é a da área educacional propriamente dita. Nessa área o mestre atua fazendo palestras nas escolas, dando entrevistas para trabalhos escolares e acadêmicos e escrevendo versos sobre encomendas. Registram-se, pelo menos, dois cordéis e um poema nessa temática.  Conversando com Surdo-Mudo (sem data), Conselhos Escolares (2007)

 

5.4.1 Cordel: Conversando Com Surdo e Mudo

Conversando com Surdo e Mudo é um cordel que discute à sua maneira, a inclusão que é um tema presente na escola. A partir da Lei nº 93940/96, as pessoas com deficiência, em geral, passaram a ter a garantia da inclusão na escola. Uma luta de anos, com várias vitórias ao longo do tempo, foi consagrada, primeiro na Constituição Federal de 1988 e depois na LDB. No que pese ser a inclusão um direito, a concretização desse direito é uma outra luta que essas pessoas e suas famílias têm pela frente. Mas o poeta chama atenção para a necessidade de se comunicar com essas pessoas, com gestos.

Diz ele:

Ninguém discrimina o surdo

Por não ouvir nem falar

Todos merecem respeito

Precisa a gente ajudar

O que a natureza fez

Nós temos que aceitar

E conclui o cordel com uma  estrofe de  sete versos, diferente das anteriores, de seis versos,  direcionada a alunos e professores:

De tudo que prescrevi

Achei caso diferente

Quem tem tudo vive bem

E quem não tem é carente

Alunos e professores

Fique sabendo senhores

Que surdo também é gente

Pode-se, portanto, incluir esse verso no elenco das ideias em prol da inclusão social, no caso de pessoas com deficiência auditiva, um desafio para a educação.

 

5.4.2 Cordel: Conselhos Escolares 

A pedido da Secretaria de Educação do Município, o mestre Sebastião Chicute escreveu um cordel, a partir das orientações do setor para organização desses conselhos. O objetivo do cordel era sensibilizar pais, alunos e comunidade, para a importância dos conselhos e um texto em Literatura de Cordel é sempre bem aceito e de fácil compreensão.

A partir dos documentos e textos dado ao poeta, ele elaborou o presente cordel que se inicia com esta estrofe:

O programa nacional

Tem maior realidade

Tem o fortalecimento

Pra nossa sociedade

Na cultura brasileira

A bem da comunidade

Sobre a função de controle exercida pelo conselho o poeta escreveu:

Apoio e controle público

Tenha mais atuação

Com esses órgãos de apoio

Tenha maior decisão

Pra um significado

No Brasil e na criação

E para os professores de nossas escolas públicas o poeta é incisivo em sua defesa, já que são parte do processo. Também, destaca a necessidade de formação e das escolas estarem bem preparadas para os desafios da educação. Tudo numa única estrofe:

Precisa salários dignos

Formação continuada

Devem ser fortalecidas

Muito bem encaminhadas

Organismos sociais

Escolas bem preparadas

E conclui o pequeno cordel de 18 estrofes chamando atenção para a conscientização, da vontade de se implantar e a nova prática que tais conselhos vão proporcionar;

Atuação consciente

É o que poderá plantar

Vai depender da vontade

A nova prática escolar

Este programa específico

Que vai proporcionar

 

5.5 Cordéis Com Enfoque Ecológico

Há um conjunto de cordéis que tratam de temas ligados á ecologia, de uma forma geral, desses trabalhou-se com dois nesta pesquisa, são eles: O Aquecimento Global e o Cordel dos Passarinhos.

 

5.5.1 Cordel: O Aquecimento Global

O Aquecimento Global é um tema abordado nas escolas, tanto na disciplina de Geografia, quanto nas outras disciplinas dos temas transversais. É um tema que está na ordem do dia dos debates nas escolas, universidades, na imprensa, na mídia, em geral, e na política, tanto em nível nacional, como internacional. Está na agenda do dia, por ser um problema que afeta a todos. A Literatura de Cordel não poderia se furtar de abordar esse tema. Diz ele, assim, nas sétima e oitava estrofes:

Trata-se de catástrofe

                               Conforme o aquecimento

                               Tendo outras consequências

                               Por sede, fome e tormento

                               Tem muito choro e miséria

                               Com furacão violento

 

Até os mares estão

                               Bem lentamente subindo

                               Os resultados são estes

                               Que o mundo está sentindo

                               Calor que a terra treme

                               E chuva diminuindo

Já na estrofe de número 22, ele é taxativo:

                               Furacões serão mais fortes

                               Ciclones e destruição

                               Haverá mais chuva e vento

Com grande evaporação

A terra não produz mais

E prejudica a nação

O trabalho é o resultado de uma pesquisa feita pelo autor, ao que parece uma reportagem sobre a temática, mas como é de praxe, o autor não revela suas fontes. Este tema como já foi dito é importante tema transversal e está na ordem do dia nas escolas do ensino fundamental e médio, tanto em salas de aula como em feira de ciências e equivalentes. O cordel tem o privilégio de levá-lo para além da sala de aula, para as residências, ou qualquer outro local.

 

5.5.2 Cordel dos Passarinhos

O que se percebe é que Sebastião Chicute, como os demais cordelistas, tem a sua participação em vários ciclos, ou áreas da Literatura de Cordel, sendo destaque a da religiosidade. Mas se percebe um destaque no mestre de Capistrano nos versos que faz sobre os passarinhos o qual não está, pelo menos, a princípio, na relação dos chamados ciclos do cordel registradas pelos estudiosos acima citados. O cordel, em estudo, foi uma encomenda feita pelo pesquisador da área de literatura oral da Universidade Federal de Campina Grande, Prof. Dr. Hélder Pinheiro. O Cordel dos Passarinhos (figura 15) é uma obra prima de Sebastião Chicute na área da fauna nordestina. Ele caracteriza, com muita poesia e estética, cada um dos pássaros que conhece muito bem, fruto de sua observação meticulosa, demonstrando conhecer, de perto, cada um dos personagens de seu poema ecológico. O Cordel dos Passarinhos é mais uma contribuição do mestre Sebastião Chicute para a educação patrimonial, pois além de ser um produto da Literatura de Cordel e como tal está situado na área do patrimônio imaterial, é, também, uma contribuição para o patrimônio cultural, pois a fauna brasileira está inserida neste patrimônio. Para ilustrar o que se está afirmando, registraram-se algumas estrofes do referido “verso”. A estrofe sobre o canção (Ibycter americanus):

Admirei o cancão

Entre cipó e graveto

Estando junto eles cantam

Imitam qualquer soneto

Tem olhos avermelhados

Papo branco e bico preto.

Quem conhece o pássaro cancão o reconhece nessa estrofe, pois além de ser um pássaro que se refugia entre os cipós da caatinga, também faz um grande coro quando está em dando ou em pares. Por outro lado, o cancão do Nordeste brasileiro é preto e branco, como descreve o poeta.

Um pássaro muito conhecido em todo Brasil, o João-de-Barro (Furnarius rufus), é contemplado no cordel com a seguinte estrofe:

Admiro o João de Barro

Por ser muito inteligente

É um bom mestre de obra

Seu trabalho é competente

Começa a casa e termina

Sem precisar de servente

Como se sabe, o João de Barro faz o seu ninho de barro. Na estrofe, além de ressaltar a “inteligência” do pássaro, o autor o compara, diretamente, com um construtor, um mestre de obra, com um detalhe, o mestre de obra, o pedreiro trabalha com um auxiliar que se convencionou chamar de servente, enquanto para o autor, o João de Barro dispensa o servente, faz sozinho sua casa.

Um pássaro que pouco se ouve falar, o mestre resgata sua evidência e o traz para o público jovem, sobretudo, o público urbano, que pouco conhece de nossa fauna. Trata-se do pássaro fura barreira (Hylocryptus rectirostris), também, conhecido como do bico de latão. Diz ele:               

O velho fura barreira

Faz o seu ninho no chão

Lhes chamam de outro nome

Nos costumes do sertão

Aoa invés de fura barreira

Chamam bico de Latão

Percebe-se que o autor conhece bem os pássaros de que fala, resgatando, assim, um conhecimento que poucas pessoas têm hoje em dia, quer seja pelo fato da urbanização, quer pelo processo de extinsão que está em marcha em muitas espécies, como dizem relatórios de especialistas  e dos órgãos de proteção, publicados pela imprensa a cada ano.

Em algumas estrofes, o autor traz além da descrição do pássaro, aquilo que seu canto representa para o sertanejo. Temos dois esxemplos o do vem-vem (Purple-throated euphonia), que avisa a chegada de visitas e o xexéu (Cacicus cela) pássaro que anuncia notícias novas. Vejam como ele descreve estas tradições, começando pela estrofe do vem-vem.

Na cantiga do vem-vem

Tem gente que acredita

Cantando ao redor de casa

Com a voz fina e bonita

O dono da casa diz

Hoje chega uma visita

Analisando a estrofe dedicada ao pássaro xexéu:

Eu admiro o xexéu

No amnhacer do dia

Passa por cima da casa

Cantando com alegria

Sempre trazendo notícia

Do que ninguém não sabia

No caso do xexéu, por ele “trazer notícia”, como afirma o autor, essá nem sempre pode ser boa, daí porque é um passaro que algumas pessoas têm um certo preconceito, exatamente, por poder trazer uma má notícia.

E finaliza o seu cordel de 30 estrofes com uma sextilha e uma sétima nas quais recomenda não maltratar os passarinhos e, de sua aprendizagem com esses seres vivos, que, vejam:

Não maltrate os passarinhos

Tenham deles compaixão

São eles donos da selva

Tenha ele como irmão

São criaturas de Deus

Com direito ao mesmo chão

Falei em diversos pássaros

Em todos os cordéis há um ensinamento, uma lição, um aprendizado, um saber popular. É desta forma que os mestres da cultura, e, no caso específico o mestre Sebastião Chicute contribui com o aprendizado de seu povo, das pessoas que o leem o assitem, ele ensina com sua arte, no caso específico, com o cordel, muito da cultura, da tradição, da história do seu povo. Esses conhecimentos, esses saberes constituem parte do patrimônio imaterial de nossa gente, daí afirmar-se que a obra, os saberes do mestre Sebastião Chicute são contributos para a educação patrimonial. São saberes que a escola, muitas vezes, não dá conta. Por exemplo, nesse verso do passarinhos há saberes que chegam aos leitores que jamais iriam saber somente na escola, embora o folheto entre na escola e contribua, também, com ela na educação mais  prescisamente na educação patrimonial das crianças e dos educadores também.

 

Figura 15: Capa do Cordel dos Passarinhos

Não deu pra falar de tudo

Não quis falar só nos grandes

Coloquei grande e miúdo

Fiquem sabendo senhores

São eles meus professore

Com eles fiz esse estudo

                                           

 

5.6. Cordéis de Cunho Histórico

Em debate que participou junto à turma da disciplina Ação Educativa Patrimonial, do Curso de História da Universidade Estadual do Ceará, em 15 de julho de 2010, Chicute afirmou que contar história era o que mais lhe fascinava. Talvez por gostar de abordar temas em que prevaleçam histórias, de uma maneira geral, é que Chicute conseguiu escrever um importante trabalho de cunho histórico. Trata-se do romance: Os Primeiros Escravos no Ceará.

 

 

5.6.1 Cordel: Os Primeiros Escravos no Ceará

O Cordel Os Primeiros Escravos no Ceará trata-se de um “romance”. Romance na linguagem dos cordelistas é um verso com mais de 48 páginas. Esse Cordel tem 90 páginas, cada uma com três estrofes, totalizando 270 estrofes. Para este pesquisador, essa é a obra prima do mestre Sebastião Chicute. O cordel foi adquirido pela Secretaria de Educação de Capistrano, em 2008, e distribuido para todas as escola municipais.

Além do caráter quantitativo, que está presente no número de páginas e de estrofes, há o aspecto qualitativo, que se evidencia no relato baseado em pesquisas feitas pelo autor, e na compreensão histórica do processo da escravidão, difícil de ser percebido por quem não conhece a história.

Na terceira estrofe, ele já demonstra conhecimento da História do Ceará, no sec. XVII, diz assim:

Martin Soares Moreno

Depois de inaugurar

Mil seiscentos e treze

Quando pensou viajar

Subiu pelo Jaguaribe

A fim de colonizar

Depois mais uma vez ele acerta, tocando num importante tema da História do Ceará, quando fala na escravidão dos índios:

Os índios foram os primeiros

 A serem escravizados

E sendo os primeiros escravos

Por caboclos eram chamados

Sofreram grandes maltratos

Dos fazendeiros malvados

Sobre a aquisição de um escravo pelo senhor diz o poeta:

Sobre a compra de escravo

E a grande transação

Então o mercado negro

Sem haver alteração

Cada negro cem mil reais

Era pago pelo patrão.

A maior parte do cordel, porém, fala do movimento abolicionista, talvez porque a fonte que o autor utilizou em suas pesquisas tenha sido um texto sobre os abolicionistas. Relata o nome de quase todos eles, como nas estrofes 49 e 55 em que fala da fundação do centro Abolicionista e de outros personagens do movimento abolicionista:

Sendo Barão de Studart

Junto a Meton de Alencar

Teodorico da Costa

Comendador exemplar

Centro Abolicionista

Decidiu participar.

 

Por conta dos coletores

Joaquim Agostinho Fraga

E Antonio da Silva Matos

Que quis preencher a vaga

Jurumanha e Gil Ferreira

Que a história consagra.

Dedica muitas de suas estrofes às cidades, que emanciparam escravos, destacou-se nesta análise as cidades de Acarape e Fortaleza, como se pode ver a seguir:

Acarape se antecipou

Sabendo o que se passava

Pois até em Fortaleza

Abolição aumentava

Já estava diferente

Do jeito que esperava

Acarape (hoje Redenção) foi a primeira cidade do Brail a libertar os escravos, pelo feito o nome da cidade passou a ser Redenção. A libertação dos escravos da cidade de Fortaleza é assim descrita pelo poeta:

Em desenove de abril

Mil oitocentos e oitenta e três

A poucos dias depois

Ainda no mesmo mês

Fortaleza ficou livre

Tudo de uma vez

No movimento abolicionista, o Ceará foi a primeira província do Império do Brasil a ter seus escravos livres. Por essa proeza, o Ceará recebeu de José do Patrocínio, expoente do movimento nacional abolicionista, em 1884 título: “Ceará Terra da Luz”, conforme dizem os historiadores locais e nacionais. A libertação dos escravos do Ceará é descrita em seis estrofes pelo mestre poeta das quais destacamos:

A vinte e cinco de março

O tempo mudou o clima

Houve festas oito horas

Saudação de alta estima

As graças de Deus descendo

Com o poder que vem de cima

 

O poder Legislativo

Deu início uma cessão

Estava ali o presidente

E a sua comissão

Todo mundo dava viva

Parabéns abolição

 

Alé estava presente

Dr Sátiro de Oliveira

E o senhor Arcebispo

Abençoando a bandeira

Entidade ante-escravista

E Dom Joaquim José Vieira

 

Os que eram engajados

Uma enorme multidão

E numerosos discursos

E houve a declaração

O presidente Sátiro Dias

Terminou a oração

 

Ainda disse pro povo

O que devia fazer

Com esta declaração

Pra jamais acontecer

Escravo no Ceará

Pra nunca mais haver

Por uma necessidade métrica e de rima, o poeta usa o nome do presidente da Provícia, Sátiro de Oliveira Dias, de duas formas: na primeira o denomina de Satrio de Oliveira, usando o penúltimo sobrenome, na segunda em outra estrofe o chama Sátiro Dias, agora usando o último sobrenome.

Encerra o seu cordel dando destaque á libertação dos escravos no Brasil fato que ocorre no dia 13 de maio de 1889. Diz assim:

A nossa escravidão negra

Em nível nacional

Era somente assinada

Em forma de edital

No dia treze de maio

Pelo seu memorial

 

Deus dê o céu por descanso

A quem teve esta intenção

De lutar pelos escravos

Em prol da libertação

Na balança de São Miguel

Junto a Princesa Isabel

Todos tenham a salvação.

Nesse último verso, o poeta demonstra a sua tradição religiosa, que é manifestada mesmo em um cordel não religioso, ao pedir a salvação eterna para aqueles que lutaram pela abolição dos escravos, com desqtaque para a Princesa Isabel, regente do Império que assinou a Lei Áurea.

 

Figura 16: Capa do Cordel Os primeiros Escravos no Ceará

 

5.6.2 Cordel: Dados Históricos do Município de Capistrano

Esse cordel é bem completo, traz muitas informações sobre o município, algumas leis são descritas com grande maestria, como a lei que criou o município, a lei da intervenção, traz muitas datas importantes para a história do município, só não tem uma sequência histórica. O poeta fica bem á vontade para escrever o que acha ser mais importante, não interessando se a sequência é temporal ou não. Assim ele fala do povoado e de seu fundador, do surgimento do distrito, com a respectiva lei, da criação do município, da eleição etc. Depois fala de outras eleições e volta á primeira e assim por diante.

A primeira estrofe trata do nome original de Capistrano, Riachão da Lagoa Nova, diz assim:

O povo está me pedindo

Uma verdadeira prova

Com os dados do passado

Eu digo e ninguém reprova

Dizer por que foi cahamado

Riachão da Lagoa Nova

Depois, ele fala do fundador do município, segundo a tradição histórica:

Nas terras herdadas do pai

O saudoso capitão

Timóteo Ferreira Lima

Que começou Riachão

Uma área produtiva

De uma grande dimensão

Sobre a reforma dos municípios que se deu em 1933, no governo provisório de Getúlio Vargas sendo interventor do Ceará, Menezes Pimentel, no qual o distrito de Riachão é denominado de Capistrano de Abreu, numa homenagem ao historiador cearense. Na reforma seguinte, 1937, o governo retira o sobrenome Abreu deixando só Capistrano (Pinheiro, 2003). Esses episódios são descritos nas estrofes seguintes:

Pelo que foi pesquisado

Fiquem sabendo vocês

Os fatos de Capistrano

O que o decreto fez

Sendo quatro de dezembro

Mil novecentos e trinta e três

 

Conforme o Decreto Lei

Do qual eu ainda lembro

Da lei que sancionou

Após o mês de novembro

Quatrocento e quarenta e oito

Sendo a vinte de dezembro

Continuando sua descrição histórico-poética, o mestre Seabstião Chicute fala do primeiro cartório, da lei que transformou o distrito em município, em 1951, da primeira eleição, da eleição de cada prefeito, do falecimento do prefeito eleito Francisco Nunes, no dia da posse em 1971, da fundação do Sindicato dos Trabalhadores Rurais, também, em 1971, da intervençao que o município sofreu em 1979. Escolheu-se para registro neste trabalho a estrofe na qual ele registra todos os prefeitos, até o ano de publicação do cordel que foi, em 2008, posto que, em 2009, tomou posse um novo prfeito,  Claudio Saraiva. A estrofe é a seguinte:

                                 Chico Sales e José Roux

Tertulina e Dr. Mota

Zé Varisto e Antonete

Renan que sofreu derrota

Dr. Lúcio e o Abílio

Renato na mesma rota

Nos três últimos versos ele dá destaque ao prefeito de então, segundo ele o seu candidato, aí o poeta não é nada imparcial. Vejam:

Falei de todos prefeitos

Acho que falei exado

Não posso é usar mentira

Nem fuxico nem boato

Mas temos que agradecer

O trabalho de Zé Renato

 

Não falei mal de nenhum

A todos desejo paz

Pra se falar do presente

De quem fez e quem desfaz

Difícil é outro fazer

Como Zé Renato faz

 

Graças a Deus Capistrano

Hoje está mais diferente

Tem festa para idosos

Creche pro adolescente

Tem escola, água e luz

Vamos pedir a Jesus

Tempo bom futuramente.

Ao encerrar, ele usa novamente a septilha, mas comete um pequeno deslize ao dizer que tem creche para adolescente, na verdade as creches são para as crianças, mas como é cordel, é perdoável.

 

Figura 17: Capa do Cordel Dados Históricos do Município de Capistrano

Por último, em relação aos cordéis de cunho histórico aqui descritos, observa-se uma grande pesquisa do poeta, algo muito importante, quando se trata de alguém que nunca frequentou a escola, mas sabe da importância da pesquisa, de ter fontes para as suas histórias, embora tenha como hábito, ocultá-las o que é normal na atividade dos poetas de banca, produtores da literaturra de cordel.

 

 

5.7 Cordéis de Cunho Jornalístico/Sensacionalista

Deve-se registrar que como todo cordelista, Sebastião Chicute tem se dedicado a temas oriundos da mídia local e nacional. Geralmente são temas ligados à violência, que são muito procurados pelo público. Isso faz parte de uma tradição no cordelismo brasileiro pois antes do advento do rádio e da sua popularização, o cordel era uma espécie de jornal popular, descrevendo fatos que eram noticiados pelos jornais e que tinham apelo polpular. O maior exemplo dessa fase  é a morte de Getúlio Vargas que foi tema de cordel de diversoso poetas de banca.

Nessa linha Sebastião Chicute escreveu: “A morte de Dois Inocentes de Itapiúna”, o Monstro que Degolou sua Namorada em Aratuba, fatos ocorridos em dois municípios vizinhos a Capistrano. Ambos foram de grande sucesso de venda, segundo o autor.

Ultimamente, a mídia nacional tem divulgado fatos de grande violência que tem se tornado clamor nacional a exemplo do caso Isabela, uma criança que teria sido jogada da janela de seu apartamento, na cidade de São Paulo (figura 18).  Esse fato foi bastante noticiado pelos meios de comunicação, virando um certo clmaor nacional. A morte da menina Isabela foi tema de cordel pelo mestre Sebastião Chicute, sendo, como aqueles anteriores, um dos mais vendidos nos últimos tempos pelo autor.

 

5.8 Capas e Impressão dos Cordéis

A tradição de capas de cordéis com xilogravuras, comuns nos anos 1940 e 1950, deixou de ser empregada nos dias atuais, na maioria dos cordéis no Ceará, com excesção de um grupo de cordelistas tradicionais, na cidade de Juazeiro do Norte, sul do Ceará, segundo dados da imprensa local. A xilogravura era cunhada em madeira mole, como uburana e outras que perimitiam o corte com estilete, ou simplesmente o canivete do xilógrafo. O mestre Sebastião Xicute não costuma usar xilogravura em seus cordéis, devido à inexistência desse tipo de artesão em Capistrano, somente dois de seus cordéis têm capa com xilogravura, são eles o Cordel dos Passarinhos (figura 14) e o Cordel o Jumento nosso Irmão, ambos confeccionados na cidade de Campina Grande, pela Editora Bagagem, de propriedade do Prof. Hélder Pinheiro, natural de Capistrano e que encomendou os folhetos, portanto, são edições especiais.

Os cordéis do mestre Sebastião Chicute têm por ilustração figuras, fotografias que tenham alguma relação ilustrativa com o tema, às vezes, o próprio protagonista da história como é o caso da menina Isabela (figura 18), um cordel sobre o cantor falecido, Leandro, sobre políticos como é o caso de um cordel sobre o ex-governador do Ceará Lúcio Alcântara, etc. Mas há figuras de artistas que ilustram um cordel, mas nada têm de relação com ele, como é o caso da capa do cordel, Quer Sofrer Viva Só, cujo jovem que está na capa é uma figura retirada da internet.

Para temas do noticiário nacional, sobretudo de tragédias, como é o caso de Isabela, a internet é a grande aliada do autor, que comparece à lan house local e é abastecido das notícias que servem de fonte de inspiração para a sua história. Também, a grande aliada do cordelista, o que parece ser uma tendência, são os recursos da era digital, como é o caso do computador e de seus equipamentos complementares: as impressoras, scanners, etc. Atualmente, todos os folhetos do mestre Sebastião Chicute são digitados e impressos em gráficas rápidas. Como já se falou, a grande vantagem é a possibilidade de imprimir um pouco de cada título, e, de acordo com a demanda, poder-se imprimir mais.

 

Figura 18: Capa do Cordel “Caso Isabella Nordoni.”

O recurso tecnológico, também, possibilita a modificação de trechos, versos, palavras e erros cometidos pelo autor, ou pelo digitador, o que não acontecia na impressão gráfica, cuja edição só compensaria se fosse em grande tiragem, e, no caso de erro, ficaria a correção para outra edição, sendo ruim para o cordelista.

 

5.9 Considerações Finais do Capítulo

Antes de finalizar este capítulo uma questão deve ser registrada, a atualização do cordel, que acompanha o desenvolvimento tecnológico. Além de beneficiar-se com as imagens midiáticas, o cordel beneficia-se do computador e de seus assessórios. Antes o cordelista tinha que encomendar uma grande quantidade de cordéis em uma gráfica, agora com as gráficas rápidas, os cordelistas vão imprimindo a quantidade, de acordo com a demanda e quando precisam mais, os originais estão gravados nos computadores. Apesar de este não ser tema do interesse desta pesquisa, optou-se por registrar este fato.

Por último, pode-se dizer que a permanência da Literatura de Cordel, na atualidade, é um fato concreto e apesar de haver aqueles que preferem o método antigo de impressão de cordel em tipos, daí o termo tipografia, a proliferação dos computadores, ao contrário, está contribuindo com a facilitação da continuidade da produção cordelista pelos poetas de banca na atualidade. Usando os meios eletrõnicos para digitar e imprimir seus cordéis, os poetas estão conseguindo manter suas publicações, mesmo em pequenas quantidades, mas, sem dúvida, estão proporcionando a manutenção e atualização da literatura de cordél que ganha nova força na atualidade. Desse modo, contribuem concretamente com a educação patrimonial imaterial, em muitos aspectos, tanto mantendo o estilo, a tradição métrica e poética, como abordando temas os mais diversos da atualidade, fazendo com que essa literatura permaneça atual e viva na atualidade.

 



 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

A educação patrimonial constitui-se tarefa da sociedade como um todo. Em todos os níveis sociais, em todos os espaços da sociedade, em todos os movimentos sociais, em todos os grupos sociais, onde quer que haja, desenvolva-se, nutra-se uma atividade cultural, há necessidade de desenvolver-se elementos da educação patrimonial. Essa relação da educação patrimonial com a atividade cultural é natural, uma vez que o homem é um ser histórico e como tal, todas as suas relações sociais e culturais estão de algum modo relacionadas.

Dentro desse diapasão, pode-se dizer que a educação patrimonial, no campo da imaterialidade, do patrimônio intangível, na forma da convenção da UNESCO de 2003, de uma maneira difusa, acontece quando uma pessoa, ou um grupo desenvolve uma atividade cultural, em especial, uma atividade relacionada á cultura popular, pois assim, contribui com a propagação daquela atividade, proporcionando aos outros a socialização, o conhecimento daquele atividade. No caso da pesquisa realizada com o mestre Sebastião Chicute, identificou-se que a sua ação como mestre de reisado e poeta popular, no campo de Literatura de Cordel, é fundamental para a educação patrimonial, imaterial, intangível, do seu entorno social, em princípio, definido pela área da cidade de Capistrano, mas ampliado na medida em que sua atividade é expandida. A área de abrangência do raio de ação emitido pela atividade cultural do mestre da cultura é difícil precisar, de uma forma matemática, entretanto, pode-se dizer que onde e por onde  chegar um produto cultural oriundo da criação do mestre Sebastião Chicute, há nela um quinhão de contribuição para a educação patrimonial de cunho imaterial, pois aquela atividade representa um saber aprendido de uma tradição, muitas vezes, de caráter ancestral, que dificilmente o saber escolar, na forma como a escola está organizada, concebida irá atingir.

Não que a escola não tenha competência para tal, a escola é o espaço essencial para a transmissão do conhecimento, é um espaço privilegiado para ensinar e aprender. Mas na tarefa da educar, a escola não está sozinha, não é a única, apesar de ser  a principal. E quando se fala em educação patrimonial, esta área ainda não se constituiu como disciplina escolar, é uma importante área transversal que se desenvolve  de forma multidisciplinar, sendo privilegiada por natureza curricular nas disciplinas História, Literatura,   Geografia, e principalmente, Arte e Educação.

As manifestações culturais, através de seus agentes, de seus produtores e por si só, promovem, de algum modo, uma contribuição para a educação patrimonial. Pois as manifestações culturais são criadas e recriadas na dinâmica do fazer cultural de seus agentes.

Ao produzir e divulgar um folheto de cordel, seja declamando-o em praça pública, ou em um espaço qualquer, seja publicando-o para leitura de outros, alhures, o poeta popular, além de está levando a sua mensagem, a sua visão de mundo, os seus ensinamentos, está transmitindo uma linguagem poética, no caso, de caráter popular, oriundo dos tempos imemoriais, que ele aprendeu com outros poetas, numa transmissão quase sempre oral e que a transmite para a sua geração e gerações futuras. Além do modo de fazer, em relação ao cordel, que já se constitui por si só, patrimônio imaterial, quando usa essa técnica, pode-se dizer milenar, para tratar de um tema histórico, cultural, de temas do cotidiano ou da religiosidade popular, também, está difundindo a cultura imaterial do seu entorno e de seu universo imaginário.

Do mesmo modo o faz na brincadeira de reisado, ao manipular as figuras, ao dançar, ao cantar cantigas decoradas, mas reelaboradas, ao recitar seus relaxos, versos improvisados ou decorados, ao criar e recriar na dança dramática que é protagonista, traz, de forma fecunda, uma contribuição essencial para a preservação daquela atividade cultural, da qual é portador, é sabedor e domina com maestria. Nesse ato, ele reaprende e ensina. Reaprende ao ensaiar e apresentar várias vezes ao longo de sua vida e ensina, tanto aos seus companheiros de grupo, como a assistência e, de maneira difusa, leva aquele conhecimento aos seus assistentes, que, por sua vez, aprendem cada uma, de acordo com o seu interesse, e seu nível de captação. Isto é educação patrimonial não formal, extraescolar.

É percebendo esse aspecto mais amplo do conceito de educação patrimonial, associado ao conceito de patrimônio imaterial, que se defendeu, ao longo desta pesquisa, que a atividade cultural de um mestre da cultura na qualidade de “ tesouro vivo”, como é o caso de Sebastião Alves Lourenço, contribui significativamente par a ampliar o processo de educação patrimonial, de maneira informal, extraescolar, fora dos muros da escola, mas, também, dentro dela, quando é convidado para palestras, quando seus folhetos são lidos ou estudados, na escola, ou quando ele se apresenta com seu grupo de reisado  no espaço escolar

No caso específico, tudo isso acontece, no município de Capistrano onde é seu “locus vivendi”, onde o mesmo se insere na vida cotidiana da cidade e é parte dela, de sua cultura e de sua história.

Como foi dito ao longo deste trabalho, a Educação não acontece somente na escola, embora seja ela o lugar privilegiado para a aprendizagem. Mas a educação, além de ser uma criação humana e de preceder à escola, ela ocorre em todas as atividades de convivência social. Partindo desse pressuposto, a educação patrimonial não é diferente, também, acontece educação patrimonial, quando se está realizando atividades culturais.

Em todos os momentos da pesquisa, seja ao se analisar a história de vida do mestre Sebastião Chicute, seja ao analisar sua atividade como mestre de reisado, ou ainda, a sua função como representante da poesia popular na Literatura de Cordel, percebe-se a sua grande contribuição na divulgação da cultura e nas tradições populares, no seu espaço, como cidadão, como mestre, como, por que não se dizer professor daquilo que é a sua arte? Isso é, sem dúvida, uma contribuição, informal, mas significativamente válida para a educação patrimonial imaterial, de sua região e do seu estado, daí porque ao reconhecer nele tal contribuição a Secretaria de Cultura do Estado do Ceará concedeu-lhe o título de Mestre da Cultura Popular Tradicional do Estado do Ceará. Esta é a conclusão deste trabalho, confirmada ao longo da discussão que ora se finda.

 

SUGESTÕES PARA NOVAS PESQUISAS

Fica a sugestão de serem estudados todos os mestres da cultura do estado do Ceará, entendendo-se aqui aqueles 60 componentes do grupo de mestres escolhidos pela SECULT, desde 2003, que estão vivos e os que já faleceram. Ao priorizar-se o estudo dos mestres da cultura do Estado, não se está negando a existência de outras pessoas com igual valor para a cultura e a educação patrimonial, podem ser feitos com todos aqueles e todas aquelas que têm qualidades similares, é que esses são os que têm mais visibilidade no momento, devido ao título que ostentam. O cerne da questão, portanto, está no estudo e na sua correspondente socialização dos portadores da cultura tradicional popular, como forma de contribuir para a educação patrimonial, no campo do imaterial no estado do Ceará e no Brasil.


 


 

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UNESCO: Patrimônio Imaterial, disponível em: http://www.brasilia.unesco.org/areas/cultura/areastematicas/patrimonioimaterial Acessado em 04/01/2010.

 

Fontes hemerográficas: Jornais/diários:

Governo do Estado do Ceará – Secretaria da Cultura. Relação Dos Selecionados – 12 (Doze) Mestres da Cultura Tradicional Popular – 2006. Diário Oficial do Estado Série 2 Ano Ix Nº 101 Fortaleza, 30 De Maio De 2006

Jornal Diário do Nordeste. Reverenciados na mostra, mestres vão ao MIS Diário do Nordeste – Caderno 3. Disponível em: http://diariodonordeste.globo.com/materia.asp?codigo=384715. Acesso em 05 de novembro de 2011.

Jornal O Estado: Noite de Viola na Casa Juvenal Galeno com participação do cordelista Mestre Sebastião Chicute. Disponível em: http://www.oestadoce.com.br/?acao=noticias&subacao=ler_noticia&cadernoID=26&noticiaID=29730. Acesso em 04 de novembro de 2011

 

Leis:

Estado do Ceará. Secretaria da Cultura.  Lei nº 13.351, de 22 de agosto de 2003.

– Diário Oficial do Estado Edição Nº161 de 22 de agosto de 2003

Brasil, Ministério da Educação. Lei 9394/96 Estabelece as  Diretrizes e Bases da Educação Nacional.

 

Fonte de História Oral – entrevistado:

Sebastião Alves Lourenço – Sebastião Chicute – Mestre da Cultura

 

Documentos:

Ata de Fundação da Academia Capistranense de Letras e Artes –  25 de julho de 2006. Capistrano – Ce.

 

Outras fontes:

Alves, Francisco Artur Pinheiro. Ação Educativa Patrimonial. Programa de disciplina – Curso de História, Universidade Estadual do Ceará. Fortaleza: 2010.

Alves, Francisco Artur Pinheiro. Educação Patrimonial. Programa de disciplina – Curso de História, Universidade Estadual Vale do Araraú – Nucleo de maranguape. Maranguape: 2008.

 

 

 

 

 

 

 

 


 

 

 

 


 

Notas

 

 



[1] Bastião, é como popularmente se chama Sebastião, suprimindo-se a primeira sílaba do nome. No caso presente, o grifo é do pesquisador.

 



[i]           Disponível em: http://portal.unesco.org/es/ev.php acesso em 24/09/09

[ii]            Paulilo , Maria Angela Silveira. Pesquisa Qualitativa. Disponível em: http://www.ssrevista.uel.br/n1v2.pdf#page=136, acessado em 06/01/2010.

[iii]         Duarte, Rosália . Pesquisa Qualitativa: Reflexões Sobre O Trabalho De Campo Departamento de Educação da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Disponível em: In: http://www.scielo.br/pdf/cp/n115/a05n115.pdf. Acessado em 06/01/210.

 

 

 

[iv]         História Oral, o Trabalho do CPDOC da Fundação Getúlio Vargas: disponível em: http://cpdoc.fgv.br/acervo/historia oral. Acessado em 05/01/2010.

 

[v]             Meihy , José Carlos Sebe Bom.  Mas o que é mesmo história oral?! - Núcleo de Estudos em História Oral, Neho – USP. Disponível em: www.sescsp.org.br/sesc/conferencias/.../Sebe_Bom_Meihy.doc. Acessado em 05/01/2010.

 

[vi]         A revista Círios registra o Círio de Nazaré de Belém do Pará, e todos os Círios que acontecem no mundo inteiro,  com objetivo de integrar todos estes povos que a partir de uma inspiração com o Círio de Belém, realizam  festas similares em suas regiões, embora nenhuma na proporção da festa do Pará.

[vii]        Fonte Ata de fundação da  Academia Capistranense de Letras e Artes.

[viii]       Citar alguma pesquisa que fale deste assunto....

[ix]         VITALINA. É a moça velha que não casou, que ficou no caritó. Diz a cantiga popular: - "Bota pó, vitalina bota pó/ Que moça velha não sai mais do caritó!"   In: http://www.soutomaior.eti.br/mario/paginas/dic_v.htm

 

[x]              Letra da música vitalina, de Jackson Do Pandeiro         In: http://www.clickgratis.com.br/letrasdemusicas/j/jackson_do_pandeiro/vitalina.html                            

 

[xi]         Catirina: Em Conceição de Macabu, norte do Estado do Rio de Janeiro, catirina é um mascarado, personagem típico do Carnaval. Veste-se com uma máscara rústica, feita de fronha, uma roupa comprida, uma lata e uma varinha de marmelo ou goiabeira. Bate na lata até que apareçam moleques a impornulhar-lhe, aí a varinha vira uma arma de defesa.. Marcelo Abreu Gomes (RJ). Disponível em: http://www.dicionarioinformal.com.br/buscar.php?palavra=catirina Acesso em 10 de janeiro de 2010.

[xii]        Sebastião Alves Lourenço, em conversa com o pesquisador, por várias vezes fez esta afirmação.

[xiii]       Sanfona; instrumento cujo principal aspecto é o fole. Possui baixos e teclado. É também conhecido por: acordeom, gaita, fole, etc.