quinta-feira, 28 de setembro de 2023
Livro; O PROCESSO DE INTERIORIZAÇÃO DA UECE NO SERTÃO CENTRAL
Livro: PROJETO CARQUEIJA - Uma Experiência de Educação Popular e Reforma Agrária da Igreja Católica
Resumo: Narra de forma analítica a História de um Projeto desenvolvido pela Arquidiocese de Fortaleza, na Fazenda Carqueija, na década de 1960, na zona rural do município de Capistrano. Projeto implantado por Dom José de Medeiros Delgado e coordenado pelo agrônomo da UFC, Raimundo Holanda Farias.
Livro: FORMAÇÃO HISTÓRICA DE CAPISTRANO
Preço do livro, incluindo frete: R$ 30,00
Contato pelo ZAP 85 98853 0277.
sexta-feira, 25 de agosto de 2023
quinta-feira, 20 de julho de 2023
JUBILEU DE OURO DA CANONIZAÇÃO DO PADRE CÍCERO PELA ICAB
Diácono Francisco Artur Pinheiro Alves – ICAB
Na época esta decisão da ICAB
foi muito criticada pela CNBB. Notas foram emitidas pela entidade e por bispos
à ela agregados. Mas foi uma decisão acertada, por que está respaldada no
testemunho do povo, que guarda fidelidade ao seu padrinho e tem, por seu
intermédio, dado testemunho das inúmeras graças que consegue por sua
interseção. Por outro lado, é importante lembrar que São Cícero de Juazeiro dedicou
sua vida ao povo, principalmente ao povo pobre do Nordeste Brasileiro, em
especial o povo do Cariri Cearense. Como diz Jesus no Evangelho, ele se dedicou
“aos pequeninos de Meu pai”. Portanto, a ICAB ao canonizar São Cícero, reconheceu
uma canonização praticada pelo próprio povo, antes de qualquer instituição. Hoje
todas as vozes do Catolicismo, estão advogando a canonização de Padre Cícero
São Cícero de Juazeiro é
padroeiro de várias paróquias da ICAB, sendo a principal a da Diocese de
Maceió-AL. Neste período de julho, novenas, tríduos, celebrações da palavra e
missas, estão sendo celebradas em vários lugares do Brasil, especialmente no
Nordeste, comemorando o dia deste santo genuinamente brasileiro e particularmente
nordestino. Isso confirma a assertiva da ICAB em canonizá-lo.
Tudo
começou em 1892, quando a Beata MARIA DO ARAÚJO, por dois anos recebia a Santa
Eucaristia e a hóstia se transformava em sangue. O Milagre de Juazeiro, como
ficou conhecido este fenômeno, fez com
que Pe. Cícero fosse conhecido no Brasil e no mundo e Juazeiro se transformou
na Meca Nordestina, recebendo devotos de todo Brasil, especialmente do
Nordeste.
Que
a experiência da CANONIZAÇÃO DO PADRE CÍCERO nos desperte para canonizarmos,
também, a Beata Maria do Araújo protagonista de um milagre do Santíssimo
Sacramento. Este primeiro milagre, mudou a vida de Padre Cícero, do pequeno
distrito de Juazeiro e do Cariri.
A
canonização da Beata Maria do Araújo, complementaria este ciclo aberto pela
ICAB em 1973 reforçando a importância de reconhecermos a grandeza daquela serva
de Deus, que teve uma vida a Ele dedicada e por isso sofreu bastante, não sendo
entendida pela Igreja. Mais do que completar um ciclo, é o reconhecimento da de
que ela pautou a sua vida no Evangelho de N. S. Jesus Cristo. Sua canonização é
o que esperam os devotos do Pe. Cícero e todos os que veem nessa personagem
histórica, uma santa.
Viva as bodas de ouro da CANONIZAÇÃO do Pe.. Cícero pela ICAB!
Viva a Beata maria do Araújo!
Viva a Igreja católica Apostólica Brasileira!
Viva a nosso Senhor Jesus Cristo!
sábado, 18 de março de 2023
CAPELA DE TAIPA DE TODOS OS SANTOS NA CARQUEIJA DOS ALVES - CAPISTRANO-CE
Diácono Francisco Artur Pinheiro Alves
A
CAPELA DE TAIPA DE TODOS OS SANTOS, está situada no
entorno do ECOMUSEU RURAL RAIMUNDO ALVES DA SILVA e da BIBLIOTECA PROFA.
LOURDENISE PINHEIRO ALVES, na localidade de Carqueija dos Alves, no município
de Capistrano-CE. Com a construção da CAPELA, será possível: celebrar a festa
religiosa de TODOS OS SANTOS em Novembro, a de Santa Luzia em dezembro a dos SANTOS REIS em janeiro, além de outras
festas de santo durante o ano.
Outro
aspecto interessante neste movimento, é que enquanto CAPELA, a mesma terá um
caráter ecumênico, uma vez recebemos pessoas de qualquer credo religiosos que
nos visite e deseje participar de nossas celebrações. Por outro lado,
pretendemos também, realizar, anualmente um seminário para debater do
Ecumenismo ao diálogo INTERRELIGIOSOS, fundamental nos dias atuais, marcados
pela intolerância religiosa.
A construção da CAPELA está sendo de forma
lenta, pois apenas um ou dois operários tem nos ajudado nesta tarefa, pelo
menos uma vez ao mês, quando fazemos
missão na comunidade. Quando estiver toda estruturada pretendemos chamar a
comunidade para, assim, realizarmos
mutirões, sobretudo na etapa de colocação do barro, posto que as paredes
são muito extensas e pega muito barro.
A capela está sendo construída basicamente com
MATERIAIS RECICLÁVEIS: Madeira, telhas, portas, janelas, etc. Tudo recolhido de
espaço público, mas também doados por pessoas que estão fazendo pequenas
reformas, até aqui na cidade de Fortaleza, e transportado por mim, para
Capistrano. Isso é possível, pois é comum se ver este tipo de material nas
ruas, nas calçadas, de forma indevida, até. Deste modo, além de estarmos
trazendo de volta uma modalidade de ARQUITETURA tradicional, como é o caso da
TAIPA, estamos contribuindo com o meio ambiente e com a EDUCAÇÃO AMBIENTAL de
nossa juventude e comunidade.
Usamos também madeiras da flora local, como o
pau branco, mas usamos de forma sustentável, pois primeiro fizemos um plantio
no entorno, a cerca de 20 anos. Agora estamos com este projeto, o que
possibilita colhermos os frutos, com o manejo responsável. Retiramos uma tora
de pau branco, mas deixamos 2 ou 3 fios na touceira, garantindo a continuidade
da espécie. O pau branco é utilizado como caibro, ripa e linha.
Podemos dizer que este projeto tem um cunho
religioso, ecumênico, cultural e ambiental, pelas características já descritas.
Estas são as premissas básicas deste projeto que teve início em 2016, e que em
2020, esteve parado devido a pandemia, mas estamos retornando paulatinamente,
desde o início do ano.
Desde já convidamos a todas as pessoas de boa
vontade para contribuir com doações, em MATERIAL USADO: LINHAS, CAIBROS,
BARROTES, TELHAS, PORTAS E JANELAS, (nos indicando onde recolhê-los).
Aceitamos, também, ajuda em espécie, EM DINHEIRO, haja vista que o temos
despesas com COMBUSTÍVEL, cimento, pregos, mão de obra especializada, alimentação
dos trabalhadores, dentre outros.
Já iniciamos as celebrações mensais, uma por
mês, em honra ao santo do dia, como
afirmamos. Nelas ás vezes fazemos o sorteio de uma CESTA BÁSICA, uma rifa, um
movimento qualquer, para angariarmos fundos para o projeto.
A Capela tem 7m de frente por 14 de
cumprimento. Só tem barro nas paredes da frente e dos fundos, até o meio. Ano
passado realizamos o primeiro Batizado de duas crianças e este ano realizamos
um casamento.
Para nos ajudar, inclusive com sugestões,
colocamos a disposição nosso ZAP: 85
88530277 e nosso e-mail: artur.calumbi@gmail.com
AÇUDE DAS PEIXOTAS E CACIMBÃO SÃO FRANCISCO: dois importantes reservatórios hídricos da Carqueija dos Alves e suas histórias.
Diácono Francisco Artur Pinheiro Alves
Nesta crônica eu abordo
a questão da água na Carqueija dos Alves, tendo como base o período da minha vida, que
vivenciei esta problemática. É um pouco o resgate da memória do trabalho
informal, mas nem por isso menos importante, a memória das e dos botadores de água. Carregar
água, como se dizia, era uma tarefa muito cansativa, mas tinha seus momentos
lúdicos. Na beira do açude ou do cacimbão, se conversava, contava-se histórias,
batia-se um papo, meio rápido, por ser só momento de chegada, carregamento dos
utensílio e saída, mas era sim um momento de alegria, de confraternização, por
isso classifiquei como momento lúdico.
Dentro do
propósito deste livro, que e resgatar a história e a memória de nossa
comunidade trago estes dois reservatórios hídricos o Açude das Peixotas e o
Cacimbão de São Francisco, hoje
desativados, para que renovemos a sua memória.
1. 1. O Açude das Peixotas
O
Açude das Peixotas fica situado às margens da estrada que liga a Carqueija São
Mateus à Carqueija dos Alves, no lado esquerdo da via, no sentido daquela para
esta.
No
tempo que não havia poço, nem água encanada na região, ainda não há na
Carqueija dos Alves, mas há poços. Naquele tempo se buscava água na cabeça e no
lombo de jumentos.
Então,
até a década de 1990, o açude das Peixotas era a Caixa d’água da região. O
último a secar e o da água de melhor qualidade. Isso por que tem na sua vazante
uma belíssima serra coberta de mata do semiárido, que, suponho, garante a
qualidade da sua água.
Segundo
o meu irmão Pedro Jorge, o açude teria sido construído ou concluído em 1875,
período de seguidas secas no Ceará. Não se tem documento sobre isso, mas com
certeza teria sido ainda no Século XIX.
Sendo
ali uma propriedade da família Peixoto, recebeu o nome da família. Está escrito
no singular, por que flexiona com o nome da
líder da família, a matriarca, dona Maria Peixoto.
Este
açude, hoje associado e com sua parede arrombada (a prefeitura nunca ligou em
consertá-lo), abasteceu, muitas vezes a Carqueija dos Alves e a Carqueija São
Mateus, segurando o fornecimento de água até a chegada do inverno.
Nós
tempos de seca, ele secava e só recebia carga no inverno seguinte. Quando já
estava só no porão, papai autorizava pescar. Vinha muita gente, os pescadores e
os curiosos. Pegava-se muita traíra, sovelas e carás. Muitas vezes, também muçu
ou muçum. Estes, mais espertos, fincavam-se na lama.Depois do açude seco a
gente cavava e encontrava muçus na lama e, gordos.
Outro
destaque que quero registrar falando deste maravilhosos açudinho, é a
participação de outro aliado do homem do nordeste brasileiro, até a popularização
das motocicletas e dos transportes em geral, do jumentos. A maioria do
transporte de água era no lombo de jumentos que levava 4 latas ou 4 canecas d’água,
o que correspondia a aproximadamente, 89 litros por caminhada. Eu mesmo
carreguei muita água de jumento.
Por
último quero registrar outro fato importante. Primeiro na margem esquerda do
açude minha mãe sempre plantava um canteiro de coentro e cebola, dava o verão
inteiro. Nas vazantes do açude, muitas vezes se plantava feijão ou batata.
Houve um ano que o papai plantou tomate e eu aguava todas as tardes. A medida
que o açude ia secando, ia-se plantando e tinha-se feijão verde para o consumo
de pelo menos uma vez por semana, ali pelos.meaes.de novembro e dezembro, coisa
rara na região. Quando não acontecia de um jumento entrar no roçado e comer as
verdes folhas e ramas da plantação, o que não era raro, dada a fragilidade das cercas.
Viva o
Açude das Peixotas, um dos ícones da Carqueija dos Alves.
Escrito ao amanhecer do dia 8
de março de 2023, na Carqueija dos Alves
2. 2. O Cacimbão de São Francisco.
Na
extrema do terreno do vovô com o da Diocese, hoje do Zé Daniel e familiares,
tem um cacimbão, que hoje está com anéis, mas nem sempre foi assim.
Este
cacimbão tem uma relação muito íntima com as famílias da Carqueija, tanto da
Carqueija dos Alves, como a Carqueija Diocese e a Carqueija São Mateus. Isso
porque socorreu as famílias locais nos períodos de estiagem. E foram muitos.
Segundo
apuramos este cacimbão teria sido marcado, indicado por um padre. Uns dizem que
foi o Pe. Cícero São Cícero de Juazeiro outros não chegam a afirmar que padre
foi. Como o proprietário do local era uma pessoa muito católica, o Sr. Pierre
Aon, de quem já falamos em outros trabalhos, é razoável acreditar que tenha
sido realmente a indicação de um padre pois muitos deles tinham conhecimento de
hidrologia e geologia geografia, o que certamente influenciou nesta indicação. Mas,
seja como for o importante é registrar a importância do cacimbão de São
Francisco para toda essa gente.
Segundo
o meu irmão Sassá, que botou muita água de lá em 1958, ano de uma grande seca,
a pessoa que cuidava do Cacimbão, Sr. Antônio Terto, que morava bem pertinho do
mesmo, cuidava com todo carinho do Cacimbão. Tinha um flandre e uma vassoura de
relógio (mato que se faz vassoura de terreiro) e todas as tardes ele limpava as
fezes dos jumentos que as pessoas traziam para levar água.
O
Cacimbão era aberto, tinha uma escadaria que a gente descia até embaixo, para
colher a água. Ainda segundo segundo Sassá, o local da água era uma área de uns
três metros, dentro da pedra. Tinha umas duas veias d'água, que jorravam água
até o nível do lençol freático. Quando tinha muita gente tirando água, nos
períodos de seca, faltava água, por alguns minutos, as pessoas esperavam que acumulasse um volume
suficiente para se encher uma cuia e encher os recipientes: latas de querosene,
latas de banha, cabaças canecas de madeira, potes pequenos e outros utensílios
par colheita da água.
Anos
atrás foi feita uma reforma no Cacimbão, foram colocados anéis e fechado a
parte das escadarias do seu entorno. Mas até hoje continua com muita água, o
que mostra que quem marcou o local daquele Cacimbão, tinha muita experiência
neste ofício.
Viva o
Cacimbão de São Francisco, que beneficiou tantas famílias e animais, nos
momentos mais difíceis de suas vidas, nos períodos de seca.
quarta-feira, 15 de março de 2023
VIRGÍNIA PRUDÊNCIO, uma mulher batalhadora
Diácono
Francisco Artur Pinheiro Alves
Na
década de 1960, foi quando eu tomei conhecimento das coisas da vida. Também foi
o período que mais tempo morei na Carqueija. Minhas lembranças são muitas as
que me marcara, foram figuras que de algum modo, se distinguiam das demais
pessoas. Dentre elas a Virgínia Prudêncio.
Estou
tratando-a como Prudêncio, por causa de sua mãe, dona Maria Prudêncio, que
nunca vi de perto, mas sabia que estava na casinha dela, que era cega, e vivia
deitada. A Virgínia não deixava a gente entrar para vê-la.
Virgínia
tinha uma deficiência na perna. Sua perna era curta e um pouco torta. Andava de
muleta. Uma muleta bem forrada de pano, bem acolchoada, para ser mais
confortável.
Sua
casa era bem pequena. Eu menino, baixava a cabeça para entrar. A altura da
porta para ela não era problema, pois era baixinha, menor que eu e, em casa,
andava se agachando, sem usar sua muleta. A casinha parecia casa de boneca, de
tão pequena e tão baixa.
Era
ali, entre o terreno do Pedro Jorge e do João César, na época na área do Tio
Bado. A casa dela era próxima a mais duas casas, a do Sr. Caraca (o nome dele
devia ser Caracas), na beira da estrada e outra que moraram várias pessoas.
Todas ligadas ao Tio Bado, que por sua vez, morava abaixo da casa do Vovô, onde
é hoje a casa nova do Pedro Jorge, construída pelo Jorge e hoje do Jorge. Mais
na frente, na Cabeça do alto, tinha a bodega do Sassá, subindo, por trás da
bodega tinha a casa do Zé Bandolim e abaixo depois do Açude das Peixotas tinha
a nossa casa do lado esquerdo da estrada , no sentido da Diocese e ainda havia
uma casa de morador no alto logo acima de nossa casa, do lado direito, quase na
estrema do Zé Daniel. Portanto, entre a casa do Vovô e a extrema do Zé Daniel,
era bem povoado Só a casa do papai e a do Sassá, eram de tijolo, as demais eram
de Taipa.
Todos
os dias a Virgínia ia até a Carqueija. Ia pedir suas esmolas. Naquele tempo não
tinha nem Bolsa Família, nem aposentadoria de idosos. Ela vivia da caridade
alheia. Diziam que ela tinha um namorado. Um namoro proibido, mas isso não
posso afirmar. Certamente teve e era seu direito, amar.
As
minhas lembranças dela são estas, em sua casinha, fazendo café em um fogão à
lenha no chão. Outra lembrança marcante era vê-la passando na estrada indo a
Carqueija. Às vezes passava lá em casa também e a mamãe dava a sua colaboração.
Fica
pois o registro desta personagem que marcou a nossa infância na Carqueija dos
Alves.
LEMBRANÇAS DO PEDRO CÂNDIDO
Diácono Francisco Artur Pinheiro Alves
Pedro Cândido é outro
personagem da Carqueija dos Alves, que me interessa registrar, embora tenha
pouquíssimas informações sobre ele.
Era filho de dona Maria
Cândida, comadre da mamãe. Além dele eu lembro outros filhos dela: dona Laura,
Manoel Cândido e Antônio Cândido.
Dona Laura também era comadre
da mamãe, lembro muito dela quando morava numa casa próxima à Casa de Farinha
do tio Neném, acima do açude dele.
Antônio Cândido era o filho
mais novo. Muito inteligente. Aprendeu a ler na escola da mamãe e segunda ela,
tinha uma boa caligrafia, requisito essencial para alfabetizados daquela época.
Antônio era, como todos ali, agricultor, mas tinha um diferencial dentre os
demais da comunidade, era relojoeiro. Era muito amigo do meu irmão Nonato.
O Manoel Cândido, ainda é
vivo, tem 90 anos, mora na Carqueija dos Alves, próximo à casa do Fernando do
tio Neném, bem na beira da estrada. Tem muitos filhos e netos.
Agora vou falar do Pedro
Cândido. Ele era o mais velho dos irmãos. Tinha deficiência auditiva, não sei
se a vida toda, mas o conheci quase moco.
Casou-se com a Tereza, que a
gente chamava de Tereza Lopes. Ela tinha o cabelo preto, liso, cuidava bem dele
lavando com raspa de juá, para vender, quando crescia, à dona Maria Alta, mãe
do Prazilde, em Capistrano.
Voltando ao Pedro Cândido, ele
foi morador do papai. Morou numa casa que já descrevi em outro texto, que
ficava no alto, acima da nossa casa, entre o açude e o terreno do Zé Daniel.
Ele tinha uma voz grossa, mas
como tivesse com um bombom na boca. Eu ainda hoje o imito. Era uma pessoa
santa. Vivia do trabalho e alheio aos propósitos do mundo. Seu único pecado,
era fumar Pé Duro. Se isso for pecado. Talvez fosse melhor dizer, sua única
distração era fumar Pé Duro. E é sobre o seu Pé Duro que vou contar uma
história dele.
Certa vez ele estava
trabalhando próximo de nossa casa e eu estava no roçado com ele. Papai o
colocava para trabalhar perto de casa, no roçadinho do entorno da casa. Ele não
ia para o adjunto de trabalhadores, na serra, como os demais, geralmente mais
novos.
Então nós estávamos
trabalhando, limpando mato, quando ele chama o filho dele que ficava por ali, e
lhe deu uma missão que passo a relatar, encerrado esta crônica. Disse ele:
"Chico, vá fazer um Pé
Duro pra mim e traga acesso".
O Chico devia ter uns 7 anos. Evidentemente,
nem precisa dizer que o Chico se tornou um exímio fumante.
domingo, 12 de fevereiro de 2023
CORDEL DA ARARUTA
SEBASTIÃO CHICUTE Mestre de Cordel e Reisado
SEBASTIÃO CHICUTE
mestre de cordel e reisado
(Livro completo)
Nota do autor:
Texto adaptado para publicação no
Blog. Não foram incluídas as fotos dos anexos, que constam no original. Sujeito
a modificações na estrutura, mas o texto é original.
Alves,
Francisco Artur Pinheiro.
A
Atividade Cultural e a Obra do Mestre da Cultura Sebastião Alves
Lourenço
(Sebastião Chicute) na Perspectiva de uma Educação Patrimonial
Imaterial
na Cidade de Capistrano, Estado do Ceará, Brasil.
Assunção
(Paraguai): Universidade Autônoma de Assunção, 2011.
Tese
apresentada para a obtenção do título de Doutor. = 122p
Lista
de referências p 117
Palavras
chaves: Educação Patrimonial. Mestre da Cultura. Reisado.
Cordel.
Folclore. Cultura Popular.
INESP
Fortaleza
/ Ceará
2017
Copyright
© 2017 by Inesp
INESP
Presidência
George
Lopes Valentim
Assistente
editorial
Andréa
Melo
Projeto
gráfico e diagramação
Valdemice
Costa (Valdo)
Ilustração
da capa
Xilogravura
de Otávio Menezes
Revisão
Lúcia
Jacó Rocha
]Assistente
de revisão
Carol
Molfese
Impressão
e acabamento
Gráfica
do Inesp
Coordenação
de impressão
Ernandes
do Carmo
Acabamento
Hadson
França
Francisco
de Moura
João
Alfredo Lanzilotti
Cleomárcio
Alves (Márcio)
Catalogado
por Daniele Sousa do Nascimento CRB-3/1023
A474s
Alves, Francisco Artur Pinheiro.
Sebastião
Chicute: mestre de cordel e reisado /
Francisco
Artur Pinheiro Alves. – Fortaleza: INESP, 2017.
263p.
; 20cm.
ISBN
Nº 978-85-7973-084-9
1.
Chicute, Sebastião, poeta popular do Ceará,
biografia.
2. Cultura popular, Brasil, Nordeste. 3. Literatura
de
Cordel. I. Ceará. Assembleia Legislativa. Instituto de
Estudos
e Pesquisas sobre o Desenvolvimento do Estado.
II.
Título.
CDD
398.20981
VENDA
PROIBIDA
Permitida
a divulgação dos textos contidos neste livro, desde que citados autores e
fontes.
Instituto
de Estudos e Pesquisas Sobre o Desenvolvimento do Estado do Ceará – Inesp
Av.
Desembargador Moreira, 2807 – Ed. Senador César Cals, 1º andar Dionísio Torres
CEP: 60.170900
Fortaleza
- CE - Brasil | Tel: (85)3277-3701 | Fax: (85)3277-3707 | al.ce.gov.br/inesp |
inesp@al.ce.gov.br
DEDICAÇÃO
Dedico este trabalho,
Em primeiro lugar ao mestre Sebastião Chicute, in memórian
Aos meus pais:
Raimundo Alves da Silva, (in memória)
e Lourdenise Pinheiro Alves
À minha esposa, Iraneuda Fernandes
Aos meus filhos:
Artur Júnior, Emanuel Abdalla,
Isabela Fernandes e Antonio Isac
Aos meus irmãos, demais familiares e amigos
Aos familiares do Mestre
Sebastião Chicute, à sua consorte
Luzia Prudêncio e familiares,
a todos os membros de seu reisado e ao povo de Capistrano
À Profa. Marta Canese, aos demais professores, funcionários e direção
da U.A.A
Ao querido povo paraguaio, em especial, os da etnia Guarani
Ao presidente do INESP Dr. George Lopes Valentim, à minha colega de
universidade profa. Lúcia Jacó, que fez a revisão ortográfica e toda a equipe
do INESP
E a todos que direta, ou indiretamente, contribuíram para que eu
chegasse até aqui.
PREFÁCIO
Capistrano é uma cidade cearense conhecida por sua
forte religiosidade e cultura, mas sua popularidade
se aguça
por ser berço de Sebastião Alves Lourenço, o
Sebastião
Chicute, reconhecido como Mestre da Cultura. O
título
foi-lhe conferido por comenda oferecida pelo Governo
do
Estado do Ceará, através da Secretaria de Cultura, e
acentua
a relevância do que é produzido por ele. O domínio
de
sua arte e a capacidade de transmitir seus
conhecimentos,
porém, sempre foram inquestionáveis.
A atuação de Sebastião Chicute fortalece as artes do
Reisado
e do Cordel. A cultura do Nordeste brasileiro também
se engrandece com o Mestre, que já passou pelas
moradias
de Capistrano, dançando e cantando as músicas de
Reisado,
e agora chega às casas dos demais cearenses
juntamente com
sua literatura popular e seus hábitos que
continuarão sendo
transmitidos de geração para geração através deste
livro
que a Assembleia Legislativa do Estado do Ceará,
através do
Instituto de Estudos e Pesquisas sobre o
Desenvolvimento
do Estado do Ceará – Inesp, disponibiliza.
George Valentim
Presidente do Instituto de Estudos e Pesquisas sobre
o
Desenvolvimento do Estado do Ceará – Inesp
APRESENTAÇÃO
O escritor ainda apresenta o Município de
Capistrano, o
berço do Mestre Sebastião, sua educação, cultura e o
modo
como se dá sua religiosidade. Sobre o Mestre, aborda
seu
processo de alfabetização, o Reisado e o Cordel em
sua vida,
dentre outros assuntos que requerem maior
detalhamento e
que, obviamente, se interligam à temática central do
objeto
pesquisado. Também deixa explícito o caminho que
percorreu
para levantar as informações para a composição desta
obra que a Assembleia Legislativa do Estado do Ceará
tem a
honra de disponibilizar aos cidadãos cearenses.
Dep. José Albuquerque
Presidente da Assembleia Legislativa do Estado do
Ceará
INTRODUÇÃO
O presente trabalho analisa a vida e a
produção artística do mestre Sebastião Alves Lourenço, onde busco identificar a
relação dessas atividades com a educação patrimonial de cunho imaterial, de
acordo com os novos conceitos dessa temática interdisciplinar, a partir de
conceitos mais amplos de educação. É fruto de minha tese de doutorado em
educação, apresentado à Universidade Autônoma de Assunção, em 2012 e que agora
foi adaptado pata publicação como livro, pelo INESP.
O
problema
Esta pesquisa teve como objeto o mestre
Sebastião Alves Lourenço – Sebastião Chicute, mestre de cultura tradicional
popular do estado do Ceará, na cidade de Capistrano. Buscou-se analisá-lo em
três dimensões:
a) A partir de sua história de vida.
b) Seu desempenho como mestre de reisado, uma dança
tradicional popular do Brasil.
c) Seu desempenho como poeta popular, autor de dezenas de
livretos de cordel.
Objetivo geral
O objetivo deste trabalho é identificar a contribuição do
mestre da cultura, Sebastião Alves Lourenço (Sebastião Chicute), na qualidade
de mestre da cultura do estado do Ceará, por sua habilidade como poeta popular, e mestre de reisado, para
a educação patrimonial imaterial, informal, difusa, na cidade de Capistrano,
estado do Ceará, Brasil. Além deste objetivo geral, elencou-se alguns objetivos
específicos que se registram a seguir.
Objetivos Específicos
1. Compreender o conceito de educação informal, difusa,
para além da educação escolar, para a partir desse conceito trabalhar a
educação patrimonial imaterial;
2. Resgatar parte da cultura popular sertaneja,
representada pela brincadeira do reisado e pela literatura de cordel presentes na atividade do mestre Sebastião
Chicute;
3. Compreender a educação patrimonial imaterial como uma
ação inerente aos grupos sociais, e que acontece na escola, mas, também, além
de seus muros, na comunidade; contribuir com a divulgação, o estudo e a
preservação do patrimônio imaterial de caráter popular da cidade de Capistrano,
em especial, com as manifestações do grupo de reisado e a literatura de cordel;
4. Analisar o papel dos brincantes de reisado, enquanto
sujeitos históricos responsáveis pelo resgate, transformação, manutenção da
tradição de reisado, enquanto manifestação da cultura popular;
Panorama
geral e alcance do trabalho
Para compreender a contribuição de um
mestre da cultura para a educação patrimonial imaterial, tem-se que entender
educação de uma forma mais ampla para além da sala de aula.. Para Brandão, “não
há uma forma única nem um único modelo de educação, a escola não é o único lugar onde ela acontece”
(Brandão 2007 p.9). A educação sempre existiu, mesmo nas comunidades tribais,
onde não havia escola (Aranha,2006). Do mesmo modo, hoje a educação acontece,
na escola e fora de seu meio. Daí ser importante o estudo de experiências
culturais, que contribuem com a educação patrimonial de uma comunidade.
Patrimônio imaterial, no caso em estudo. Por isso, pode-se dizer que,
certamente, o registro, a análise, o debate acadêmico em torno da história de
vida, pelas artérias da memória, da compreensão das relações e do “modus vivendi” de um mestre da cultura
popular, reconhecido por sua comunidade e por seu estado, sua atuação no grupo
de reisado e na poesia popular serão uma pequena, mas valiosa, contribuição
para nessa tentativa “de organizar metodologicamente as várias expressões
artísticas do sertão brasileiro” (Leitão, 1997) pois, com certeza, o mestre
Sebastião Chicute é parte deste universo e está neste contexto.
Segundo Cláudia Leitão, Ariano Suassuna
“chegou a propor um movimento cultural, a partir das características da arte
sertaneja.” A autora analisando esta proposta de Suassuna diz: “Com efeito, a
idéia de um movimento cultural não passa de uma tentativa de organizar
metodologicamente as várias expressões artísticas do sertão brasileiro, assim
como de pesquisar suas origens n
imaginário ibérico. Compreender a cultura sertaneja para Suassuna
significa identificar a herança medieval portuguesa e espanhola, observando seu
sincretismo com as culturas negra e indígena” (Leitão, 1997p. 96) O município
de Capistrano tem uma forte tradição rural haja vista sua população ainda se concentrar na sua
maioria na zona rural. Como tal, vem preservando, mesmo sem o apoio público, a
cultura dos reis, enquanto manifestação da cultura, oriunda do catolicismo
popular muito presente na história do Nordeste brasileiro.
A preservação desses grupos com condições
de transmissão para as novas gerações é um imperativo que deve estar na agenda
dos promotores de cultura do Nordeste brasileiro, em particular os de origem
governamental.
É um dever dos que trabalham com a cultura local, pesquisar,
registrar e estudar, a fundo, as manifestações
populares de nossa cultura pois a cultura popular é riquíssima.
Estrutura do
trabalho
O trabalho está organizado da seguinte
forma: esta introdução na qual se destacam os objetivos, a justificativa e a hipótese;
em seguida as duas partes em que foi divido o trabalho, para facilitar a sua
compreensão metodológica. A primeira parte contém os dois primeiros capítulos,
de ordem metodológica, onde no primeiro capítulo se desenvolve o marco teórico
da pesquisa com o título: Apresentando o Marco Teórico;
o segundo capítulo denominado: Marco Metodológico: dialogando
com as metodologias utilizadas foi
destinado, como se ver, ao marco
metodológico, no qual se dialoga com a metodologia aplicada na pesquisa. A
segunda parte narra os resultados da pesquisa
propriamente dita e está dividida em três capítulos. O terceiro capítulo
que tem o título: Discorrendo sobre o mestre Sebastião Chicute, onde se
apresentam aspectos da história de vida sobre o mestre, já fazendo uma relação
com a escola, mais precisamente sobre o acesso e a negação do acesso a ela. No
quarto capítulo com o título: A Educação Patrimonial pela Via da Dança dos
Papangus no Reisado do Mestre Sebastião Chicute, discute-se e mostra-se o papel
do reisado na educação patrimonial imaterial, informal, ou seja além dos muros
da escola, pela sua riqueza de comunicação de fácil aprendizagem por parte dos
assistentes e participante. No quinto capítulo denominado: Presença da Educação
Patrimonial na Obra Literária Cordelista de Sebastião Chicute, demonstra-se,
mais uma vez, a contribuição do mestre da cultura com a educação patrimonial,
desta feita pela via da Literatura de Cordel. Por último apresenta-se a conclusão,
na qual se reforçam as afirmações e as convicções do autor, sobre a sua tese,
que se resume em mostrar a contribuição do mestre da cultura em estudo, para a educação
patrimonial local.
PRIMEIRA PARTE
PRESSUPOSTOS TEÓRICOS
METODOLÓGICOS DA PESQUISA
Para melhor
definir a estrutura do trabalho e notadamente facilitar a compreensão por parte
do leitor, optou-se por dividir o relatório em duas partes. A primeira parte
que contém os dois primeiros capítulos, abordam-se as questões de ordem teórico-
metodológicas. Dentro da orientação metodológica da UAA o marco teórico e o
marco metodológico devem ser definidos no trabalho. Neste caso, o primeiro
capítulo foi dedicado ao marco teórico enquanto que o segundo capítulo foi
contemplado com o marco metodológico. O relatório de pesquisa ficou na segunda parte
em três capítulos.
Espera-se, assim, ter facilitado a compreensão do
trabalho.
CAPÍTULO I
APRESENTANDO O MARCO
REFERENCIAL
Neste capítulo, discutem-se os fundamentos
teóricos que norteiam a presente pesquisa, iniciando-se pela conceituação de
educação informal, as várias dimensões de patrimônio, conceitos de folclore e
cultura popular e finalmente discutir-se a educação patrimonial.
1.1 Discutindo o conceito de educação informal
A primeira discussão que se traz à
reflexão é o conceito de educação informal, o qual é importante ter clareza,
pois é neste campo do saber que se insere a presente pesquisa. Pretende-se
fazer um estudo da contribuição do mestre Sebastião Chicute, para a educação
patrimonial imaterial, através de sua atividade como mestre de reisado e
cordel. E o que seria educação informal, educação extraescolar.
Para Maria Lúcia Aranha, em História da
Educação e da Pedagogia Geral e do Brasil:
“Estamos tão acostumados com a escola que às
vezes nos parece estranho o fato de que essa instituição não existiu sempre, em
todas as sociedade ... o saber antes aberto a todos tornou-se patrimônio e
privilégio da classe dominante. Neste momento surgiu a necessidade da escola,
para que apenas alguns iniciados tivessem acesso ao conhecimento” (Aranha, 2006
ps.34 a 36).
Sobre o surgimento da escola, pode-se
dizer que, historicamente, no momento em que as atividades econômicas tornam-se
mais complexas, surge a escrita e em decorrência do surgimento da escrita, é
que surge a escola. Como se percebe, claramente, a educação é um processo
contínuo, presente em toda a trajetória da humanidade. As comunidades
primitivas eram detentoras de um processo educativo integral, difuso, para o
qual não prescindia a necessidade da escola. A escola surge num dado momento,
quando uma classe dominante nascente percebeu que era necessário o domínio de
códigos de escrita para registro de seus bens materiais oriundos de sua produção.
O que se quer clarear neste momento é a concepção
de que a educação é intrínseca á humanidade em todas as suas etapas de
desenvolvimento e nos mais variados níveis. Entretanto, no que pese a escola
ser um espaço privilegiado para a educação, essa não ocorre somente dentro da
escola, pelo contrário, a educação manifesta-se em vários espaços sociais.
Carlos Rodrigues Brandão, ao analisar a
temática do surgimento da escola, reforça a tese da existência da educação
mesmo fora ou antes da escola. Segundo esse pesquisador:
“Mesmo os grupos que, como os nossos dividem e hierarquizam tipos de saber,
de alunos e de usos de saber, não podem abandonar por inteiro as formas livres,
familiares e/ou comunitárias de educação. Em todos os cantos do mundo, primeiro
a educação existe como um inventário amplo de relações interpessoais diretas no
âmbito familiar: mãe-filha, pai-filho, sobrinho-irmão-de-mãe,
irmão-mais-velho-irmão-caçula e assim por diante. Esta é a troca de saber mais
universal e mais persistente na sociedade humana. Depois, a educação pode
existir entre educadores-educandos não parentes (...) semi-especializados ou
especialistas do saber de algum ofício mais amplo ou mais restrito:
artesão-aprendiz, sacerdote-iniciado, cavaleiro-escudeiro, e tantos outros. (Brandão,
2007. p.31 e 32).
O autor reforça a tese de que é o fulcro
principal deste trabalho, segunda a qual as atividades desempenhadas por um
mestre da cultura são atividades educativas não formais e como tal contribuem,
fortalecem, desenvolvem a educação patrimonial, evidentemente, que, no caso em
estudo, na vertente imaterial. Voltando ao autor supra citado ele reforça a ideia
da educação em um sentido mais amplo e fora da escola, quando afirma que o
espaço educacional não escolar é o lugar da vida e do trabalho como por
exemplo: a casa, o templo, a oficina, o barco, o mato, o quintal, espaços onde
viver o fazer, faz o saber. (Brandão,
2007. p.32)
Dentro dessa mesma concepção conceitual,
no Brasil, a Lei de Diretrizes e Bases
da Educação Brasileira, Lei nº 9394/96, cujo projeto de lei foi de autoria do
Senador Darcir Ribeiro, conhecido
antropólogo e educador brasileiro, trouxe um novo conceito legal para a
educação, recuperando essa visão de amplitude do conceito de educação. Esse
conceito está estampado no capítulo I, que assim define educação:
“A educação abrange os
processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência
humana, no trabalho, nas instituições de ensino, nos movimentos sociais e
organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais” (Lei 9394/96
art. 1º)
Discutindo um pouco sobre este conceito,
sua amplitude e uma análise do artigo como um todo, insere-se o que
inferiu o professor e especialista em LDB, Moacir Alves Carneiro, em seu livro LDB fácil, um dos primeiros a
analisar a LDB, artigo por artigo. Segundo ele:
“o artigo em apreço, representa uma
ruptura de dimensão axiologia á medida
em que elastece a carga semântica de
educação, imputando-lhe um atributo de
ação do indivíduo sobre o indivíduo para construir seu destino nas mais
diferentes ambiências; na família, no trabalho, na escola, nas organizações
sociais, etc. Em qualquer destes espaços há um processo formativo, ou seja um
chão de aprendizagem, sobre o qual se forma a cidadania. Trata-se, por
conseguinte, de uma prática humana eivada de equipamentos de subjetividade e de
ações intencionalizadas que focam a construção histórica e coletiva da
humanidade” (Carneiro,1997 p 31)
O conceito de educação que se pretende trabalhar
no presente trabalho é, também, bem elástico, ou seja, extrapola o conceito de
educação escolar, indo além desse. Busca-se nas duas situações, aquela
histórica defendida por Aranha de que a educação escolar é posterior, surge num
dado momento histórico da humanidade, quando do surgimento da escola, por uma
necessidade particular de um sistema de dominação nascente, enquanto que o
conceito de educação é anterior, é inerente a todas as sociedades, mesmo
aquelas ágrafas. Também no conceito concebido pela Lei Nacional de Diretrizes
da Educação, a educação acontece dentre outros espaços, “nas manifestações culturais”.
Especialmente sobre as manifestações
culturais referidas no capítulo da citada lei, o autor faz um comentário, que
vale a pena aqui registrar, para fortalecer a ideia de educação privilegiada
nesta pesquisa:
“trata-se de expressões de cultura enquanto
conceito antropológico e se reporta ao mundo que o homem cria através de sua
intervenções sobre a natureza, ou seja, através de seu trabalho. Neste sentido,
não há cultura superior a outra, há isto sim, cultura diferentes” (Carneiro, 1997 p. 32)
Para Aranha, ao analisar a origem da
escola, “a educação não é privilégio da escola, ela acontece no meio social,
cultural, no cotidiano da vida familiar, no trabalho etc”. Mesmo nas
comunidades primitivas, onde não existia escola, sempre existiu educação. Nessas
comunidades “as crianças aprendem imitando o gesto dos adultos nas atividades
diárias e nos rituais. A formação é integral – abrange todo o saber da tribo –
e universal, por que todos tem acesso ao saber e ao fazer apropriados da
comunidade” (Aranha, 2006 p. 35).
Emile Durkheim, citado por Brandão,
reforça o que diz a autora acima, ao explicar o processo educativo das
comunidades primitivas da seguinte maneira:
“Sob o regime tribal, a característica
essencial da educação reside no fato de ser difusa e administrada
indistintamente por todos os elementos do clã. Não há mestres determinados nem
inspetores especiais para a formação da juventude; esses papéis são
desempenhados por todos os anciãos e pelo conjunto das gerações anteriores”
(Brandão 2007. p.18).
Tudo isso para reforçar a tese de que a
escola nem sempre existiu, ao passo que a educação, essa sim, sempre existiu na
sociedade humana e que mesmo depois do advento da escola, a educação continua
acontecer fora dela, embora seja ela o espaço privilegiado para a disseminação
do saber, não é o único.
Nesse sentido, o conceito de educação é
mais abrangente, não se limita ao espaço escolar pode-se inferir que,
necessariamente, não se aprende somente na escola. A escola é um dos espaços,
talvez o mais apropriado para a aprendizagem, mas além dela, também, se
aprende, e nesse caso, a tradição oral continua sendo uma das formas de
transmissão de conhecimento.
A educação de que se está falando é a educação
informal, ou não formal, como bem conceitua Moacir Gadotti. Em uma conferência,
na Suíça, em 2005, sobre educação formal e não formal, e elabora o seguinte
conceito de educação não formal:
“Gostaria de definir a
educação não formal por aquilo que ela é, pela sua especificidade e não por sua
oposição à educação formal. Gostaria também de demonstrar que o conceito de
educação sustentado pela Convenção dos
Direitos da Infância ultrapassa os limites do ensino escolar
formal e engloba as
experiências de vida e os processos de
aprendizagem não-formais, que desenvolvem a autonomia da criança.... A educação não formal é mais
difusa, menos hierárquica e menos burocrática. Os programas de educação não
formal não precisam necessariamente seguir um sistema sequencial e hierárquico
de “progressão”. Podem ter duração variável, e podem, ou não, conceder
certificados de aprendizagem.” (Gadotti, 2005:2).
O campo da educação que se está definindo
neste estudo é exatamente este, o não formal, como disse o autor acima, não em
oposição à escola que é imprescindível na sociedade e deve ser garantida pelos
governos para todos. Mas unicamente, neste caso para delimitar o espaço que se
está incluindo a ação de um mestre da cultura, sua prática como agente cultural
popular e como “tesouro vivo”.
Paulo Freire, também, ilumina, de certo
modo, esta conceituação quando lembra que:
“Foi aprendendo
socialmente que mulheres e homens, historicamente, descobriram que é possível
ensinar. Se estivesse claro para nós que foi aprendendo que aprendemos ser
possível ensinar, teríamos entendido com facilidade a importância das
experiências informais nas ruas, nas praças, no trabalho, nas salas de aula das
escolas, nos pátios dos recreios, em que variados gestos de alunos, de pessoal
administrativo, de pessoal docente se cruzam cheios de significação” (Freire,
2009:44).
Como se percebe, Paulo Freire dá importância,
enaltece o que ele chama de “experiências informais”, em todos os espaços, dentro
e fora da escola. A experiência da brincadeira de reisado, a experiência da
leitura de um “romance” de cordel, certamente, estão dentro desse leque de
experiências informais de que fala Paulo Freire. E estando-se falando em
educação patrimonial imaterial, então é que essas experiências têm relevância.
Pode-se inferir que a educação não formal é
o campo de transmissão de saber dos mestres da cultura, os tesouros vivos, em
geral, e do mestre Sebastião Chicute em particular.
1.2
A relação cultura e educação
Como acentua
Marta Canese de Estigarribia, “la
educación se nutre de la cultura, y a lavez es uno de los aspectos fundamentales
de la misma” (Estigarribia 2008:12). Quer
dizer, a fonte em que a educação nutre, se apoia, estabelece as suas bases é a
cultura. Por
outro lado, diz a autora,
“es la cultura la que brinda los contenidos de la educación, al punto de
reconhecerse que ésta es el medio por excelencia para transmitir la cultura…
Entendemos a la cultura como un conjunto de modelos de conocimiento, de
conducta e semióticos vigentes en una geografia y en un tiempo histórico
concreto. ”
A cultura é a fonte inesgotável que
alimenta a educação e oferece a essa elementos que enriquecem o seu currículo.
Cultura, aqui, em um sentido amplo, mas num espaço e tempo definido. Por tanto
educação e cultura caminham juntas lado a lado, são complementares, e não
excludentes.
Edgar Morin ao analisar a diversidade
cultural e a pluralidade dos indivíduos, traz uma conceituação de cultura
bastante pertinente e relacionada com o que se está discutindo neste item. Para
ele:
“A cultura é
constituída pelo conjunto dos saberes, fazeres, regras, normas, proibições,
estratégias, crenças, idéias, valores, mitos, que se transmite de geração em
geração, se reproduz em cada indivíduo, controla a existência da sociedade e
mantém a complexidade psicológica social. Não há sociedade humana, arcaica ou moderna
desprovida de cultura, mas cada cultura. Assim sempre existe a cultura nas
culturas, mas a cultura existe apenas
por meio das culturas. (sic.) (Morin 2000. p. 56).
Trazendo para o que se está estudando,
sobretudo no campo dos “saberes, fazeres, crenças, idéias,” que constituem
parte do patrimônio cultural em sua esfera imaterial, no que pese à escola
tenha papel fundamental no processo de aprendizagem desses elementos da
cultura, eles não dependem, exclusivamente, dela para se multiplicarem. Entretanto
a assimilação, a compreensão dessa diversidade cultural é o que se constitui o
que se chama de educação patrimonial.
Por
outro lado, se a educação não acontece somente na escola, com efeito a educação
patrimonial, também, não é um produto exclusivo da escola. Há inúmeras formas
de acesso à educação patrimonial, sobretudo quando se está falando de
patrimônio imaterial. Pode-se inferir, com segurança, que na brincadeira de
reisado e na produção em literatura de cordel, o mestre Sebastião Chicute está
praticando cultura e está praticando educação patrimonial, como se verá nos
capítulos referentes à descrição da pesquisa na segunda parte deste trabalho.
Feitas essas considerações iniciais sobre
educação, educação patrimonial e cultura, passa-se agora para a análise de
outros conceitos como o de patrimônio, patrimônio cultural imaterial, para
poder-se compreender o que se define como educação e mais precisamente educação
patrimonial imaterial vertente onde se incluem as manifestações culturais da
brincadeira de reisado e da literatura de cordel praticados pelo mestre da
cultura Sebastião Chicute, objeto de estudo desta tese.
1.3 Evolução
Histórica e Conceitual de Patrimônio
O termo patrimônio é de origem latina,
deriva-se da palavra “patrimonium”
que se referia a tudo que pertencia ao “pater
família”. A cada época, porém, o termo patrimônio foi sendo agregado aos
valores de cada cultura dominante, até chegar aos nossos dias. Por exemplo, na
Idade Média, manteve o caráter aristocrático mas agregou-se ao caráter
religioso, portanto, de natureza
simbólica e coletiva.
Depois, no final da Idade Média e início
da Idade Moderna, recebeu a influência renascentista, e novamente enriquecido
com a formação dos estados nacionais, ainda na Idade Moderna, quando esses, ao
se formarem, trataram de estabelecer os marcos de sua cultura nacional e delimitar as características de seu
patrimônio, para chegar aos nossos dias, na forma delineada pelas Nações Unidas
ao longo de sua existência, através de diversas convenções, inicialmente,
privilegiando apenas o patrimônio cultural material, para finalmente, em 2003,
contemplar o patrimônio imaterial (Funari e Pelegrini os 11 a 28).
Feito esse breve histórico da evolução do
patrimônio, passa-se então para uma conceituação do que venha a ser patrimônio
cultural. Para tanto, recorrer-se-à, novamente, a Peregrine e Funari, para
quem,
“o conceito de patrimônio cultural na
verdade está imbricado com as identidades sociais e resulta, primeiro das políticas
do estado nacional e em seguida do seu questionamento no quadro da defesa da
diversidade. Patrimônio cultural associou-se, nos séculos XVII e XIX com a
nação, com a escolha daquilo que representaria a nacionalidade na forma de
monumentos, edifícios ou outras formas de expressão.” (Peregrine e Funari,
2008 p.28)
Os autores relacionam a esse fato
histórico o surgimento dos museus, e exemplificam: Museu Britânico (Londres),
Louvre (Paris), Museu do Ipiranga (São Paulo), como exemplo dessas políticas.
Com as críticas ao nacionalismo, surgem os apelos ao patrimônio da humanidade,
mais precisamente, no seio da Organização das Nações Unidas para a Educação, a
Ciência e a Cultura (UNESCO). No início, esse movimento valorizava, apenas, os
aspectos materiais produzidos pelas elites, aos poucos passou a valorizar as
manifestações intangíveis e dos grupos sociais.
A partir de 1930, a identificação do
patrimônio histórico, cultural, paisagístico e natural da humanidade foi
efetuada, de forma sistemática, por alguns estudiosos preocupados com o
crescimento urbano, que passaram a refletir sobre o assunto.
A partir de 1945, a UNESCO engajou-se
nesse campo e passou a promover ações reflexivas sobre estratégias pacíficas de
desenvolvimento nas áreas das Ciências Naturais, Humanas e Sociais, da Cultura,
da Comunicação, da Educação e da Informação. (idem p.32). Em 1954, a Unesco,
através da Carta de Haia, conseguiu propor medidas de proteção de bens
culturais em caso de conflito armado (idem p.33).
Em 1972, a Unesco consegui mobilizar cerca
de 148 países para discutir e aprovar um importante pacto em prol dos bens
culturais e naturais da humanidade a Convenção do Patrimônio Mundial. A partir
dessa conferência, países, como a Bolívia, passaram a reivindicar uma atenção
maior em relação à cultura tradicional popular. Dez anos depois, foi celebrada
no México a “Conferência Mundial sobre as Políticas Culturais”, em face da
relevância entre a cultura e a identidade dos povos (idem p.34).
A 25ª Reunião da Conferência Geral da UNESCO
teve como resultado a ‘Salvaguarda da Cultura Tradicional Popular (1989). Na
sequência é publicado o informe da Comissão Mundial de Cultura e
Desenvolvimento, denominado “Nossa Diversidade Criativa (1996). Esses
documentos são significativos em relação à necessidade de uma sistematização da
proteção dos bens culturais e um inventário dos direitos culturais, antes
dispersos entre as recomendações sobre
direitos humanos.
Estavam lançadas as bases para um
entendimento mais amplo em relação á cultura popular, com a seguinte
conceituação:
‘La cultura tradicional y popular es el conjunto de creaciones que emanan
de una comunidad cultural fundadas en la tradición, expresadas por un grupo o
por individuos y que reconocidamente responden a las expectativas de la
comunidad en cuanto expresión de su identidad cultural y social; las normas y
los valores se transmiten oralmente, por imitación o de otras maneras. Sus
formas comprenden, entre otras, la lengua, la literatura, la música, la danza,
los juegos, la mitología, los ritos, las costumbres, la artesanía, la
arquitectura y otras artes.(recomendación sobre la salvaguardia de la Cultura
tradicional y popular 1989 p1)[i]
Percebe-se aí uma grande evolução
conceitual entre os primeiros documentos da UNESCO, no que concerne à cultura e,
consequentemente, de patrimônio cultural, consolidando-se com a Conferência de
2003 sobre patrimônio imaterial, como se vê a seguir.
1.4
Patrimônio Cultural
Pode-se
afirmar que o patrimônio cultural é formado pelo conjunto de manifestações,
realizações e representações de um povo, e também de uma comunidade. Ele está
presente em todos os espaços e atividades: nas ruas, nas praças; em nossas
casas; nas músicas; nas artes em geral, nos museus; escolas; igrejas, nos
nossos modos de fazer; de criar e trabalhar. Também nos livros que se escreve,
na poesia que se declama, nas brincadeiras, nas religiões e crenças que se
profetisa. Ele faz parte de nosso cotidiano e estabelece as identidades que
determinam os valores que defendemos. Quanto mais o país cresce e se educa,
mais cresce a sua diversidade e, consequentemente, o seu o patrimônio cultural.
O patrimônio cultural de cada comunidade é importante na formação da identidade
do povo brasileiro.
A Constituição da República Federativa do
Brasil estabelece que “o poder público, com a cooperação da comunidade, deve
promover e proteger o patrimônio cultural brasileiro. Dispõe, ainda, que esse
patrimônio é constituído pelos bens materiais e imateriais que se referem à
identidade, à ação e à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade
brasileira”, (CF art. 16 ) dentre elas destacam-se: as formas de expressão; os
modos de criar; fazer; viver; as criações científicas, artísticas e
tecnológicas; as obras; objetos; documentos, edificações e demais espaços
destinados às manifestações artístico-culturais; etc.
Os bens materiais e imateriais que formam
o patrimônio cultural brasileiro são, portanto, os modos específicos de criar e
fazer, as descobertas e os processos genuínos na ciência, nas artes e na
tecnologia; as construções referenciais e exemplares da tradição brasileira ,
incluindo bens imóveis tais como igrejas, casas, praças, conjuntos urbanos e
bens móveis , como: obras de arte ou artesanato; as criações imateriais como a
literatura e a música; as expressões e os modos de viver, como a linguagem e os
costumes; os locais dotados de expressivo valor para a história, a arqueologia,
a paleontologia e a ciência em geral (IPHAN).
1.5 Patrimônio Imaterial
Inicia-se a discussão em torno do patrimônio imaterial, fundamental para
compreensão deste trabalho, com um fragmento daquilo que a UNESCO considera
como patrimônio imaterial e que, como se
verá na sequência deste estudo, terá grandes desdobramentos nos países membros,
no Brasil e no Ceará, em particular:
“É amplamente reconhecida a importância
de promover e proteger a memória e as manifestações culturais representadas, em
todo o mundo, por monumentos, sítios históricos e paisagens culturais. Mas não
só de aspectos físicos se constitui a cultura de um povo. Há muito mais,
contido nas tradições, no folclore, nos saberes, nas línguas, nas festas e em
diversos outros aspectos e manifestações, transmitidos oral ou gestualmente,
recriados coletivamente e modificados ao longo do tempo. A essa porção
intangível da herança cultural dos povos, dá-se o nome de patrimônio cultural imaterial.”
(Unesco 2010)
No Brasil, o reconhecimento por parte do governo, dos bens de natureza
imaterial como parte do patrimonio cultural brasileiro, é recente. Este
reconhecimento deu-se a partir da promulgação da Constitutição Federal de 1988
tendo sido regulamentado com a publicação do Decreto Federal nº 3.551, de 04 de
agosto de 2000, assinado pelo Ministro da Cultura, Francisco Welffort e pelo
presidente Fernando Henrique Cardoso. O refeido decreto criava o Programa
Nacional do Patrimônio Imaterial, no âmbito do Ministério da Cultura (Abreu.
2007:353).
A partir de então, as manifestações artísticas, musicais, a religiosidade
popular, puderam receber o reconhecimento como patrimonio cultural brasileiro
pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN. Essa
vitória era o resultado de uma luta de folclorists, intelectuais e artistas
brasileiiros que desde o sec. XIX, se empenhavam em tal desiderato (Abreu 2007:
354).
Pode-se fazer uma relação entre o Decreto nº 3.551 e os Parâmetros
Curriculares Nacionais aprovados pelo MEC na gestão do presidente Fernando
Henrique Cardoso, em 1996. “Ambos os documentos se relacionam em vários
aspectos e sinalizam para uma problemática nova – educacional e patrimonial –
para se pensar as noções de brasilidade e identidade nacional” (Abreu,
2007:362).
A proximidade dos PCNs com o Decreto nº 3.551, também, pode ser
relacionada a uma dimensão internacional, uma vez que os dois documentos
procuram vincular-se e dialogar com as “diretrizes da UNESCO de valorização da
diversidade cultural e inscrições de bens de natureza imaterial nas listas dos
patrimônios nacional e mundial” (Abreu, 2007:265).
A Unesco, por sua vez, enquanto incentivadora
internacional da valorização do patrimonio da humanidade, reconhece, o patrimônio cultural
imaterial como sendo:
“as práticas, representações, expressões, conhecimentos e técnicas junto
com os instrumentos, objetos, artefatos e lugares culturais que lhes são
associados e que as comunidades, os grupos e, em alguns casos, os indivíduos
reconhecem como parte integrante de seu patrimônio cultural. Transmitido de
geração em geração, esse patrimônio é mantido e permanentemente recriado pelas
comunidades e grupos em função de sua interação com o meio em que vivem e com a
sociedade mais ampla (UNESCO 2003).
Segundo Rossano Lopes Bastos,
através da Educação Patrimonial, o cidadão pode vir a compreender sua
importância no processo sóciocultural no qual está inserido, almejando uma
transformação positiva no seu relacionamento com o patrimônio cultural. Esse
processo pode interagir com o ensino formal (escolas – que dependem enormemente
da disponibilidade dos diretores das escolas e de seu cronograma anual), quanto
com o não formal (comunidade do entorno da pesquisa, associações de bairro,
etc), devendo sempre direcionar os trabalhos às necessidades das mesmas, relacionando-as
ao conhecimento gerado na pesquisa. (Bastos 2010).
Ainda segundo a UNESCO:
“O Patrimônio
Cultural Intangível ou Imaterial compreende as
expressões de vida e tradições que comunidade, grupos e indivíduos em todas as
partes do mundo recebem de seus ancestrais e passam seus conhecimentos a seus
descendentes. Apesar de tentar manter um
senso de identidade e continuidade, este patrimônio é particularmente
vulnerável uma vez que está em constante mutação e multiplicação de seus
portadores. Por esta razão, a comunidade internacional adotou a Convenção para
a Salvaguarda do Patrimônio Cultural Intangível em 2003.” (UNESCO:
2003)
Guardando as devidas proporções,
pode-se dizer que é o que acontece, por exemplo, com a brincadeira dos caretas,
na dança do reisado. No caso em estudo, o mestre Sebastião Chicute, carrega em
sua memória e em sua prática uma tradição já recebida por seus antepassados, “seus
ancestrais” de uma festa, de uma brincadeira, de um auto de natal, praticado ao
longo dos tempos, e que chega aos dias atuais, naturalmente, adaptados ás
condições da atualidade e do meio em que está inserido. Em Danças Dramáticas do
Brasil, Mário de Andrade registra uma cantiga de reisado, em 1929, no Rio
Grande do Norte, (Andrade, 2000) que naturalmente já era cantada, há muitos
anos, por antepassados daqueles que o registrou, e essa mesma cantiga, com o
nome de cantiga de porta, é cantada igualmente, quase na sua totalidade, pelo
mestre Sebastião Chicute e seu grupo.
“Num mundo de crescentes
interações globais”, diz o documento da salvaguarda do Patrimônio Imaterial “a
revitalização de culturas tradicionais e populares assegura a sobrevivência da
diversidade de culturas dentro de cada comunidade, contribuindo para o alcance
de um mundo plural.” (UNESCO Brasil 2003). Ao registrar, analisar a sua importância,
está dando-se uma contribuição para a
preservação de manifestações como as que são emanadas do mestre em estudo,
contribuindo com a sua preservação, mas sobretudo valorizando a sua ação
enquanto componente educativo dentro de uma educação patrimonial difusa, mas
nem por isso menos importante para o processo de formação cultural da
comunidade onde está inserida.
“Ciente da importância dessa
forma de patrimônio e da
complexidade envolvida na
definição dos seus limites e de sua
proteção, a UNESCO vem, nos
últimos vinte anos, se
esforçando para criar e
consolidar instrumentos e mecanismos
que conduzam ao seu
reconhecimento e defesa. Em 1989, a
Organização estabeleceu a Recomendação sobre a
Salvaguarda da Cultura Tradicional e Popular e vem, desde então, estimulando a
sua aplicação ao redor do mundo. Esse instrumento legal fornece elementos para
a identificação, a preservação e a continuidade dessa forma de patrimônio,
assim como de sua disseminação.” UNESCO Brasil. 2003).
A posição da UNESCO deve
atingir a todos os organismos, instituições, conforme está em seu documento,
cabendo aos países e suas instituições decidirem como fazer. Nesse aspecto, a
escola tem um papel fundamental. Daí porque ao se estudar fenômenos culturais
com o presente, dando-se uma contribuição para a preservação de um lado e por
outro lado a inclusão desta temática, no debate sobre a educação e quem sabe,
paulatinamente, no currículo escolar. Daí porque surge, nos cursos de formação
de professores, como é o caso dos Cursos de História da Universidade Estadual
do Ceará, da Universidade Estadual Vale do Acaraú e de outras universidades, a
disciplina Educação Patrimonial. Para possibilitar aos professores mecanismos
intelectuais e didáticos que venham a contribuir na sua pratica docente, que
possa levar seus futuros alunos a descobrirem e valorizarem, a partir do seu
entorno, o patrimônio imaterial de sua cidade, de seu estado, do seu país e da
humanidade como um todo. Tais disciplinas acadêmicas já são reflexos deste movimento
que no Brasil se inicia com a Constituição de 1988, passando pelo Decreto nº 3.351
e, em nível internacional com a carta da salvaguarda do patrimônio imaterial, o
qual tem como um dos objetivos:
“Estimular os governos, ONGs e
as próprias comunidades locais a reconhecer, valorizar, identificar e preservar
o seu patrimônio intangível, a UNESCO criou um título internacional, concedido
a destacados espaços (locais onde são regularmente produzidas expressões
culturais) e manifestações da cultura tradicional e popular.”
E para consolidar um esforço
histórico no processo de valorização da cultura e do patrimônio intangível,
imaterial,
“Finalmente, em 2003, após uma série de esforços, que
incluíram estudos técnicos e discussões internacionais com especialistas,
juristas e membros dos governos, a UNESCO adotou a Convenção para a Salvaguarda
do Patrimônio Cultural Imaterial. Essa convenção regula o tema do patrimônio
cultural imaterial, e assim complementa a Convenção do Patrimônio Mundial, de
1972, que cuida dos bens tangíveis, de modo a contemplar toda a herança
cultural da humanidade.” (UNESCO 2003).
A convenção da UNESCO sobre
patrimônio intangível é o documento mais importante nessa área e que norteia,
em cada país, em cada comunidade, a importância de preservação de suas
identidades, do seu patrimônio imaterial, dos seus bens intangíveis. Esse
documento é, também, norteador, de trabalhos de pesquisa de investigação
científica, como o presente. Ele mostra que, por exemplo, Mário de Andrade e
Câmara Cascudo são exemplos a serem seguidos, evidentemente, que analisados á
luz de seu tempo, das condições que lhes foram proporcionadas. E é este o propósito
deste trabalho, trazer a luz, evidenciar o papel de um mestre da cultura, de seu saber e de seu fazer, demonstrando a
importância para a educação patrimonial, no seu aspecto imaterial, para a
comunidade local e também alhures, posto que pode vir a atingir pessoas em
outros lugares, através de instrumentos de comunicação e de pesquisa como o
presente trabalho. E neste sentido a convenção da UNESCO é um dos documentos
que respaldam, teoricamente, a presente pesquisa e lhes dá sustentação.
Seguindo esse raciocínio,
pode-se estabelecer, também, uma relação entre os mestres da cultura, escolhidos
pela SECULT, no Ceará, entre os quais, se encontra Sebastião Chicute, por serem
“tesouros vivos” da comunidade. E este é o próximo tema a ser desenvolvido
neste capítulo.
1.6 Educação
Patrimonial Imaterial
Toda vez que as pessoas se
reúnem para construir e dividir novos conhecimentos, investigam para conhecer
melhor, entender e transformar a realidade que nos cerca, estamos falando de
uma ação educativa. Quando se faz tudo isso levando em conta alguma coisa que
tenha relação com o patrimônio cultural, está se falando de educação patrimonial.
A educação patrimonial nada mais é do que
uma proposta interdisciplinar de ensino voltada para questões atinentes ao patrimônio
cultural. Compreende desde a inclusão nos currículos escolares, de conteúdos
programáticos que versem sobre o conhecimento e a conservação do patrimônio
histórico, como está previsto nos Parâmetros Curriculares Nacionais e em alguns
programas de cursos de universidades, como foi citado, até a realização de
cursos de aperfeiçoamento e extensão para os educadores e a comunidade em
geral. Sempre com o objetivo de propiciar informações acerca do acervo
cultural, de forma a despertar nos educadores e na própria sociedade, o senso
de preservação da memória histórica, conforme orienta a UNESCO (UNESCO 2003).
1.7 Sobre
Folclore e Cultura Popular
A atividade artística do
mestre Sebastião Chicute é basicamente a produção de cordel, mais permanente
nos últimos anos e o reisado, ambas inseridas no contexto das tradições
folclóricas e da cultura popular de nosso povo. Neste momento pretende-se
discutir um pouco sobre essas duas áreas do conhecimento, de maneira a
subsidiar o estudo em pauta. Começando com o estudo sobre folclore de Luis da
Câmara Cascudo, respeitado folclorista brasileiro, em seu Dicionário do
Folclore Brasileiro, define o termo folclore, como sendo:
“a cultura do popular tornada normativa pela tradição.
Como no passado, e ao contrário das lições dos mestres, acredita-se na
existência dual da cultura em todos os povos.” Para ele, “em qualquer um deles
haverá uma cultura sagrada, hierárquica, reservada para a iniciação, e a
cultura popular, aberta à tradição oral e coletiva, estórias e acessos às
técnicas habituais dos grupos, destinada à manutenção dos grupos, dos uso e
costumes no plano do convívio diário. ...O folclore estuda todas as
manifestações tradicionais na vida coletiva.” (Cascudo, 2001 ps 240, 241)
Segundo o Dicionário de Conceitos
Históricos, “o conceito de folclore está intimamente ligado às noções de povo,
de tradição e, como não poderia ser diferente, de cultura, pois de forma
simples, folclore é a cultura popular tradicional”. Nesse sentido, os autores conceituam folclore
como sendo o conjunto das tradições, das lendas, das crenças populares e dos
costumes de uma determinada região. (Sílvia 2010: 155).
No caso presente, o reisado está dentro
desta conceituação de folclore, por ser uma das tradicionais festas populares
do ciclo natalino brasileiro. Cascudo define reisado como sendo, “denominação
erudita para os grupos que cantam e dançam na véspera e dia de Reis (6 de
janeiro) ... O reisado tem sua origem na Idade Média ... O auto popular
profano-religioso pertence ao ciclo natalino... O reisado é conhecido também
como folia dos reis, boi de reis, e o enredo é sempre a Natividade, os Reis
Magos e os pastores a caminho de Belém.” (Cascudo 2001, p.580).
O reisado, também, é denominado de folia
de reis ou terno de reis. De uma maneira geral é constituído por grupos,
exclusivamente, masculinos, que percorrem as ruas das cidades, sítios e
fazendas, geralmente, entre 20 de dezembro e 6 de janeiro. Faz parte do roteiro
da folia de reis a visita às casas de acordo com um andamento, previamente,
determinado que consta de chegada, pedido de licença para entrar,o
agradecimento pela esmola ou comida, e a despedida. (Cascudo, 2001, p. 675).
A principal figura do reisado, sobretudo
no Nordeste brasileiro, é o boi. A dança do boi, porém não é específica do
reisado, o bumba meu boi é dançado em várias partes do Brasil, cada região com
a sua peculiaridade. A grande festa do bumba meu boi ocorre no Maranhão, no
entanto, não acontece em dezembro e sim durante os festejos juninos, como é do
conhecimento público, posto que há uma cobertura da mídia televisiva nacional
muito intensa nesse período. Em outras localidades, como é o caso do Ceará, e
mais precisamente em Capistrano, a dança do boi acontece dentro do ciclo
natalino, como parte da folia de reis.
Especificamente, sobre o bumba meu boi, Mário
de Andrade registra no livro Danças
Dramáticas do Brasil, detalhadamente como se dá essa dança na maioria dos
estados brasileiros, resultado da grande pesquisa feita pelo autor , cujos
originais datam da década de 30, sendo a maior parte do ano de 1934.
A pesquisadora que organizou o livro
relacionou uma série de regiões das quais Mário de Andrade faz os registros das
danças do boi. São elas: O bumba meu boi do Rio Grande do Norte, a mais extensa
nos relatos; o bumba meu boi de Humaitá na Amazonas; o bumba meu boi de Belém,
Pará; o bumba meu-boi de Vassouras, Rio de Janeiro; e o boi surubi no Ceará.
Sobretudo no bumba meu boi do Rio grande do Norte, (Andrade 2002:) o estudo é
mais detalhado, tem todas as cenas de vários autos, tem as figuras, as músicas,
inclusive, com letra e partitura, é um trabalho de suma importância para a
cultura popular brasileira. No que pese ser reservado um comentário para a dança
do boi no Ceará, foi no relato das cantigas do boi do Rio Grande do Norte, que
se encontrou uma melodia cuja letra é bastante semelhante a cantada pelo
reisado de Capistrano, que merece ser citada:
“Ôh! De casa! Ôh! de fora!
Mangerona quem está aí!
Ou é o cravo ou é a rosa,
Ou a flor do bugarí.
Eu bati em tua porta,
Pus a mão na fechadura
Eu falei, tu não falaste,
Coração de pedra dura! (Andrade, 2002:569)
Quando da análise do relatório da
pesquisa, se fará a comparação e ver-se-á a semelhança. Em o boi surubi, do
Ceará, diz o autor de Danças Folclóricas do Brasil:
“Cinco melodias sem
número, aqui publicadas na mesma sucessão em que as encontrei. Grafadas por
Leonel Silva. Sobre o valor das colaborações deste músico cearense residente no
Rio de Janeiro, Mário de Andrade deixou uma nota em melodia que doou à
Discoteca Pública Municipal de São Paulo e por esta foi publicada: “As peças me
dadas por ele, que pude autenticar no Nordeste, me provaram a honestidade e
habilidade do recolhedor” (melodias registradas por Meios Não mecânicos” p. 5).
No seu “Ensaio sobre Música Brasileira”, Mário de Andrade inclui melodias
registradas por Leonel Silva (conf. P. 93 e 94). Esse fato e mais aquela nota
parecem garantir que as melodias do “Boi Surubi” foram dadas a Mario de Andrade
antes de sua viagem ao Nordeste em 1928-1929”. (Andrade, 2002:559).
As melodias do “Boi Surubi”, dança do boi
do Ceará, registradas por Leonel Silva e entregues a Mário de Andrade, estão no
conjunto das melodias incluídas nos relatos do boi do Rio Grande do Norte,
conforme relata a pesquisadora:
“em minhas explicações do Bumba-meu-Boi do
Rio Grande do Norte já indiquei que estas cinco melodias de Leonel Silva
estavam numa pasta intitulada “Melodias do Boi”. Como Mário de Andrade não
deixaria de ver que seu exato lugar seria entre as demais versões do bailado
não tive dúvida em mudá-lo para cá” (Andrade, 2002:559 e 560).
No mais é conveniente salientar que a obra
de Mário de Andrade, além de detalhar todos os momentos, do auto do boi,
registra, também, com detalhes as demais figuras que compõem o auto do reisado,
encontrando-se dentre elas a figura do “bode” (Andrade 2002: 604) e da
“burrinha” (Andrade. 2002:596 e 674), que estão presentes no reisado do mestre
Sebastião Chicute de Capistrano.
1.8 Mestres
da Cultura ou Tesouros Vivos
No campo da conceituação dos
mestres da cultura ou “tesouros vivos”, requisito necessário para compreensão
do título recebido pelo mestre Sebastião Chicute, trata-se de uma comenda oferecida
pelo Governo do Estado do Ceará, através da Secretaria de Cultura do Estado, a
60 pessoas, que sejam depositárias de elementos de nossa cultura tradicional
popular e que possam, a partir das investiduras no seleto grupo dos mestres da
cultura ou dos tesouros vivos, como é oficialmente chamado, proporcionar a
divulgação desses saberes no seu entorno, através de atividades cotidianas
relacionadas com o seu ofício, contribuindo, assim, com a preservação da
memória e da cultura regional.
Tal política, pode-se dizer, é
um reflexo, no estado do Ceará, daquilo que está definido pelo Decreto Federal nº
3.551, de 2000, já citado anteriormente, bem como as orientações da UNESCO,
sobretudo da convenção de 2003
Para assegurar a continuidade
dessa política, o Governo do Estado do Ceará aprovou uma a Lei nº 13, de agosto
de 2003 que define e estabelece as diretrizes da política dos Mestres da
Cultura ou Tesouros Vivos do Ceará. A lei foi assinada pela Secretária de
Cultura Cláudia Sousa Leitão, uma estudiosa da temática dos “caretas” e
governador Lúcio Gonçalo de Alcântara.
Considerações
Finais Sobre este Capítulo
Todos esses conceitos e
teorias abordados neste capítulo são, em última instância, o que foi estudado e
delimitado como marco teórico do presente trabalho. Entretanto, como é sabido,
o marco teórico, no que pese está contemplado em um capítulo, estará presente
em todo o relatório, direta ou indiretamente. Ou seja, ele se consubstancia
neste capítulo em particular, mas abarca a tese como um todo, nos seus demais
capítulos, sobretudo na segunda parte, quando se relatará toda a pesquisa. O
que não poderia ser diferente.
Para que isso possa ser
percebido carece que se faça a leitura do trabalho na íntegra.
CAPÍTULO II
MARCO METODOLÓGICO: DIALOGANDO COM A METODOLOGIA
Em primeiro lugar, deve-se esclarecer que
antes e durante a pesquisa de campo, debruça-se em uma revisão bibliográfica
para dar suporte à pesquisa. Tal pesquisa bibliográfica evidencia-se no capítulo
anterior, quando se discutiram os principais conceitos trabalhados na pesquisa,
entretanto estão presentes em todo o corpo do trabalho. Neste capítulo,
dar-se-á ênfase à metodologia utilizada durante todo o processo da pesquisa de
campo, concluindo, assim, a primeira parte do trabalho que foi destinada às
questões de cunho teórico-metodológico.
2.1
Metodologia
Pode-se afirmar que durante a pesquisa,
três metodologias foram contempladas, ou melhor, foram as mais utilizadas: a
história oral, como método de colheita de parte das informações, sobretudo
aquelas derivadas da vida do mestre Sebastião Chicute; a pesquisa etnográfica
como suporte de compreensão do universo estudado, contribuindo, sobretudo, para
a análise da dança do reisado, e a pesquisa qualitativa, cujo recurso se aplica
no processo de análise de todos os
dados.
2.1.1
Pesquisa qualitativa
A metodologia utilizada neste trabalho, em
toda a sua extensão foi qualitativa. Muito embora tentando reduzir as
fronteiras metodológicas, dentro de um estudo com diversas nuances, complexo,
em que envolve, história de vida, descrição etnográfica de elementos culturais,
utilizou-se de técnicas como a história oral, e se utilizou de uma descrição
etnográfica, quando o relato da pesquisa requisitou esse procedimento. O marco
essencial do percurso metodológico do presente trabalho, entretanto, é de uma
pesquisa qualitativa, uma vez que não privilegia dados quantitativos, mas
analisa situações, manifestações culturais e, até certo ponto parte de uma
história de vida de um mestre da cultura, um “tesouro vivo”.
Sobre essa corrente metodológica, pode-se
afirmar que a pesquisa qualitativa preocupa-se, basicamente, com uma realidade
que não pode ser quantificada, respondendo a questões muito particulares, trabalhando
um universo de significados, crenças, valores e que correspondem a um espaço
mais profundo das relações, dos fenômenos que não podem ser reduzidos à
operacionalização de variáveis, como é o
caso de um estudo sobre um mestre da cultura (3). ((Spindola, Santos, 2003, p.120).
Sobre a relação da pesquisa qualitativa
com história de vida, uma das nuances dessa pesquisa, Maria Ângela Silveira
Paulino, analisando o tema, é enfática ao afirmar:
O universo não passível de ser captado por
hipóteses
perceptíveis, verificáveis e de difícil
quantificação é o campo, por excelência, das pesquisas qualitativas. A imersão
na esfera da subjetividade e do simbolismo, firmemente enraizados no contexto
social do qual emergem, é condição essencial para o seu desenvolvimento.
Através dela, consegue-se penetrar nas intenções e motivos, a partir dos quais
ações e relações adquirem sentido. Sua utilização é, portanto, indispensável
quando os temas pesquisados demandam um estudo fundamentalmente interpretativo.
(Paulino, 1998 p.136)[ii]
No caso da presente pesquisa, ao se
investigar a contribuição de um mestre da cultura na educação patrimonial imaterial
de sua cidade e região, a pesquisa qualitativa é valiosa, corroborando-se com o
que afirma a autora acima.
Ainda em relação a essa metodologia, e de
outro prisma, assim, se manifesta Rosália Duarte:
“Vencida a etapa de organização,
classificação do material coletado, cabe proceder a um mergulho analítico
profundo em textos densos e complexos, de modo a produzir interpretações e
explicações que procurem dar conta, em alguma medida,
do problema e das questões que motivaram a
investigação. As muitas leituras do material de que se dispõe, cruzando
informações aparentemente desconexas, interpretando
respostas, notas e
textos integrais que são codificados em “caixas simbólicas”, categorias
teóricas ou “nativas” ajudam a classificar, com um certo grau de objetividade,
o que se depreende da leitura/interpretação daqueles diferentes textos.
(Paulino, 1998 p. 137).
De posse do material colhido ao longo da pesquisa,
foi-se estabelecendo o nível de análise para cada tema ou assunto que se
pretendeu privilegiar, por entender que fizesse parte dos objetivos
estabelecidos para pesquisa, muitas vezes tais e quais como estavam no projeto
e em outras ocasiões redimensionados, em face dos dados disponíveis, mas sempre
na mesma direção.
Nesse processo de organização e análise
dos dados da pesquisa, pode-se assegurar que foram captadas informações, dados,
não só de forma sistemática, através de entrevistas formais, houve um certo
grau de observação, de movimentos, de gestos, de entonações, que fugiam ao
alcance da captação de uma entrevista colhida em data marcada, de maneira
formal. Sobre isso a autora, também, se manifesta dizendo:
“Assim, fragmentos de
discursos, imagens, trechos de entrevistas, expressões recorrentes e
significativas, registros de práticas e de indicadores de sistemas
classificatórios constituem traços, elementos em torno dos quais
construir-se-ão hipóteses e reflexões, serão levantadas dúvidas ou reafirmadas
convicções. Aqui, como em todas as etapas de pesquisa, é preciso ter olhar e
sensibilidade armados pela teoria, operando com conceitos e construções do
referencial teórico como se fossem um fio de Ariadne, que orienta a entrada no
labirinto e a saída dele, constituído pelos documentos gerados no trabalho de
campo.” (Paulino, 1998 p. 138).
Feita a colheita do material que se achou
suficiente para o início da organização e elaboração do relatório, embora fosse
necessário voltar ao mestre, sempre que se pretendia ter mais esclarecimento de
uma informação ou na falta dela, passou-se à elaboração do relatório. Essa etapa
é assim descrita pela autora:
Daqui para frente trata-se de produzir
“resultados” e explicações cujo grau de abrangência e generalização depende do
tipo de ponte que se possa construir entre o micro universo investigado e
universos sociais mais amplos.[iii]
(Duarte, 2010)
Como se percebe, a metodologia empregada,
a partir da técnica da história oral, está intimamente relacionada com a
pesquisa qualitativa, ou seja, história oral e pesquisa qualitativa são
complementares, não são excludentes. É o que se pode constatar no relatório da
presente pesquisa na segunda parte deste trabalho.
2.1.2 Estudo etnográfico
Ainda que essa seja uma pesquisa
qualitativa, a interdisciplinaridade faculta o uso de metodologias afins,
reduzindo-se as fronteiras metodológicas. Neste sentido, o percurso
metodológico enveredado pelo pesquisador contemplou, também, um estudo etnográfico,
sobretudo, quando descreve os diversos componentes e as figuras do reisado. Por
outro lado, ao abordar questões de história de vida e deter-se em uma extensiva
descrição de uma determinada expressão cultural, genuinamente masculina, embora
com participação de mulheres, conforme pode ser visto no capítulo quarto deste
trabalho.
O que se entende por pesquisa etnográfica?
Wielewicki analisa esse tipo de
metodologia, a partir de uma conceituação de etnologia:
“O
que é pesquisa etnográfica?
A definição de etnografia encontrada em
dicionários, como normalmente acontece em
relação
a disciplinas, é bastante vaga: estudo dos
povos e de
sua cultura. Os especialistas, entretanto,
também não
têm uma conceitualização definida da
disciplina,
nem do que pode ou não ser considerado
pesquisa
etnográfica (Hammersley, 1994:01). Apesar
das
diferenças
entre os pesquisadores, alguns pontos em
comum podem ser pinçados. “(Wielewicki, 2001 p.28)
A presente pesquisa foi realizada em um
lugar, a cidade de Capistrano, abordando uma figura da cultura local,
reconhecido pelo órgão de cultura do estado, como mestre da cultura. Ao se
analisar a brincadeira do reisado, como os brincantes e seu mestre costumam
chamar, a pesquisa etnográfica foi imprescindível, posto que foi realizada uma
descrição de cada elemento constitutivo do reisado, tais como personagens e
figuras, conforme se verá no capítulo quarto deste trabalho, portanto trata-se
de uma pesquisa com características etnográficas, conforme a autora revela:
“Originariamente
desenvolvida na antropologia, a pesquisa etnográfica propõe-se a descrever e a
interpretar ou explicar o que as pessoas fazem em um determinado ambiente (sala
de aula, por exemplo), os resultados de suas interações, e o seu entendimento
do que estão fazendo (Watson-Gegeo, 1988:576). Em outras palavras, esse tipo de
pesquisa procura descrever o conjunto de entendimentos e de conhecimento
específico compartilhado entre participantes que guia seu comportamento naquele
contexto específico, ou seja, a cultura daquele grupo (Hornberger, 1994:688).” (Wielewicki, 2001 p.28)
Ao se estudar um mestre da cultura e sua
produção, como se fez em relação ao mestre Sebastião Chicute, objeto de estudo
desta pesquisa, está-se trabalhando em um campo muito próximo ao etnológico.
Está-se, numa abordagem interdisciplinar, buscando os recursos da etnografia,
para o campo da educação, da cultura e da história de vida, eixos principais
desta pesquisa. Tal ponto de vista é corroborado com a autora, quando ela
conclui que:
“...parece consensual que a etnografia
descreve a cultura de um grupo de pessoas, interessada no ponto de vista dos
sujeitos pesquisados.” (Wielewicki,
2001 p.29)
O recurso proporcionado pela
abordagem etnográfica na descrição de uma grande parte dos resultados da
pesquisa, elaborados de forma analítica, fortaleceram o caráter qualitativo da
presente pesquisa.
2.1.3
História Oral
É importante registrar que uma
das técnicas utilizadas para colher as informações desta pesquisa foi a
História Oral, posto que toda a pesquisa de campo esteve ligada diretamente, à
memória e a oralidade. Tudo que se escreveu sobre o mestre Sebastião Chicute
foi colhido diretamente dele, que funcionou como fonte primária. Mesmo os sites
e documentos derivados dele, como o site da - Secretaria da Cultura do Ceará -
SECULT, o site do Jornal O Povo, do jornal Diário do Nordeste, os missivistas e
jornalistas que registraram suas matérias, foi com base em entrevistas, em
depoimentos dele, ou na documentação da SECULT, que como foi dito, foram
originadas dos depoimentos do referido mestre. Tudo isso, por uma razão muito
simples, não havia uma bibliografia sobre o mestre Sebastião Chicute, o mesmo não
se poderá dizer depois da conclusão deste trabalho.
De outra parte, pode-se
verificar que, também, a obra do mestre Sebastião Chicute, está toda centrada
na oralidade. A literatura de cordel, apesar de escrita, como se verá, é uma
literatura baseada na oralidade, seria mais apropriado talvez, o termo
literatura oral, mas preferiu-se a expressão literatura de cordel, por uma
questão de valorização dessa expressão literária popular, sendo neste trabalho,
uma categoria autônoma dos ramos da literatura. Se tivesse sido dada
preferência à expressão literatura oral, a literatura de cordel passaria a ser,
apenas, uma corrente ou uma derivação daquela. Tudo isso para definir o caráter
oral, da poesia do mestre Sebastião Chicute, presente nesta pesquisa.
O outro aspecto do mestre
Sebastião Chicute analisado na pesquisa, talvez com mais ênfase, até, é o de
mestre de reisado. O mestre de reisado traz em sua memória toda bagagem de seu
ofício de mestre, que aprendeu com seus antepassados e está transmitindo para
os presentes que serão seus sucessores na linhagem de mestres. Essa atividade
cultural é essencialmente baseada na oralidade. Mais uma vez prevalece a
memória, a oralidade, como fonte de pesquisa.
E, por último, mas igualmente
importante, embora não tenha sido predominante, destaca-se a história de vida.
Essa como as duas correntes mencionadas, anteriormente, também e sobretudo, é
fonte da memória.
Daí porque não seria possível
realizar esta pesquisa, sem os recursos valiosos da história oral. E o que vem
a ser a história oral? Para responder essa pergunta, no que pese tal
metodologia já ser muito disseminada nos meios acadêmicos, sobretudo nas
Ciências Sociais, como a Antropologia, a História e a Sociologia, buscou-se tal
resposta no núcleo pioneiro de história oral do Brasil, o CPDOC, da Fundação Getúlio
Vargas, que segundo o qual:
A história oral é uma metodologia de pesquisa que
consiste em realizar entrevistas gravadas com pessoas que podem testemunhar
sobre acontecimentos, conjunturas, instituições, modos de vida ou outros
aspectos da história contemporânea. Começou a ser utilizada nos anos 1950, após
a invenção do gravador, nos Estados Unidos, na Europa e no México, e desde
então difundiu-se bastante. Ganhou também cada vez mais adeptos, ampliando-se o
intercâmbio entre os que a praticam: historiadores, antropólogos, cientistas
políticos, sociólogos, pedagogos, teóricos da literatura, psicólogos e outros.[iv] (CPDOC, 2010)
Seguindo-se essa tendência,
por se tratar de uma pesquisa da área da educação, onde se faz uma ponte entre
essa e a cultura, por meio da educação patrimonial, no caso por se tratar de um
patrimônio de caráter imaterial, intangível, justifica-se a opção por essa
metodologia, embora da não seja a única utilizada na pesquisa. Mas em que
consiste, por exemplo, as entrevistas na história oral?
As entrevistas de história oral são tomadas como
fontes para a compreensão do passado, ao lado de documentos escritos, imagens e
outros tipos de registro. Caracterizam-se por serem produzidas a partir de um estímulo,
pois o pesquisador procura o entrevistado e lhe faz perguntas, geralmente
depois de consumado o fato ou a conjuntura que se quer investigar...Isso torna
o estudo da história mais concreto e próximo, facilitando a apreensão do
passado pelas gerações futuras e a compreensão das experiências vividas por
outros. (CPDOC, 2010)
Procurou-se ouvir o mestre da
cultura Sebastião Chicute onde ele teve oportunidade de relatar um pouco de sua
vida, baseado em sua memória, como também apresentações suas no grupo de
reisado. Isto se fez diversas vezes, em locais distintos. Além disso, foram
utilizadas gravações anteriores, também, individuais e coletivas, gerando um
razoável banco de material sobre o referido mestre e sua obra.
O trabalho com a metodologia de história oral
compreende todo um conjunto de atividades anteriores e posteriores à gravação
dos depoimentos. Exige, antes, a pesquisa e o levantamento de dados para a
preparação dos roteiros das entrevistas. Quando a pesquisa é feita por uma
instituição que visa a constituir um acervo de depoimentos aberto ao público, é
necessário cuidar da duplicação das gravações, da conservação e do tratamento
do material gravado. (CPDOC, 2010)
Em relação a esse aspecto de
cuidar da duplicação dos documentos gerados por meios eletrônicos, foi
elaborado um DVD e um CD, principalmente, com as apresentações e músicas, e
pretende-se elaborar outras mídias, para contribuir com a preservação “in natura” de algumas apresentações e
depoimentos do mestre, fonte principal deste estudo.
Outras abordagens certamente
são feitas e são possíveis de serem feitas a respeito da metodologia da
história oral, mas neste trabalho, no relato da pesquisa, pode-se perceber a
prática de tal metodologia, o que configura como assertiva a discussão neste
momento colocada a respeito desta temática.
Aprofundando a discussão sobre
história oral, iniciada neste capítulo,
É importante registrar que a história oral subverte o conceito tradicional de História. Ao
partir do presente – do chamado documento vivo, do aqui e agora – para o
passado, além de comprometer a sincronia em favor da diacronia – provoca também
uma crise no conceito usual de documento. A produção do documento de história oral diverge daqueles
promovidos por terceiros, escritos, guardados em arquivos, museus ou coleções.
É documento em história oral o texto
produzido diretamente, em contato pessoal entre partes que se integram num
mesmo projeto. Idem)
De outra parte ressalte-se que
por se tratar de uma pesquisa envolvendo elementos da cultura geral e popular,
da área de patrimônio, de história de vida e sobretudo de educação informal,
aplica-se o uso de história oral, metodologia considerada de uso
multidisciplinar, como afirma José Carlos Sebe Bom Meihy[v]:
A história oral
é uma prática vista como “multi” ou “interdisciplinar”, contudo, há quem a
proponha como uma nova forma de conhecimento até com estatuto disciplinar
próprio e assim mais do que técnica e/ou metodologia de trabalho científico. De
toda maneira, mundialmente, a história
oral ganha foros de popularidade e passa a ser um recurso apreciado não
apenas nas universidades e círculos acadêmicos. Famílias, grupos de trabalho,
participantes de instituições variadas (religiosas, etárias, de gênero,
associações de vítimas de acidentes, de violência doméstica, de deficientes, de
moradores, grupos de reivindicação e segregados politicamente) estabelecem
parâmetros comuns e organizam discursos reflexivos capazes de orientar o que se
chama de comunidade de destino.
Muitas vezes, é papel dos organizadores dos projetos despertar a motivação
consciente dos participantes, mas, é bastante comum também pessoas que se
juntarem em torno de determinado evento ou motivação afinada com experiências
grupos que clamam por projetos capazes de dar corpo a uma causa. Assim, a história oral não é apenas um mecanismo
de registro, uma forma de “resgatar a memória”. Muito mais, a história oral é processo de
conscientização, uma maneira instrumental de favorecer políticas públicas. (Meihy 1996).
No Brasil, a história oral contribuiu para o surgimento de importantes
trabalhos nas áreas da cultura popular, em temáticas de meninos de rua,
pesquisas sobre seringueiros, pescadores, sem-teto. Possibilitou, também, o
registro da memória de grupos intermediários da elite como é o caso do registro
da memória de militares, realizado pela Fundação Getúlio Vargas (Sílvia e
Silva, 2010:187).
Pode-se
concluir essa discussão inferindo que a presente pesquisa teve uma grande
contribuição da história oral, uma vez que essa “incentiva que pensemos a
oralidade em toda a sua funcionalidade, como ferramenta de transmissão de
valores, sentimentos e visões de mundo”, o que em última instância pode-se
dizer, como “instrumento de transmissão de cultura” (Sílvia e Silva, 2010:188).
Muito se poderia discutir
sobre a história oral, entretanto o que foi colocado julga-se, seja suficiente
para compreender tal metodologia e justificar a necessidade de sua aplicação
neste trabalho.
Outra vertente da metodologia
da história presente nesta pesquisa e que deriva da história oral, ou dela
depende, em parte, é a história de vida, que poderia ser assim sumariamente
descrita:
“História de vida é um ramo da História
Social, que ganhou força, também a partir da Nova História Francesa e que se
privilegia a história da vida das pessoas de qualquer status social. “A história de vida é uma das modalidades de
estudo em abordagem qualitativa. O termo História de Vida, traduzido de historie (em francês) e de story e history (em inglês),tem significados distintos. O sociólogo
americano Denzin propôs, em 1970, a distinção das terminologias: life story (a estória ou o relato de
vida) é aquela que designa a história de vida contada pela pessoa que a
vivenciou (Spindola, Santos, 2003,
p.120).
No caso desta
pesquisa por se tratar de um estudo sobre um mestre da cultura, trata-se de um
tema que aborda a história de vida, sobretudo no terceiro capítulo que é
dedicado à história do referido mestre. A técnica da história oral veio
contribuir com a metodologia qualitativa usada na pesquisa como um todo.
E por assim ser, passa-se para
outro aspecto do processo metodológico que esta pesquisa foi palco, no caso a
pesquisa etnográfica.
2.2 Como se
Conduziu a Pesquisa: detalhes práticos e subjetivos do desenvolvimento da pesquisa.
Basicamente, a pesquisa foi conduzida em primeiro lugar a partir das entrevistas e as
conversas informais com o mestre da cultura, também, merece destaque a fase de
acompanhamento, as apresentações do reisado, o trabalho de ouvir atentamente as
músicas em CD e vendo o DVD, e por último a
leitura e análise de
folhetos de cordel
2.2.1 As
Entrevistas e as Conversas Informais com o Mestre da Cultura
As entrevistas com o mestre Sebastião
Chicute deram-se, na sua maioria, na sua residência, na rua Coronel Francisco
Nunes, nº 17 na cidade de Capistrano. A casa é antiga e no quintal ele
construiu oito quartos, que servem de abrigo para transeuntes, é uma pensão,
como se chamavam os hotéis familiares, antigamente, e em alguns lugares, hoje.
No final dos quartos, há um galpão onde ele reúne o reisado, para os ensaios e
apresentações locais. O local serviu, também, durante alguns meses para criação
de pintos, mas já voltou à sua função cultural, inclusive, é onde, ultimamente,
se reúne a Academia Capistranense de Letras de Arte, da qual o mestre Sebastião
Chicute é membro. Há, ainda, na referida pensão, um quarto, o de número 9, que
é reservado para os instrumentos e figuras do reisado e onde a rede do mestre
passa o dia armada, para descansos nos intervalos de trabalho. Foi, nestes
espaços, que o mestre recebeu inúmeras vezes o pesquisador.
Afora esses encontros mais formais, houve
encontros informais onde continuava a conversa da entrevista. Tais conversas deram-se,
inclusive, no carro do pesquisador no trajeto entre as cidades de Capistrano e Fortaleza, como também, antes e
depois de cada apresentação da brincadeira do reisado. Nesses momentos, devido
à informalidade, pode-se captar mais informações, quer da vida privada, quer da
sua arte. Muitas das informações colhidas foram desses encontros que foram
diversos, em várias ocasiões e horários. Aí não se conversava só sobre a
pesquisa, mas sobre tudo, inclusive, a política local, tema do agrado do
mestre, por ter sido vereador na década de 70.
Como se pode ver no relatório, as
entrevistas constaram de relatos de vida, informações sobre a sua participação
na brincadeira do reisado e a poesia de cordel.
2.2.2
Acompanhando as apresentações do reisado
Os momentos mais empolgantes da pesquisa deram-se
por ocasião das apresentações do
reisado. Tais momentos foram vividos desde antes do projeto se tornar pesquisa
de doutorado. Desde janeiro de 2005, acompanha-se a apresentação do seu
reisado, pelo menos uma vez em cada ano, na época dos festejos natalinos entre
24 de dezembro e 6 de janeiro. Algumas vezes, participou-se de até duas nesse
período, quando havia possibilidade do pesquisador estar presente na
apresentação. Além das apresentações tradicionais do ciclo natalino,
assistiu-se apresentações fora de época, com as que aconteceram na Universidade
Estadual do Ceará, promovidas pelo pesquisador e as apresentações por ocasião
da festa de São João Batista, na localidade de Carquieja dos Alves, na zona rural
de Capistrano.
Pode-se observar um certo nervosismo do
mestre, antes de entrar em cena, como acontece com os artistas em geral, também,
a preocupação para as coisas darem certo.
Em uma apresentação na cidade de Ocara, na
qual o reisado participava de um concurso, o grupo se apresentou por último,
aproximadamente, uma hora da manhã. Na hora de iniciar, num local diferente, em
cima de um palco, na praça pública, houve um certo desencontro. O sanfoneiro,
Luis Duarte, um senhor de mais de 85 anos,à época, ficou um pouco separado do
grupo para ficar próximo à mesa do som, equivocou-se com a música da entrada,
tocando uma outra, o que fez o mestre, ao perceber a gafe, sair com esta
expressão, com o microfone aberto: “O que diabo é que o Luis tá tocando!”. Isso
foi motivo de muitas gargalhadas dos presentes, inclusive, do prefeito da
cidade que assistiu todas as apresentações. Isso aconteceu, pode-se explicar,
por ser o reisado uma brincadeira, que os membros fazem para se divertir, sem
aquela preocupação de erro ou acerto. No mais, deve-se levar em consideração o
fato de que estão habituados a fazer as suas apresentações nos terreiros das
casas e não em palcos modernos.
Mas as apresentações são sempre muito
alegres e o mestre, apesar de sempre dizer que é uma pequena apresentação, que
agora não se pode fazer apresentações mais demoradas e que ele, também, não
pode falar muito, por ter problema no esôfago, quando pega o microfone, esquece
tudo isso e tanto fala, como canta e dança, ao redor do boi, ou das outras
figuras. Não há nenhuma pessoa na plateia que ele conheça e saiba o nome, para
não ser citado em seus “relachos”, como eles denominam as trovas que recitam.
Foram nesses momentos de descontração,
momentos lúdicos, que se colheram bastante informações sobre uma das partes da
pesquisa, aquela referente ao reisado. Faziam-se as gravações, mas o lado
emocional, simbólico é difícil de descrever e foi esse aspecto que mais
contaminou o pesquisador e está presente a cada minuto que se depara com a
análise de tais informações, nos capítulos que compõem a segunda parte desta
tese.
Parece que a euforia do mestre e do grupo
estão presentes, de forma invisível, fora de tempo, no momento da descrição e
análise do relatório. Daí porque a cada momento se fortalece a ideia defendida
na hipótese deste trabalho, de que há uma contribuição significativa das
atividades de um mestre da cultura, em particular do mestre Sebastião Chicute,
com a educação patrimonial imaterial, pois ele transmite aos ouvintes, aos
participantes toda a energia cósmica que recebeu dos seus antepassados para esses, configurando um ato educativo
informal, conforme está definido no marco teóricos de acordo com os respectivos
autores que tratam do assunto.
2.2.3 Análise das
músicas em CD e de um vídeo em DVD
Além de participar e assistir várias
apresentações do reisado, em Capistrano, na zona rural e urbana, nas cidades de
Ocara, Fortaleza e Aracoiaba, de 2005 a 2010, também, foi analisada uma
apresentação gravada em um DVD em janeiro de 2007 e um CD de músicas de reisado
gravado pelo mestre Sebastião Chicute, na mesma época, no município de
Maranguape, ambos com o apoio da Secretaria de Cultura do Município de
Capistrano e Secretaria de Cultura do estado do Ceará.
Os dois produtos foram essenciais como
fonte de pesquisa, pois proporcionaram um contato direto com a apresentação do
reisado e com as suas músicas. Juntamente com um estudo do reisado em que se
consultou autores como Luis da Câmara Cascudo, Mário de Andrade e outros, como
se pode ver na bibliografia e no capítulo IV da tese, dedicado, exclusivamente,
ao tema do reisado.
Ao lado das entrevistas, das conversas
informais, das fotografias e da assistência às apresentações do mestre, o Cd e
o DVD contribuíram, sobremaneira, para a compreensão do fenômeno do reisado e
de sua importância como parte do conjunto que se está querendo provar, que é a
contribuição do mestre Sebastião Chicute, entendo-se como ele e seu fazer e sua
obra, para a educação patrimonial imaterial, de caráter informal e não oficial.
2.2.4 A
Leitura e Análise de Folhetos de Cordel
A literatura de cordel, apesar de está
dentro da literatura oral, por ter um grande componente de oralidade em sua
composição, é também registrada de forma escrita em livretos de cordel. Segundo
os estudiosos e o próprio mestre Sebastião Chicute, tradicionalmente, esses livretos
eram conhecidos como romances de cordel, pois geralmente eram folhetos com mais
de 32 páginas e contavam episódios da vida, histórias, acontecimentos etc.
Hoje são conhecidos, apenas, como folhetos
de cordel e tratam de assuntos variados. A obra do mestre Sebastião Chicute até
a conclusão da pesquisa era de 50 folhetos dos quais foram selecionados para
análise, apenas, 10.
São folhetos que falam de assuntos ligados
à religiosidade, animais, pássaros, reportagens relacionadas a temas de
violência, temas relacionados á educação, história do Ceará e de Capistrano,
temas relacionados à política partidária e aos mestres da cultura, entre
outros.
A leitura dos versos foi essencial para se
compreender o alcance educativo da literatura de cordel produzida pelo mestre
Sebastião Chicute, o que torna sua obra um elemento de educação patrimonial no
campo imaterial.
O estudo dos cordéis do mestre Sebastião
Chicute ganhou um capítulo neste trabalho, organizado a partir de temáticas,
seguindo a tradição do estudo da literatura de cordel, especialmente, a partir
dos conceitos de Martine Kunz: Cordel a Voz do Verso, editado pelo Museu do
Ceará em 2001. A autora é uma das principais estudiosas do cordel no Ceará
neste momento. Entretanto foi importante, também, o conhecimento prévio sobre
essa literatura, a partir da vivência e da própria experiência em escrever
cordel, que o autor desta tese registra em seu currículo, facilitou a análise
dos livretos de cordel de autoria do mestre Sebastião Chicute que estão
registrados no último capítulo desta tese.
CAPÍTULO III
CONHECENDO O MUNICÍPIO DE CAPISTRANO E O MESTRE DA
CULTURA SEBASTIÃO CHICUTE
3.1 O
Município de Capistrano
O município de Capistrano dista cerca de
110,5 Km da capital do estado do Ceará, Fortaleza. Sua toponímia está ligado a
uma homenagem feita pelo governo do Ceará, ao historiador cearense João
Capistrano de Abreu (1853 a 1927).
Capistrano tem uma área de 223 km2,
sua localização geográfica é a seguinte: latitude: 4.46º e longitude: 38.9º, altitude:159,9m. Bioma: Caatinga (IBGE, 2011). Seu clima tem
as seguintes características: tropical quente semiárido, tropical quente
semiárido brando, e tropical quente subúmido (Anuário do Ceará 2010-2011) com
chuvas, geralmente, de janeiro a maio. A população do município é estimada em
2009 é de 17.062 hab. (IBGE, 2011).
A principal atividade econômica do
município, ao longo dos anos, foi a agropecuária, sendo a agricultura mais
forte que a pecuária, entretanto, com a queda na produção de algodão a partir
da década de 1980 em todo estado do Ceará, como também as sucessivas estiagens,
esse setor perdeu competitividade representando apenas 21% da economia local.
Ultimamente, o setor de serviços, incluindo aí o comércio e o serviço público
tem tido uma grande expansão, (69,0%), a indústria ainda é incipiente, (9,8)
representada por indústria de panificação, pequenas fábricas (confecções facções)
e cerâmica. (Anuário do Ceará
2010-2011).
3.1.1 A
Educação e Cultura no Município
Na área da educação, a matrícula do ensino
fundamental, de responsabilidade do município, em 2009, foi de 3500 alunos enquanto
a do ensino médio de responsabilidade do estado foi de 991. A educação de
jovens e adultos figura com uma matrícula de 863 alunos. Nessa categoria estão
classes de alfabetização e turmas do primeiro ao 9º, não especificados no
censo. A rede escolar está assim
disposta: uma escola de ensino médio e 13 escolas de ensino fundamental. Apesar
do ensino médio aparecer com apenas uma escola, há três anexos que funcionam em
escolas municipais na zona rural, cuja matrícula dos alunos é informada em uma
única escola.
Figura 1: Vista
parcial da cidade de Capistrano com estação ferroviária ao fundo.foto de 2008.
Acervo do pesquisador.
No campo da promoção da cultura
até 2004, essa era coordenada por um departamento da Secretaria Municipal de
Educação. Em 2005, na gestão do prefeito José Renato Cavalcante Lima, foi então
criada a Secretaria da Cultura. A criação da Secretaria de Cultura proporcionou
ao município algumas conquistas no campo da cultura popular, das quais vale a
pena destacar: realização de uma exposição de literatura de cordel, com recursos
de um edital de cultura do Banco do Nordeste do Brasil. Ainda junto ao mesmo
banco foi conquistado, em outro edital, um projeto para a indumentária do
reisado do mestre Sebastião Chicute. O município foi vencedor de três editais
na Secretaria de Cultura do Estado, sendo um para uma exposição de artes visuais
e dois para realização de festivais de quadrilhas juninas. Todas essas conquistas
deram-se no triênio 2005-2007. Registra-se, também, como vitória decorrente da
Secretaria de Cultura, a criação do Museu Municipal, a ampliação do acervo da Biblioteca
Pública Municipal D. Marieta Cals, com aquisição de cerca de 2000 títulos,
televisor de 29”, aparelho de som e DVD,
através do projeto de revitalização de bibliotecas municipais do Ministério
da Cultura. Ainda pode ser registrado como positivo na ação da nova Secretaria,
a revitalização da banda de música municipal, desativada havia 6 meses. Outras
iniciativas, porém, foram tentadas mas não conseguiram o desiderato, como foi o
caso da reforma do prédio histórico da estação ferroviária, bem como a não
aprovação de outros projetos junto aos editais de cultura do BNB e da SECULT,
nem a conquista de uma verba própria, ou um fundo permanente no orçamento
municipal (fonte: Secretaria Municipal da Cultura).
Foi a Secretaria da Cultura que, atendendo
às exigências do edital de seleção dos Mestres da Cultura de 2006, apresentou à
Secretaria da Cultura do Estado, o mestre Sebastião Alves Lourenço, que
concorreu com dezenas de outros candidatos ao título de Mestre da Cultura do Ceará
e foi escolhido juntamente com mais 11 mestres. Vale ressaltar que essa
iniciativa havia sido tentada no concurso anterior, mas não logrou êxito
naquela primeira tentativa.
3.1.2
Religiosidade
Não há estudos recentes sobre o número de
adeptos de religião A ou B. O que se sabe, em nível de senso comum, é que a
maioria da população, ainda, é católica, mas as religiões evangélicas têm
crescido no município nos últimos anos. E nesse grupo as denominações religiosas
mais presentes são a Assembleia de Deus, com dois ministérios, Igreja Batista,
Igreja Universal do Reino de Deus e mais, recentemente, Igreja Mundial do Poder
de Deus.
Mantendo-se ainda como religião principal
a Igreja Católica tem como padroeira Nossa Senhora de Nazaré, cujas
festividades são realizadas no período de 29 de agosto a 8 de setembro. A
tradição das festividades em homenagem à N. S. de Nazaré remontam ao início do
século passado, quando da construção da capela no centro do povoado. Na década
de 40 foi criada a Paróquia pelo Arcebispo de Fortaleza Dom Antônio de Almeida
Lustosa (Oliveira, 2007:36) e a partir daí foi construída a Igreja matriz (figura
2), tendo sido a Igreja anterior, demolida em 1974, por decisão do Pe. Bernardo
Borrassar, alegando não ter condições de restaurá-la e não ter encontrado
interesse por parte dos paroquianos de fazê-lo e temendo que a mesma desabasse
mandou derrubá-la, após consultar seus paroquianos (Pinheiro, 2002).
Figura 2: Igreja
Matriz de Capistrano. Foto de 2008. Acervo do pesquisador.
A partir de 2005, com o apoio da
Secretaria de Cultura do Município, a paróquia de N. S. de Nazaré, tendo à
frente o Pe. Francisco Eudásio, pároco local, agregou á festa da padroeira o
Círio de Nazaré de Capistrano, uma espécie de réplica do Círio de Nazaré de
Belém do Pará, que foi escolhido em 2006, como patrimônio imaterial do povo
brasileiro pelo IPHAN (Pelegrine e Funari, 2008: 74). O Círio de Nazaré de
Capistrano, figurou na revista CÍRIOS,[vi]
por três anos consecutivos, sendo o último na edição de 2010, como um dos
Círios de Nazaré do Estado do Ceará, ao lado de um outro na cidade de Fortaleza
(Círios, 2010:72). A festa tem um grande apelo popular, com participação de
devotos de toda a região. A mesma é encerrada, em 8 de setembro com a grande
procissão com a imagem de N. S. de Nazaré, que é “puxada” com uma grande corda.
(figura 3 e anexos)
Figura 3: Devotos em
torno da imagem de N.S. de Nazaré na Matriz de Capistrano. Acervo do
pesquisador
Figura 4: detalhe da procissão do Círio de
Nazaré de Capistrano em 2007.Acervo do pesquisador.
Após
conhecer um pouco sobre o município de Capistrano, palco das atividades
culturais do mestre Sebastião Chicute e onde ele reside há mais de 40 anos,
introduz-se, na sequência, a história de vida do referido mestre, para nos
capítulos seguintes, apresentar sua arte como mestre de reisado e como poeta
popular de cordel.
3.2 O Mestre
Sebastião Chicute
“o nome dele é
Bastião”
O cancioneiro nordestino traz uma música
cantada por Luiz Gonzaga, denominada Samarica Parteira. A música conta a
história de uma senhora que vai ter um filho e na última hora o seu marido, “Capitão
Barbino”, manda buscar a velha Samarica, uma parteira que morava a léguas de
sua casa e o portador é o próprio Luis Gonzaga, que se autodenominou no texto
de Lula. A letra é a seguinte:
“... Lula!
- Pronto patrão.
- Monte na Bestinha Melada e risque.
- Vá ligeiro buscar Samarica parteira que Juvita já tá
com dô de menino. ...”
Depois de uma longa carreira ele
chega à casa de samarica
“... – Samarica! é Lula...
- Capitão Barbino mandou vê a
senhora que Dona Juvita já tá com dô de menino.
- Essas hora, Lula?...”
Saíram
de novo em disparada, caminho de volta. Assim que chega de
uma viagem enfadonha, Samarica começa o seu trabalha, pois D. Juvita, a
senhora, já está em trabalho de parto. Quando a criança nasce, um menino,
perguntam o capitão exulta: “... Prepare aí a meladinha, ah, prepare a meladinha, que o
nome do menino... é Bastião[1]”
O nascimento de Sebastião Chicute foi no dia 24 de
abril de 1934, na zona rural do município de Aratuba. Por certo, não foi tal e
qual a música popular relata, mas tem alguma semelhança, pois na época em que
ele nasceu, era comum os partos serem assistidos por parteiras, algumas
denominadas cachimbeiras, talvez pelo uso do cachimbo e do fumo durante o
parto.
Sobre o nascimento do mestre Sebastião
Chicute assim se refere Gilmar de Carvalho:
“Dos quatorze filhos
do agricultor Francisco ( “Chicute”) Lourenço Sobrinho e Maria Alves dos Santos
se criaram quatro Homens e cinco mulheres, dos quais estão vivos Sebastião e
três irmãs. O pai era ”morador” e plantava “café de sombra”, embaixo de pés de
ingazeiras, e cana, que moía nos
engenhos da vizinhança. A Mãe fiava algodão para costurar a roupa dos meninos e
fazia renda de bilro nas almofadas cheias de palha de bananeiras.” (Carvalho
2006:197)
Como o mestre Sebastião Chicute descreve
esta primeira parte de sua vida é o que se verá no item seguinte.
Figura 5: Mestre
Sebastião Chicute. (Foto do site da SECULT-Ce)
3.2.1 A Alfabetização na Carta de ABC
Como é conhecido pelos educadores, em
geral, e pelos que estudam a educação popular, no início da década de 60, na
cidade de Natal, no estado do Rio Grande do Norte, foi criada a campanha “de pé
no chão também se aprende a ler”, ideia desenvolvida a partir da sugestão de um
popular em uma reunião dos moradores de um bairro, com o Secretário de Educação,
que relatava a dificuldade de fazer escolas e recebeu a ideia de se fazer
barracões cobertos de palha e começar, de imediato, a campanha de educação.
(Góes 2010: 420) A campanha abrangia educação popular, ensino fundamental, com
um amplo movimento cultural, envolvendo educadores, intelectuais, entre eles o
folclorista Câmara Cascudo, ensinando folclore (Góes 2010: 421) e instituições
afins. Infelizmente, foi ceifado pelo golpe militar de 1964. O sucesso da campanha mostrou que escola não é só o
prédio, (Góes 2010:428) pode haver, escola, educação, mesmo sem os prédios de
concreto e alvenaria, como foi de pé no chão”.
Sendo um desses milhões de brasileiros que
não teve acesso à escola e sem ter, em seu município ou estado, uma
oportunidade como esta de Natal, que ainda que tenha sido efêmera, foi
importante para sua população, Sebastião Chicute foi um daqueles, que na
juventude não teve acesso à escola. Aliás nunca frequentou a escola nem de palha,
nem de alvenaria. Mas, mesmo assim, com grande esforço, aprendeu a ler e
escrever e as quatro operações matemáticas. Sem nunca ter ouvido falar em
campanha “de pé no chão”, de maneira individual, também, aprendeu a ler, de pé
no chão e fora dos prédios da escola. E como foi esse aprendizado, essa
alfabetização?
Ao ser perguntado como aprendeu a ler, o
mestre Sebastião Chicute, sempre, conta esta história, algumas vezes gravadas
formalmente, mas foi ouvido dele a mesma história em outras ocasiões de
forma descontraída. O relato abaixo é um resumo da história contada por ele
próprio. Diz ele:
“Naquele tempo filho de trabalhador não ia
pra escola. tinha que ajudar o pai na lida do roçado. Eu morava na Serra, no
município de Aratuba. Ajudei meu pai desde criança, trabalhando com ele no
roçado. No começo ajudando, dando recado, amarrando um bicho, quando fui
ficando maiozinho, fui pro cabo da enxada. Então ninguém se importava com
escola. Só os filhos dos patrões, mesmo assim uns queriam outros não queriam. Quando
eu vinha do roçado com meu pai, passava na casa do nosso patrão e eu via os
filhos dele estudando, lendo. Eu tinha vontade de aprender a ler. Aí um dia,
tinha um passando as férias lá e me perguntou: Bastião tu quer aprender a ler?
Eu disse, quero. Ele disse: pois compre uma carta de ABC que eu te ensino. Aí
eu comprei a carta de ABC e ele começou a me ensinar quando terminava o
trabalho. Mas aí ele voltou de férias e eu fiquei lendo na cartilha, soletrando
as palavras e aprendendo alguma coisa. Nas outras férias ele veio de novo e
perguntou: como é que está Bastião? E eu disse, tou indo, to aprendendo. Aí ele
me deu mais umas aulas e eu fui aprendendo, até que aprendia ler uma coisinha.
Nesse tempo as pessoas gostavam de ler romance, era assim que se chamava os
versos de cordel. Era a História do Pavão Misterioso, os Doze pares de França.
Então quando aparecia um romance, uma pessoa que sabia ler lia pros outros.
Aí o pessoal começou a me pedir pra ler.
Ler Bastião! Ler Bastião! Aí eu começava a ler. Ficava aquela roda escutando.
Não tinha luz elétrica era na base da lamparina. Eu achava bom por que tinha as meninas, as
mocinhas e eu sempre fui assim popular. Foi indo foi indo e foi nesse negócio
de ler verso que eu aprendi a ler o pouco que sei, foi também nesse tempo que
eu aprendi a poesia, embora só tenha feito verso assim pra vender, depois.”
O escritor Gilmar de Carvalho, em Mestres
da Cultura Tradicional Popular do Ceará, ao abordar sobre o mestre Sebastião
Chicute (figura 5), também, relata como se deu
o processo do mestre, em estudo, da seguinte forma:
“Sebastião nunca aceitou um destino
previamente traçado por um Deus pouco generoso. “Comprou uma carta de ABC” e o
filho do patrão, chamado Edílson começou a lhe dar as lições nos fins de semana,
nas férias, e assim ele foi se soltando. Tinha boa memória para ouvir e
aprender as lições e aprendeu as quatro operações da tabuada.
Começou a decifrar pedaços de jornal até
chegar a ler versos nas casas ,enquanto tirava o terço e rezava novenas.” (Carvalho
2006: 198,199).
Parafraseando a expressão do projeto de
Paulo Freire, e com base no depoimento do mestre Sebastião Chicute, pode-se
dizer que com carta de ABC e cordel, também, se aprende a ler. Certamente,
muitas pessoas por esse Brasil à fora, quando a escola era distante em todos os
sentidos, aprendeu a ler de forma semelhante. O exemplo de alfabetização do mestre
Sebastião Chicute pode ser levado a muitos jovens e adultos que não tiveram
oportunidade de alfabetizar-se na chamada “idade certa”, termo até inadequado,
posto que toda idade é certa para aprender, ou melhor, não tem idade certa para
se aprender, aprende-se em qualquer idade. Esse é o primeiro grande exemplo que
hoje mestre da cultura Sebastião Chicute dá para a sua gente.
Evidentemente, o fato de ter aprendido a
ler sem frequentar a escola, não é específico de Sebastião Chicute, isso era
comum entre os seus pares, que estão envoltos no mesmo processo de exclusão da escola,
vivido pelas populações interioranas, sobretudo no Nordeste do Brasil, fato que
começa a ser superado na década de 90 do século passado. Essa constatação em
relação aos poetas populares é feita por Márcia Abreu em História de Cordéis e
Folhetos (Abreu, 1999. p.93).
3.2.2
Reisado e Cordel na Vida de Sebastião Chicute.
Sobre a sua trajetória como brincante de
reisado, Sebastião Chicute relata:
“Comecei a brincar em reisado em 1952,
brincando de dama. Hoje os meninos não querem brincar de dama, aí a gente
coloca como pastorinho. É a mesma coisa. Depois fui brincar de caboclo e
brinquei de tudo em um reisado. Aí comecei a brincar na cabeça do boi. Eram as
pessoas que pediam “Bastião Vem pra cabeça do boi”. Hoje eu brinco mais os meus
amigos, tenho pedido para eles tomarem conta do reisado, mas eles querem que eu
continue. Eu penso em passar pra outro, devido a minha idade e a minha saúde,
mas como ninguém ainda resolveu assumir, a gente vai tocando.”
Assim, de forma modesta, o mestre mostra o
seu valor, construído em um trajetória que é reconhecida por seus seguidores e
familiares, envolvidos em sua trajetória e na sua arte de brincar reisado.
De outra parte, há no mestre a dimensão
poética que se manifesta tanto nos “relaxos” (glosas) do reisado, quando dança
ao lado do boi, quanto na literatura de cordel. Em entrevista a Gilmar de
Carvalho, declarou: “Lá vou eu escrever um verso, passo uma noite, passo duas
noites, depende do tempo e do dom”. Portanto, o mestre Sebastião Chicute é um
poeta, um poeta popular. Ele mesmo tem afirmado em diversas ocasiões, em
diversas circunstâncias, falando de si mesmo: “um poeta faz assim” ou ao fazer
ou recitar uma glosa, repetir: “é o poeta, é a poesia”, referindo-se á forma de
ver as coisas com o olhar de poeta. E o que vem a ser essa figura romântica
chamado poeta. Buscou-se o conceito de
um grande poeta popular cearense, Alberto Porfírio. Para ele “poeta é aquele
que tudo ama e justifica das coisas a razão de ser considerando tudo natural, divino
e necessário.” Mas é em outro trecho de seu discurso sobre o poeta, que Alberto
Porfírio, em sua conceituação, mais se aproxima de Sebastião Chicute enquanto
poeta. Diz ele:
É ainda o poeta que, desprovido de
ambição, despreza a fortuna, e ama o simples, fazendo questão de ser um deles,
merecendo, por isso, um protetor, um mecenas que lhe compreenda o valor e o
ampare na vida.”(Porfírio, 1978, p31)
Mestre de reisado e poeta popular são
atividades que têm muita relação, que se casam, se completam. E são essas duas
atividades culturais desenvolvidas ao longo da vida pelo mestre Sebastião
Chicute, que serão descritas e analisadas nos próximos capítulos, que lhe conferiram
em 2006, o título de Mestre da Cultura Tradicional Popular do Ceará.
3.2.3
Sebastião Chicute: Mestre da Cultura Tradicional Popular do Estado do Ceará
A Lei Estadual nº 13.351, de 22 de agosto
de 2003, instituiu o registro dos mestres da cultura tradicional popular, no
âmbito de estado do Ceará. A data de sua publicação foi, cuidadosamente,
pensada, haja vista o folclore ser comemorado no calendário escolar brasileiro,
no mês de agosto. Por outro lado, deve-se ressaltar que a Lei nº 13.351 é uma
decorrência promissora, no estado do Ceará do Decreto Federal nº 3.551, de 04
de agosto de 2000, promulgado pelo então Presidente Fernando Henrique Cardoso
tendo como Ministro da Cultura o sociólogo Francisco Welffort. Esse decreto
oficializou a inclusão do patrimônio imaterial na relação do Patrimônio
Cultural Brasileiro, instituindo o registro de bens culturais de natureza
imaterial que poderiam passar a constituir o patrimônio cultural brasileiro, a
partir daquela data.. O resultado imediato do decreto foi o desencadeamento de
uma série de ações de valorização do patrimônio imaterial no Brasil, sobretudo
no primeiro quadriênio do governo do presidente Lula, quando esteve à frente da
pasta da Cultura, o cantor Gilberto Gil. (Abreu, 2007, p353)
Por outro lado, o referido decreto, também,
interagia com a educação patrimonial na medida em que muitas de suas metas
estavam em sintonia com outra legislação no âmbito do Ministério da Educação
que eram os –Parâmetros Curriculares Nacionais - PCNs, que incluem no currículo
escolar, no capítulo dos temas transversais, a pluralidade cultural e a
valorização do conhecimento do patrimônio étnico-brasileiro, na forma da Constituição
de 1988 (Abreu, 2007, p363)
Figura 6. Mestre
Sebastião Chicute ao lado da figura do boi. Foto de 2008- Acervo do
pesquisador.
O estado do Ceará, ao aprovar essa lei,
concretizava, em parte, uma política de valorização e reconhecimento do
patrimônio imaterial intangível reiterado pela 32ª Conferência Geral da UNESCO,
em 2003. Segundo Nogueira, 2008, “essa reorientação nos critérios de preservação
da UNESCO, levou a França a instituir o sistema “tesouros humanos vivos,
exemplo que o Ceará vem seguindo parcialmente”
E o que são esses mestres da cultura? Para
o governador do Estado à época, Lúcio Alcântara, os mestres da cultura são homens e mulheres que perpetuam artes
ancestrais, renovam a memória coletiva com criações contemporâneas e usam
variadas linguagens para compor o mosaico da identidade cultural. (Carvalho,
2006: 9).
Oswald Barroso em Encontro dos Mestres do
Mundo, uma publicação da SECULT, classifica mestre como sendo “um portador
ativo de uma tradição”. Aquele que “guarda em seu corpo a memória de um saber
coletivo”. Esses saberes de que é ele portador são “renovados constantemente
por outros Mestres e por ele mesmo como ele”. Como tal, pode-se afirmar que “o
Mestre é, também parte do universo da cultura popular tradicional de feição
predominantemente oral e de extração coletiva”. Como portador de saberes, “seu
saber é um rito de uma série de procedimentos que domina,... “seu saber é
único, portanto intransferível, mesmo que tenha discípulos e imitadores.” Por
tudo isso e muito mais, o mestre se inclui dentro do conceito daquilo que ficou
estabelecido pela UNESCO como patrimônio imaterial, e que tão bem é descrito
por Oswald Barroso em seu ensaio, ao afirmar:
“Por isso não apenas seu saber deve ser
tratado como patrimônio imaterial de uma cultura, mas também o próprio mestre,
a integridade de sua pessoa, deve ser vista como tesouro cultural, patrimônio
vivo de seu povo”, conclui Barroso. (SECULT, Encontro dos Mestres, 2008).
E com essa visão de o mestre e sua obra
fazerem parte do patrimônio imaterial de seu povo que este estudo foi
concebido, com a certeza de que como tal, influi e contribui com a formação e a
educação patrimonial do meio em que estão inseridos.
3.2.3.1
Mestres porque Ensinam o que Aprenderam
Como professora que é, tendo sua vida
dedicada à educação e à cultura, a Professora Luiza de Teodoro, professora
aposentada da Universidade Estadual do Ceará e com larga experiência nas áreas
de Educação e Cultura, em “Ser um Mestre”, texto que integra o livro do prof.
Gilmar de Carvalho, identifica nos mestres a função do ensino, da transmissão
do conhecimento popular. Para ela, eles são mestres porque
“ensinam como alguns
bons professores, incendiando as almas nascentes de seus alunos, sem contudo,
deixar que a rotina pedagógica destrua a sensibilidade da criança ou do adulto
com o mais corrosivo dos venenos: o tédio, a preguiça de aprender, a extinção
da curiosidade criadora e da utopia transformadora”( Carvalho, 2006).
Com a sua prática cotidiana, em seu fazer
e com seu saber os mestres da cultura contribuem para a educação patrimonial
imaterial, sendo eles próprios uma fonte inesgotável de saber popular, daí porque
se usa a expressão “tesouros vivos”. É a partir de um conceito ampliado de
educação, já explicitado, anteriormente, que se considera que tais mestres, e
como tal o mestre, em estudo, contribui com a educação patrimonial, no seu
cotidiano, com o seu exemplo, nos seus afazeres, como bem registra
Carvalho:
“os Mestres da Cultura
Popular educam pelo exemplo, pelo amor ao que fazem, pela alegria com o que
fazem, pela persistência em fazer compartilhar o que fazem com os que se deixam
cativar e, assim, aprendem... muitos deles e delas foram excluídos da
possibilidade de frequentar escolas, no entanto, creio que são estímulo para
quem deseja ser um verdadeiro professor. Um mestre.”(Carvalho, 2006: 19)
Essa posição corrobora com o que está
sendo defendido neste trabalho do início ao fim, de que os mestres da cultura
têm um papel fundamental na transmissão da cultura de que são portadores que se
traduz numa contribuição para a educação patrimonial que, no caso em estudo, é mais
relacionada com o patrimônio imaterial.
O mestre Sebastião Chicute, portanto, como
um mestres da cultura tradicional popular de seu estado, contribui com a sua
prática, com o seu ofício de cordelista e de mestre de reisado, com a
manutenção, a divulgação, a revitalização dessas duas atividades culturais e,
por conseguinte, com a educação patrimonial imaterial, no seu município e no raio de abrangência de
sua atividade artística e cultural. Sua
contribuição, por vezes, é diretamente junto aos estudantes, quando esses o
procuram para dar depoimentos sobre a cultura, sobre suas atividades e
experiência, ou ainda, quando participa de palestras, debates, discussões em
salas de aula ou em outras atividades escolares. No entanto, a sua contribuição
junto ao processo de educação patrimonial, de caráter imaterial, dar-se de
maneira mais atuante, fora dos muros da escola, desde quando participou das
primeiras apresentações nos grupos de reisados de sua comunidade na década de 50,
como relata em seus depoimentos, ou seja, ao longo de sua vida de brincante de
reisado e de poeta popular, inicialmente, cantando coco e, ultimamente, como
poeta de bancada, como se verá no capítulo específico sobre a sua produção na
Literatura de Cordel.
3.2.4 Mestre
Sebastião Chicute, um Imortal?
Além das atividades já descritas relativas
à vida e à participação do mestre Sebastião Chicute no contexto cultural da
cidade de Capistrano, registra-se, também, a sua participação, na Academia
Capistranense de Letras e Artes- ACLARTE, entidade cultural local que reúne
professores, poetas, artistas de vários gêneros. A ACLARTE foi fundada, em 2005,
por um grupo de professores e artistas locais, movimento esse, dirigido pelo
professor aposentado e espécie de decano dos professores, o senhor José Humberto
Gomes de Oliveira, que também é escritor e cronista da cidade. Consta na ata de
abertura da entidade[vii]
como um de seus fundadores o nome do mestre Sebastião Alves Lourenço. Segundo o
mestre da cultura, “fazer parte da ACLARTE, é uma honra, por que é uma entidade
que valoriza o poeta e a cultura”.
Figura 7: Mestre
Sebastião Chicute com a beca da ACLARTE. Foto de 2008
Acervo
do pesquisador
Para ter-se uma ideia do envolvimento e o
compromisso do mestre Sebastião com essa organização cultural, ultimamente, os
encontros têm se realizado no salão de seu reisado, onde se pode dizer que é a
sede social da entidade.
CAPÍTULO IV
A EDUCAÇÃO PATRIMONIAL ATRAVÉS DA DANÇA DOS PAPANGUS NO
REISADO DO MESTRE SEBASTIÃO CHICUTE
Pretende-se, neste capítulo, registrar e
inferir a presença de um processo de educação patrimonial, a partir do
acompanhamento realizado desde 2004, junto ao mestre Sebastião Chicute e seu
grupo de brincantes de reisado, na
cidade de Capistrano. Uma manifestação genuína, que contribui com a educação
patrimonial, na vertente imaterial de maneira informal, ou seja fora da escola.
Ao organizar o seu grupo de reisado com as principais figuras do reisado
tradicional do Nordeste, o mestre Sebastião Chicute e seu grupo de brincantes
voluntários estão trazendo para a juventude uma tradição que vem sendo
transmitida, de forma oral, de gerações para gerações, configurando-se como
parte do patrimônio imaterial do povo brasileiro. De maneira difusa, está o
mestre e seu grupo contribuindo com a educação patrimonial de sua comunidade,
quando mantém viva essa tradição e a propaga em seu meio. Nesse caso, como já
foi estudada, a educação que pode ser percebida na ação do mestre e de seu
grupo é de caráter informal, extraescolar, difusa, pois vai além da escola.
Para confirmar-se o que se está afirmando, registram-se e analisam-se a seguir,
os diversos componentes dessa rica tradição do reisado, presente no grupo do
mestre Sebastião Chicute e sob sua liderança.
4.1 O Que é
e como se compõe um Grupo de Reisado
Grupo de reisado é um grupo de brincantes,
geralmente, formado por homens, que durante os festejos alusivos ao período de
natal, realizam apresentações nas casas, dançando e cantando em homenagem ao
nascimento de Jesus, mas com base no presépio de natal, que também é conhecido
no Nordeste brasileiro como lapinha. O nome reisado é em referência aos reis
magos descritos no Evangelho de São Mateus (Mt.2:1 a 12). O que e quais são os
componentes de um reisado? Além das figuras de animais, o reisado é composto por
figurantes que têm, cada um, a sua função no cenário. São os componentes
humanos, posto que os outros são figuras de animais, que compõem o elenco da
dramatização, da folia, da brincadeira, conforme eles se autodenominam: brincantes.
Figura
8: Grupo de reisado pronto para apresentação na praça pública em Capistrano.
A denominação desses componentes varia de
grupo para grupo, de região para região. No grupo, em estudo, os componentes
são os seguintes:
O mestre, o capitão, os caboclos ou caretas, a velha,
as damas ou pastorinhos, o trio musical: sanfoneiro, triângulo, pandeirista, o
soldado, os dançarinos de figuras. Além desses observar-se-á a participação das mulheres no suporte e
apoio.
4.1.1 O mestre
O mestre ou amo é o que dirige a
apresentação, mais do que isso é, quem concebe toda a apresentação, o chefe, o
coordenador, o líder do grupo. No caso em estudo, o mestre é Sebastião Chicute,
que além de dirigir a apresentação, é quem confecciona as figuras, decide onde,
como e quando o grupo vai se apresentar, recebe a gratificação ou cachê, quando
há, e reparte entre os componentes. Portanto, pode-se dizer, na linguagem da
“folia de reis” que Sebastião é dono e mestre de seu reisado. Sobre essas
categorias, dono e mestre assim conceitua, Bitter:
“Dono e mestre são categorias distintas
que exigem alguma delimitação, embora ambas as funções se fundam na mesma
pessoa. O dono é a pessoa que origina uma folia de reis ou a herda de outro
dono. Sua autoridade é grande, mas limitada quando não detém o conhecimento ritual necessário para a
condução da folia, necessitando assim da presença de um mestre. O dono é
responsável pelas condições materiais da folia: instrumentos musicais,
manutenção da sede, ...etc.” (Bitter, 2010:26)
No caso em estudo, sendo o mestre, o dono
do reisado, casa do mestre é, também, a sede do reisado. Nela ele reserva um
quarto, para guardar todos os apetrechos do grupo. É lá que em um salão,
especialmente, construído para esse fim, que o grupo realiza seus ensaios. Em
outro momento, falar-se-á da sede do reisado.
Voltando para o mestre, ele dirige o grupo
em apresentação. Tudo só começa quando ele dá as ordens, faz as explicações, os
comentários iniciais, uma preleção em que ele esclarece o que é o reisado,
quando tudo começou e situa, dentro do contexto, o seu grupo e aquela
apresentação. Nesse momento, ele faz referência a quem está patrocinando, a
quem, de uma forma ou de outra, está colaborando para que eles se apresentem.
Começa então a apresentação dramática e o
primeiro a receber a ordem, o comando, é
o sanfoneiro. É com o toque da sanfona que tudo se inicia. O grupo em torno do mestre
e do sanfoneiro recebe a ordem do comandante para iniciar. E tudo se inicia com
a “cantiga de porta”.
Finda a cantiga de porta, o mestre chama
os caboclos para dizerem seus “relaxos”. São versos em quadras ou sextilhas,
contando coisas interessantes, fenômenos, geralmente, enaltecendo o próprio
recitante. Depois desse ato, todos os outros vão acontecendo sob a sua ordem.
Às vezes, nem sempre o que foi ensaiado acontece, prevalece o improviso, por
isso todos devem estar atentos ao que o mestre diz, canta e faz. Pode-se dizer
que o mestre é o maestro, no entanto, diferentemente desse, ele também tem os
seus instrumentos: canta, dança e comanda o grupo com sua voz.
Ao descrever-se cada ato, percebe-se a
importância da atuação do mestre e sua presença em todos os atos do drama
popular natalino.
4.1.2 O capitão
O termo capitão utilizado no reisado, ao
que parece, está presente em outros autos como é o caso de outra brincadeira
existente, ainda, no Brasil, especialmente na Paraíba, que é a nau catarineta. Como essas
brincadeiras todas têm origem na Europa e foram trazidas para o Brasil pelos
portugueses, percebe-se interfaces entre elas. Personagens, figuras, misturam-se
em diversos dramas populares. Ao que tudo indica é da nau catarineta a herança
do capitão no reisado. Sendo um navio ela tem, necessariamente, um capitão em
seu comando.
No reisado do mestre Sebastião Chicute, o
papel do capitão é auxiliar o mestre na organização do evento. Uma de suas
funções é controlar o tempo, ele o faz com um apito. Quando o capitão apita, o caboclo passa a
palavra para outro da roda. O capitão
pode ser qualquer um dos caboclos designado pelo mestre. Como os demais caboclos,
o capitão, também, faz os seus relaxos, participando ativamente da brincadeira.
O capitão, também, auxilia o mestre na
entrada e saída das figuras, na matança do boi e em todos os momentos da
brincadeira. Pode-se dizer que o capitão é uma espécie de contramestre.
Nesse grupo de reisado, o capitão é
designado pelo mestre e eventualmente é exercido por um ou outro componente. Os
que têm assumido esta função são os “caboclos”, Luis Silva e Capitu. Até 2005,
também exerceu, eventualmente, essa função o caboclo Chico do Mundo, que se
afastou do reisado por motivo de conversão á religião dos testemunhas de Jeová.
4.1.3
Caboclos, Caretas ou Papangus
A essência do reisado está nos caboclos,
também, chamados de caretas. Os caretas são os principais personagens da brincadeira.
Na região, em estudo, costuma-se chamar o reisado mais de caretas que
propriamente de reisado. É comum a expressão: “vamos ver os caretas” O termo
reisado é utilizado mais pelos componentes do grupo e pelos pesquisadores. O
povo utiliza mais a expressão caretas. Aí está uma diferença entre o reisado em
estudo e o reisado que sempre acontece no período da festa de Reis, de porta em
porta nas cidades. Todos têm a mesma origem, mas esse reisado urbano, nômade,
ou melhor itinerante, ambos têm o caráter dramático, da brincadeira dos
caretas. O reisado de que está falando acontece em um único lugar, numa data
previamente agendada pelo grupo com o dono da casa, ou responsável pela
instituição que convida.
Tradicionalmente, as apresentações ocorriam
em uma casa, geralmente, no terreiro de uma fazenda; hoje acontece em espaços públicos como em praças e escolas.
É um auto, uma peça dramática, popular. Os caretas ou reisado são chamados,
também, de papangus. O dicionário do Folclore Brasileiro de Câmara Cascudo
define papangus como: “tolo, ridículo, grotesco... O termo vem de uma espécie
grosseira, assim apelidada, e que a semelhança do farricoco, tomava parte nas extintas
procissões de cinzas...”(Cascudo,2001 p.480).
Portanto, os atores principais da brincadeira,
do auto, são os caretas, mascarados, como foi dito, dão nome ao drama. O número
de caboclo em cena não é algo pré-estabelecido, é de acordo com a disposição
voluntária de cada um. Como cada ator, geralmente, quer se apresentar, passa o
ano inteiro esperando o dia e a hora de se apresentar, todos se apresentam No
grupo a média de caretas é seis membros, mas há apresentações que participam
oito, alguns vêm assistir e entram na brincadeira. A média de idade dos caretas
é acima de 70 anos. Como se percebe, o reisado não teve renovação, são os
mesmos que vêm trazendo a tradição desde jovens. O ingresso da televisão nos
lares, trazendo filmes e novelas diárias, novos meios de diversão, os sons
eletrônicos a diversificação e a mercantilizarão da diversão, que virou negócio
altamente lucrativo, tudo isso concorreu para que o reisado deixasse de ser uma
novidade, um atrativo, sobretudo para os jovens.
Para o mestre Sebastião Chicute, o que
retirou em grande parte a audiência do reisado foram as novelas:
“Depois que apareceu as novelas na
televisão e também agora que todo mundo possui uma televisão em casa, as
pessoas se acomodaram e não saem para ver um reisado. Antes como não tinha
televisão, não tinha outra diversão, todo mundo ia assistir o reisado. Brincava-se
até a noite inteira. Hoje se faz só uma pequena apresentação.”
O
reisado deixou de ser uma atração, sobretudo, a partir da década de 70, [viii]que
é quando chega a energia da hidrelétrica de Paulo Afonso do Rio São Francisco,
no Nordeste brasileiro e consequentemente, as primeiras televisões. Nas praças
públicas as prefeituras colocavam televisores em locais construídos para esse
fim. Portanto onde tinha uma televisão, não se podia fazer outra brincadeira,
pois atrapalharia os assistentes. Multidões formavam-se em torno dos
televisores nas praças para assistirem aos programas e novelas o que confirma o
ponto de vista do mestre Chicute.
No entanto, ultimamente, tem havido uma
revalorização dos grupos de reisado e no Ceará, o ano de 2003 é o marco do processo
de revalorização com a lei que instituiu os mestres da cultura, com consequente
influência nos municípios. Em Capistrano, o marco foi o ano de 2005, quando a
recém criada Secretaria de Cultura proporcionou
as apresentações do reisado do mestre Sebastião Chicute, na praça, e em
ambientes públicos. Por outro lado, como o reisado se constitui uma tradição
espalhada por todo o Brasil, embora com denominações diferentes, pesquisas
recentes revelam a existência de grupos de folia de reis em várias partes do
Brasil, atuando normalmente. No Rio de Janeiro, por exemplo, há até uma
federação de reisado, devidamente organizada. (Bitter, 20010:25)
Com uma concorrência tão desleal, o espaço
dos caretas foi reduzindo-se a ponto de no final da década de 90, início do
séc. XXI, praticamente, desaparecer, em Capistrano.
Com o incentivo dos poderes públicos,
sobretudo das Secretarias de Cultura, dos editais de cultura, o reisado volta à
cena e estava bem guardado na memória dos artistas populares e do povo que o
assistiu quando criança. É no momento uma atração para as crianças, também.
Talvez seja essa uma das explicações que
se tenha para o fenômeno de ser o reisado uma brincadeira de sexagenários, no
entanto, a introdução de crianças como assistentes e participantes garantirá a
sua sobrevivência.
Essas são as explicações mais plausíveis
que se tem. Uma outra explicação que merece mais aprofundamento é o fato de na
zona rural, os homens, a partir dos 60 anos, aposentam-se, portanto ficam mais
livres, mais libertos do ponto de vista financeiro, isso está mexendo com o
imaginário dessa gente. É comum as prefeituras organizarem o “forró” dos idosos
e outras atividades lúdicas para esse grupo etário, que participa ativamente.
Em Capistrano, há o espaço do idoso e muitos dos que se divertem naquele espaço
são brincantes do reisado, são caretas.
Os caretas são responsáveis pela animação
permanente do auto. Eles estão sempre enfeitados, com máscaras, de chapéu, com
bastões na mão, eles dançam o tempo todo, seja quando estão em cena as figuras,
seja no momento dos relaxos, que são versos
cantados em que relatam aventuras, cada um contando a sua história.
Podem ser improvisados ou decorados. Isso já acontece na abertura, mas se estende a todos os atos
da apresentação pelos caretas, protagonistas da apresentação. Eles se organizam
em circulo, em torno do sanfoneiro e do mestre, criando o espaço para as
figuras desfilarem no centro da roda.
Ao longo desta análise falar-se-á mais
sobre esses que são o coração do reisado.
4.1.4 A
Velha ou Vitalina
Oi, bota
Oi, bota pó,
Vitalina tire o pó,
Quem não casa aos trinta e dois,
Vai morrer no caritó.
(bis)
Outro dia Vitalina,
Quando foi se confessar,
Perguntou ao "Seu Vigário",
Se é pecado namorar,
Seu vigário respondeu,
Tenha pena de mim, tem dó,
Eu também fui nessa onda,
Vou morrer no caritó. [ix]
Essa é um personagem singular no grupo de
caretas. É um careta especial, tem a função de quebrar a ordem das coisas, das
apresentações. Funciona como catalisadora da atenção das crianças. Ela faz um
teatro à parte. Não fica no grupo, não dança, não faz parte daquele mundo
cênico, ela faz o seu próprio espetáculo. Mexe com todo mundo, sobretudo, com
as crianças. Corre atrás de crianças, leva carreira, também, faz todo tipo de
estripulia no terreiro, na praça, no local da encenação. Chega a atrapalhar e
tirar a atenção do grupo em cena. Mas é essa, contraditoriamente, a sua função.
A velha tem vários apelidos. Nesse reisado
é velha, mas já foi vitalina,[x] muitos
ainda chamam de vitalina, ao que tudo indica, a velha no reisado de Sebastião
Chicute é a registrado por Câmara Cascudo e que a reconhece em outros
pesquisadores é a “Catirina”[xi]. É
difícil, estabelecer uma fronteira entre estes personagens, eles misturam-se, mesclam-se,
recriam-se em cada grupo, em cada região e em cada tempo.
“Sem a velha o reisado é frio, é sem
graça” diz o mestre Sebastião Chicute. A
velha é o contraponto. Os meninos têm medo dela, mas gostam dela, querem
desafiá-la. Ela porta uma máscara horrível que a deixa desconhecida,
completamente, porta uma “macaca” ou “chiqueirador” (termos usados para
designar uma espécie de chicote, que consta de um pedaço de sola de mais ou
menos 3 metros, amarrados em um pedaço de pau), instrumento que o vaqueiro usa
na tangência do gado.
Figura 9: A velha,
foto do acervo do pesquisador.
É um longo pedaço de sola, de couro,
fixado em um pedaço de pau, um cassetete de mais ou menos 80 cm. Esse objeto
quando bem lançado, dá um estalo na sua ponteira. Ela dá dois lances seguidos,
indo e voltando, provocando, assim um grande estalo que assusta os animais e as
pessoas. Se a sola tocar na pessoa, pode causar um ferimento. Mas não se
registrou acidente, pois o personagem age com muito cuidado, sempre distante.
Esse personagem ao contrário dos caboclos,
é uma pessoa mais jovem, até porque sua função é correr atrás dos meninos, que
não o deixam em paz. É preciso está em forma para suportar o ritmo de sua ação.
No reisado do mestre Sebastião Chicute o papel da velha, desde 2005, é
desempenhado pelo brincante Adriano, que ao vestir-se de seu personagem (vide
figura 9) o encarna completamente, transformando-se em uma espécie de palhaço,
mudando o seu comportamento natural, que é de uma pessoa calada, tímida e
pacata.
4.1.5 As
Damas e ou Pastorinhos
Segundo o mestre Sebastião Chicute,[xii]
quando ele brincou, pela primeira vez, na década de 50, do século XX, ainda
criança, teria sido como “dama de reisado”. Na época, era assim que se
denominavam as crianças que brincavam com os adultos. Apesar de denominarem-se
damas, todos eram meninos. É que o reisado é uma brincadeira tipicamente
masculina. Os atores são, na maioria das vezes, homens No reisado do mestre
Sebastião Chicute há mulheres coadjuvantes, como a esposa dele, Luzia Lourenço
Prudêncio, que ajuda em tudo: na confecção das figuras, na alimentação nos dias
de ensaio e nas apresentações, mas não tem papel definido na roda. No caso
dela, especificamente, no momento das apresentações, sua função é de apoio ao
marido e ao grupo, notadamente, na organização.
Voltando às damas ou aos pastorinhos, como
se disse antes, chamavam-se damas os
meninos, mas devido ao preconceito, por dama ser um substantivo
feminino, e não masculino, os garotos começaram a ficar incomodados com essa
função. Apesar de vestirem roupas masculinas, o fato de serem damas lhes
incomodava. Foi aí que o mestre resolveu denominá-los de pastorinhos.
Figura
10: Damas e pastorinhas, foto do acervo do pesquisador.
4.1.6 O Trio
Musical: Sanfoneiro, Pandeirista e Tocador de Triângulo.
A sanfona[xiii]
é um dos instrumentos mais populares do Nordeste brasileiro. Acompanha os
principais grupos e conjuntos de danças nordestinas, o mais popular artista:
cantor, compositor e instrumentista nordestino, Luis Gonzaga, tinha a sanfona
como seu principal instrumento e se tornou um dos símbolos da música
nordestina. Portanto a sanfona é um instrumento indispensável no reisado.
Mas esse grupo tem algo especial. Seu acordeonista,
seu sanfoneiro é um nonagenário: Luis Duarte. Filho de um tocador de oito
baixos, ele, o irmão apelidado de Sabiá e o primo Chico Justino formam um trio
de artistas de uma única família, sendo o último conhecido em todo estado.
Figura 11: Trio
musical do reisado: Sanfoneiro, pandeirista e tocador de triângulo.
Luis Duarte toca sanfona desde tenra
idade. Mesmo com 90 anos não esqueceu as notas musicais das cantigas do
reisado. Ao comando do mestre que lhe dá a ordem, ele inicia com seu velho e
cansado acordeom a melodia de cada parte, de cada ato. Para melhor desempenho
artístico e reduzir a timidez, um gole de aguardente é sempre bem vindo no
início de cada apresentação. Tem um cuidado todo especial com seu instrumento,
sempre guardado em uma sacola de pano e somente aberta durante a apresentação.
Mas só o sanfoneiro não tem graça, é preciso
de percussão e a percussão é feita com o triângulo e um pandeiro, cujos
tocadores estão, igualmente, afinados com o compasso das músicas do reisado, da
cantiga de porta, à morte e ressurreição do boi.
Está composto o trio musical, que acompanha o reisado.
4.1.7 Os
Soldados
O papel do soldado é figurante, é para dar
um aspecto de autoridade ao grupo. Como se trata de uma festa e é comum nas
festas ter a presença da polícia, o papel do
soldado no grupo é este, organizar o grupo, auxiliar o mestre e o capitão
na organização do grupo. No caso, em estudo, há ocasiões de se ter dois
soldados, mas ultimamente apenas um tem se apresentado e esse tem o apelido de
Pirulito, apelido que é conhecido na cidade.
4.1.8 Os
Dançarinos de Figuras
Toda figura de reisado tem uma força
humana para movê-los. É claro, um boi de madeira e pano não se move sem que uma
pessoa não o esteja conduzindo, e assim por diante. Como já foi dito, as
figuras predominantes no reisado em estudo pinta, boi, bode e burrinha são
animados por especialistas em figuras. Cada uma com o seu gingado, o seu
balançado específico, de acordo com o toque da sanfona, com o seu canto, com a
sua dança. Para melhor compreender o papel dos dançarinos de figuras, na
sequência deste capítulo, quando se descrever cada figura do reisado, se estará
descrevendo o papel de seus dançarinos, que são a força motriz e que dão vida
às figuras dos animais do reisado, conforme se verá.
4.2 Os
Instrumentos Musicais e de Propagação Sonora do Reisado do Mestre Sebastião Chicute
Foi oportuno registrarem-se os
instrumentos que viabilizam a realização de uma apresentação de reisado, hoje.
Basicamente são quatro os instrumentos, um conjunto de natureza musical e
percussão e um conjunto de propagação sonora. Em ambos está a presença da
modernidade, do desenvolvimento tecnológico que se propaga através de
equipamentos musicais e de som pelo interior afora com toda intensidade nas
últimas décadas. Nesse momento, a tradição e a modernidade se associam, essa
contribuindo com a difusão daquela. E quais são esses instrumentos: o acordeom,
o pandeiro, o triângulo e o serviço de som.
Já se falou do acordeom, mas aqui quer-se
ressaltar o seu caráter moderno, como produto industrializado. Diferentemente
do pífano ou da rabeca que podem ser construídos pelo próprio músico, a sanfona
é um instrumento sofisticado, fabricado por indústrias especializadas, de
marcas famosas. Entretanto, ainda que seja um instrumento moderno e de alto
padrão industrial, a sanfona não tem sonoridade própria, à altura do que se
requer hoje, onde o silêncio é coisa rara. Para amplificar o som da sanfona é
preciso dos recursos tecnológicos de amplificação eletrônica, aí sua potência
aumenta e consegue ser ouvida e competir com os demais instrumentos e o barulho
que uma festa deste tipo consegue fazer. Então sanfona sem som, não anima, é
morta.
O pandeiro é, também, um produto
industrializado, com um nível de sofisticação menor, mas, também, não é feito
de forma artesanal, pois o pandeiro, ainda que seja bem ouvido sem o som,
melhora e muito, se for amplificado com ajuda de um microfone.
O triângulo é o único dos instrumentos que
é feito pelo próprio tocador que usando um pedaço de ferro roliço, consegue
fabricá-lo, mas igualmente melhora seu desempenho com o som.
Como se viu, o som é importantíssimo para
o grupo musical, mas é igualmente importante para os membros do reisado. Pelo
menos dois microfones devem está a disposição dos caboclos, pois assim eles
podem propagar para toda a assistência os seus relaxos, seus improvisos e as
cantigas, que é como chamam as músicas de sua brincadeira.
Por isso, nesse caso específico, a
modernidade veio para contribuir, para somar com a tradição. Os meios
eletrônicos, ao mesmo tempo, foram e são concorrentes do reisado quando estão a
serviço de outros grupos em grandes festas, por exemplo, aqui são seus
aliados.O que se percebe é que é possível manter e valorizar a tradição popular
com os meios que a modernidade oferece.
4.3 Início
de uma Apresentação: cantiga de porta
Apesar de
predominar o improviso e os versos decorados aleatórios declamados pelos
caretas durante as apresentações, cada ato começa com a sua música própria que
o grupo todo conhece e canta. A primeira música que o grupo entoa é na porta da
casa onde vai acontecer a apresentação daquela noite. Apesar da pessoa já está
sabendo, os convidados estarem todos no terreiro, muitas vezes, o dono da casa
entra para que se faça o ritual conforme a tradição. A música introdutória é
muito melancólica na sua primeira parte, depois ela se torna mais alegre e
divertida, pois muda-se o estilo, ou seja, a primeira parte é como se fosse um
hino sacro, já a segunda é uma espécie de xote. Na sequência serão registradas
algumas dessas principais músicas para melhor compreensão da brincadeira. As
letras aqui apresentadas são de duas fontes: o CD de músicas de reisado,
gravado pelo mestre Sebastião Chicute, com o sanfoneiro Luis Duarte e o grupo
musical do Prof. Fábio Abreu na cidade de Maranguape, em 2007, e de depoimentos
do mestre Sebastião Chicute, que, em algumas estrofes, apresenta versões
diferentes das faixas do CD.
Cantiga de porta
é o pedido de autorização ao dono da casa para iniciar a festa. São duas
partes, cada uma com ritmo diferente, a primeira mais cadente e a segunda mais
alegre, mais rápida.
Primeira
parte:
Ôh
de casa! ôh de fora!
Mangerona é
quem está ai!
È o cravo e a
rosa,
E a flor do
bugari.
Eu cheguei na
vossa porta,
Pus a mão na
fechadura,
Eu falei vos
não falaste,
Coração de
pedra dura!
Santo reis do
Oriente
Não dormia
nesta hora
Ele foi para
Belém
Visitar Nossa
Senhora
Senhor rei do
Oriente
Ele foi para
Belém
Ele pedir a
esmola para
Nós pedir
também
O senhor abre
esta porta
Pelo rei de meu
amor
Porque eu quero
saber
Se você me
perdoou
Entre porta e portal
Vi a chave tramilir
O arrasto da
tramela
E a porta se
abrir
Esta casa está
bem feita
Por dentro por fora não
Por dentro
cravos e rosas
Por fora
manjericão
Ao comparar a
cantiga da porta do reisado, em estudo, com a do coro de abertura do bumba meu
boi do Rio Grande do Norte, descrito por Mário de Andrade, (Andrade,2002.p
569). percebe-se a universalização desse canto no Nordeste e a continuidade da
tradição. Se não são iguais , mas há muita semelhança nas letras. Veja-se como
são descritas pelo autor paulistano,
duas estrofes que ele chama de coro de abertura:
(...)
2
Ôh
de casa! ô de fora!
Mangerona qum’stá aí!
Ou é o cravo ou é a
rosa
Ou
é a flor do bugarí
3
Eu
bati na tua porta,
Pus
a mão na fechadura,
Eu
falei, tu não falaste,
Coração
de pedra dura!
As diferenças
são poucas, talvez as mudanças ocorram por ser uma tradição oral. No reisado de
Sebastião Chicute, a primeira estrofe é a segunda no reisado do Rio Grande do Norte. O primeiro verso dessas
estrofes são quase iguais, no segundo verso percebe-se uma diferença. Nos
versos 4 e 5, o do RGN registra uma dúvida: “ou é o cravo, ou é a rosa, ou é a
flor de bugarí,” enquanto no de Sebastião Chicute é afirmativo: “É o cravo, é a
rosa é a flor do bugarí”. Veja-se como canta o mestre Sebastião Chicute:
Ô de casa, ô de fora
Mangerona é quem tai
É o cravo é a rosa
É a flôr do bugari
A terceira
estrofe do boi do Rio Grande do Norte é igual à segunda estrofe do boi do
Sebastião Chicute mudando, apenas, o pronome possessivo tua e tu para vossa e
vosso, como pode ser visto acima.
As semelhanças
demonstram que há um tronco comum nesses autos e que vão se modificando com o
tempo, quando recebem outras influências, agregam-se outras palavras, outros
costumes, ou mesmo quando, por ser uma tradição oral, transmite-se como ouviu a
palavra ou frase, adaptando-se ao seu linguajar ou vocabulário.
Eu
cheguei em vossa porta
Pus
a mão na fechadura
Eu
falei vós não falaste
Coração
de pedra dura.
4.3.1
Segunda Parte da Cantiga de Porta:
Nesta segunda
parte muda o ritmo. Enquanto o ritmo anterior é melodioso, na segunda parte é
animado, o ritmo é quase como um xote, mas está mais para um baião. Neste
momento os caboclos começam a dançar cantando assim:
Abre
esta porta
Por nossa Senhora
Que nós mora longe
Queremos ir embora
Abre esta porta
Se queres abrir
Que nós mora longe
Queremos seguir
Abre esta porta
Por nossa Senhora
Se quer vim dançar
Queremos agora
No Nordeste brasileiro, a
tradição do reisado está vinculada às brincadeiras e folguedos do ciclo de
festejos natalinos. As figuras que compõem o auto dramático de caráter popular,
do natal, tem relação com as que compõem o presépio, criado por São Francisco
de Assis, na Idade Média e que virou um dos símbolos do natal, principalmente,
para os cristãos católicos. (Mário de Andrade, 2002 e Câmara Cascudo, 2001).
4.4
Figuras de Animais e suas Respectivas
Cantigas
As figuras de animais, os componentes, as
danças, as músicas, os instrumentos e a forma de brincar o reisado variam de
região para região, de localidade para localidade, de grupo para grupo. Cada
região, cada lugar, cada grupo têm as suas peculiaridades.
No Brasil, segundo os
pesquisadores Câmara Cascudo e Mário de Andrade, a brincadeira dos reis tem uma
variada forma, e está adaptada a cada região do país.
Em Capistrano, atualmente, as figuras de
animais que compõem o reisado são: o boi, o bode, a burrinha e a pinta. Para
melhor compreensão do papel de cada uma dessas figuras, far-se-á o registro de
cada uma delas a seguir.
Figura 12: Fotos do
boi, do bode, da burrinha, sem a vestimenta e da pinta no primeiro plano.
4.4.1 O Boi
e suas Cantigas
A primeira figura a ser registrada é a do
boi, por ser a principal. O boi é sua majestade no reisado, é em torno dele que
acontecem as mais variadas estripulias, sempre cantadas e dançadas pelos
componentes do reisado. Antes porém de falar-se sobre o boi de Capistrano é bom
saber o que diz Câmara Cascudo sobre essa figura de tanta fama:
“Pelas regiões de pecuária há uma
literatura oral louvando o boi, suas façanhas, sua agilidade sua força e
decisão. Especialmente no Nordeste, onde outrora na havia a divisão da terra com cercas de arame, os
bois eram criados soltos, livres nos campos sem fim. A cada ano os vaqueiros
campeavam o gado para a apartação, separando as boiadas pelas marcas impressas
a fogo. Alguns touros escapavam ao cerco anual e iam criando ama de ariscos e bravios. Eram os
barbatões que vaqueiros destemidos iam buscar...” (Cascudo, 2001, p.69)
O reisado do mestre Sebastião Alves
Lourenço, popularmente, conhecido por Sebastião Chicute, contém as figuras, as
danças, as músicas de tradição do reisado do Ceará, e tem o boi, como figura
principal. O boi é o destaque da brincadeira. As demais figuras, que serão
conhecidas na sequência deste estudo, são, podemos dizer, coadjuvantes. O ponto
auto da apresentação é o boi, é a brincadeira de cabeça do boi, ou a arte de
brincar na cabeça do boi, como dizem os mais antigos.
A primazia do boi no reisado de terreiro,
no auto do reisado, que difere do reisado cantado de porta em porta, no período
da festa de reis, pois esse embora tenha muito daquele, tem outra
característica: a de visitar as casas e colher prendas, levando as músicas e a
brincadeira a cada porta, a cada lar.
O reisado de terreiro é dançado em uma só
casa, em um só lugar naquela noite. O número de figuras, os instrumentos, o som,
as danças, a dramatização são próprios para se realizar em um espaço físico
determinado, onde há um grupo de atores, os componentes do auto, da dramatização
e um público, que interage com os participantes de diversas formas.
Voltando à figura do boi, pode-se dizer
que essa não é exclusiva do reisado. A sua inclusão na brincadeira inspira-se
primeiro nas figuras do presépio natalino e que, no Nordeste brasileiro, foi
fortalecida pela forte influência do boi em outras atividades de lazer, como a
vaquejada oriunda do ciclo do gado. O cantor nordestino Luiz Gonzaga consagrou
o boi em uma de suas canções, dando ênfase à sua repartição, como se faz no
reisado:
“Ê! boi, ê! boi, ê! boi do Mangangá,
Quem não tem chaculateira
Não toma café nem chá
Ê boi, ê boi, ê boi do Ceará
Quem está matando este boi
É o prefeito do lugar
Ê boi, ê boi, ê boi do Piauí
Quem não brincar neste boi
Não pode sair daqui
Na sequência da música tem a repartição do
boi, que por ser muito longa, optou-se por não registrá-la neste momento, e sim
quando se falar da repartição do boi.
O boi, portanto, está no reisado, mas não
é só do reisado, e, sim, característico de uma outra brincadeira que tem
vínculos com os festejos medievais trazidos da Península Ibérica para o Brasil
e fortalecido, aqui, com o ciclo do couro. Essa brincadeira conhecida como
bumba meu boi ocorre em todas as regiões do Brasil e em diversas fases do ano,
de acordo com a região.
“o boi está de tal forma inserido no
contexto cultural do Brasil que sua figura se apresenta em folguedo
folclóricos, canções, literatura de cordel e tantas outras manifestações, com
diferentes nomes: boi-bumbá, bumba meu boi,
boi-de-reis, reisado, boi de mamão, boi-calemba, surubi, e outros”. (Andrade,
2002)
Por exemplo no Maranhão, a festa do bumba
meu boi ocorre em junho, dentro dos festejos juninos. Mário de Andrade, em seus
estudos sobre o folclore brasileiro, deu destaque ao bumba meu boi.
O que se quer demarcar neste estudo é que
o reisado não se limita ao bumba meu boi. O reisado tem o boi como figura
principal, mas não única. O boi do reisado é uma figura oriunda da tradição do
presépio, como é a própria festa de reis, pois os reis de que se festejam são
os reis magos que visitaram Jesus, mas há, também, a presença do boi, que sendo,
também, do presépio, incorporou a cultura da dança do boi, do bumba meu boi estudado,
amplamente, por Mário de Andrade e Câmara Cascudo.
4.4.1.1 O
boi no reisado do mestre Sebastião Chicute
Meu boi morreu, / Que
será de mim,
Manda buscar outro/Lá
no Piauí
A figura do boi evoluiu muito, com novos
materiais disponíveis à população. O alumínio, o isopor, por exemplo, são
materiais leves que possibilitam a construção de uma figura leve de fácil
manejo. Vê-se hoje figuras de boi bem estilizado, mantendo-se a cabeça e os
chifres em destaque, dando mais visibilidade ao componente que dança o boi.
O boi do reisado de Capistrano, ainda é um
boi tradicional, nele o destaque não é para o brincante que está debaixo do
boi, e sim para o caboclo, para o mestre que brinca na cabeça do boi. (Figura
13). Há, portanto, uma diferença. Quando a figura é leve, tem mais tecido que
armação, a cabeça e os chifres são de isopor, o brincante brinca em pé, o boi
tem mais agilidade, corre de uma ponta a outra do salão, faz acrobacias,
momentos etc. Aí então o brincante é destaque com seu boi.
Figura 13: O boi do reisado do
mestre Sebastião Chicute
No caso, em estudo, não ocorreu bem assim.
O boi é pequeno, parado, gordo, fechado, apenas com o espaço do condutor ver
onde vai passar.
A tarefa de ficar debaixo do boi é árdua,
pois o espaço é pequeno, quente, com pouca visibilidade. Nessas condições,
caminha um pouco lento e dança de acordo com a música, a cantiga do boi. É
preciso ter amor, dedicação. É preciso gostar mesmo para ficar debaixo do boi.
E quem é o destaque nesta situação? O caboclo de cabeça do boi, os caboclos, ou
papangus que dançam em volta e a figura do boi, que tem vida, se movimenta,
através da força motriz humana, do componente que sofre, mas, também, se
diverte debaixo dele.
Nesse caso particular do grupo do mestre
Sebastião Chicute, não houve uma grande evolução da brincadeira do boi no que
se refere à figura, como deve ocorrer em várias regiões, embora ela possa estar
mais leve, por conta dos materiais disponíveis, já citados, mas o seu modelo é
o mesmo, ou se aproxima muito do mesmo boi da metade do século XX, razão
porque, sendo seus componentes, na maioria, homens acima de 70 anos, trouxeram
essa tradição para o presente, já que são os seus condutores, como é o caso de
Sebastião Chicute, 74 anos.
Apesar de a tradição ser mantida em grande
parte, posto que o boi é construído, no ano, pelo próprio mestre e foi assim
que ele aprendeu e todos aprenderam, eles não estão satisfeitos com esse boi.
Eles sonham com outro boi mais leve, mais galante. Foi o que aconteceu, quando
um grupo dos componentes do reisado esteve em Russas, em 2007, por ocasião do
II Encontro dos Mestres do Mundo, do qual participou o mestre Sebastião
Chicute. Na última noite, foi um ônibus de Capistrano, com seus amigos e
familiares, para assistirem as apresentações finais. Como destaque teve a
apresentação de um boi de Russas. Nele o brincante ficava em pé, corria todo o
palco, dançava, era visto pelo público. De boi tradicional só tinha mesmo a
cabeça e o chifre, o resto era tecido, fantasia, muito colorido etc. Eles
ficaram encantados com esse boi e vieram para Capistrano, com a ideia de
mudarem o boi, criticando o “boi do Sebastião”.
Em outra ocasião, no Natal de 2005, na
cidade de Ocara, em uma festa regional promovida pela SECULT, através de edital,
o reisado de Capistrano apresentou-se, mas o ganhador da competição foi o
reisado da cidade. Esse tinha um boi, não muito “moderno” como o de Russas,
mais leve, mais alto que o de Capistrano e que até fazia humor com o público,
ao emitir jatos d’água ao público com a cauda levantada, o que levava o povo ao
delírio.
Por conta desta proeza do boi de Ocara, e
por não terem vencido a competição, houve muitos questionamentos e, mais uma
vez, se reclama do boi deles, sem enfeite, pequeno, quase parado. “Este boi
devia mudar”, “temos que mudar”.
Passadas essas discussões de fora, os
encontros com outros grupos, voltando-se ao cotidiano da vida e das festas de
reis locais, esqueceram-se de mudar o boi e ele continua com sua peculiaridade.
Isto não é ruim, é bom que o boi de Capistrano tenha sua identidade, o de
Russas a sua e o de Ocara, também, sendo todos “bois” de reisado.
4.4.1.2 O
Dançarino do Boi
O dançarino do boi pouco, ou quase nada
aparece, mantém-se dentro do boi, numa posição pouco confortável, pois o espaço
é muito pequeno. A posição normal é encurvado de 90 a 180 graus, dependendo do
tamanho da pessoa. Carrega o boi nas costas, curvado o tempo todo, sua visão
externa é, apenas, por um pequeno espaço de 20 cm lineares, ele o faz sempre
dançando. Ao término da apresentação, dependendo do tempo, sai debaixo do boi
com o corpo molhado de suor. Há grupos de reisado que trocam os brincantes na
apresentação, mas nesse não há tal prática, o brincante é um só.
Notou-se uma mudança nos últimos quatro
anos. Em 2005, o brincante era um senhor de 80 anos, que pela idade pouco se
apresenta dentro do boi. O mesmo foi substituído por um jovem oriundo do grupo
mirim e sua adaptação tem se revelado boa.
4.4.1.3 Cantiga
da Chamada do Boi
A cantiga do
boi é linda, melancólica e poética. Registra-se, a seguir, na íntegra:
Quando eu vejo
as trovoadas
Meu amo
Pro lado do meu
sertão
Me lembro de
sela nova
meu amo
De meu cavalo e
meu gibão
E de minhas
vaquejadas,
meu amo
Nas florestas
do sertão
Mas cadê o meu
garrote,
meu amo
Eu não vejo ele chegar
Hoje na
primeira vez
meu amo
Ele veio se
apresentar
Depois de tudo
queremos,
meu amo
Com o senhor
negociar
Mandei buscar
este boi,
meu amo
Pelo mesmo
cortador
Esperei até
agora,
meu amo
Ele ainda não
chegou
Vai chegando
meu garrote,
meu amo
Meu novilho
contente
Ele vem se
apresentando
Meu amo
Com duas damas
na frente
Vem mostra pra
este povo,
meu amo
O santo rei do
oriente
Já chegou meu
garrote,
meu amo
Veio aqui pra
este salão
Mandei buscar
este boi
meu amo
Para saudar
este povo
Meu amo
Com toda esta
multidão
Pra recordar as
belezas
Meu amo
Que tem lá no
sertão.
4.4.1.4
Cantiga da Retirada do Boi
A
cantiga de retirada do boi, principal figura do reisado, é melodiosa e
melancólica. È num tom de aboio típico do Nordeste brasileiro. Identifica-se
nessa música um pouco da tradição dos vaqueiros do Nordeste, amplamente,
estudado por autores como Câmara Cascudo. De certo modo, o boi que aparece no
reisado e no bumba meu boi do Brasil, tem influência do ciclo do couro,
denominação dada ao período de predominância da pecuária no Nordeste do Brasil.
Registra-se nessa cantiga, como são denominadas as músicas, uma presença da
literatura oral na sua vertente denominada literatura de cordel, que será
abordada no próximo capítulo. Para comprovar-se o que se está afirmando,
registra-se abaixo um dos trechos do referido cântico.
Toca, toca a
despedida
Do meu boi
coração
(bis)
Vai embora
novamente
Vai voltar pro
meu sertão
Adeus
meu pessoal nobre
Eu rogo a toda
nação
4.4.2 O Bode
e sua Cantiga
Antes de ler Mário de Andrade, em Danças
Dramáticas do Brasil, desconhecia a origem do bode na brincadeira do reisado.
Mas sabe-se que o bode está presente no bumba meu boi de diversas regiões, como
do Rio Grande do Norte e Ceará, segundo Andrade. (Andrade/2000). Já no
Dicionário do Folclore Brasileiro de Câmara Cascudo, o termo bode não faz nenhuma
relação com figura de qualquer folia. Faz referência ao uso depreciativo da
palavra em relação às pessoas, também, à culinária nordestina.
No caso, em estudo, o bode tem as mesmas
características do boi: é pequeno, baixo, fechado, com pouca visibilidade e o
caboclo que dança debaixo dele se submete a um calor demasiado. Também
percebe-se que tanto no boi, como no bode o dançador dessas figuras fica na
posição horizontal, ou seja, curvado, diferente do boi de Russas, por exemplo,
que o dançador fica em pé.
A figura do bode é, pois, do tamanho
natural de um bode, mas sendo largo, certamente, para caber o dançador dentro.
A cabeça e os chifres são originais, retirados de cabeça e chifre de bode. No
caso específico do reisado do mestre Sebastião Chicute, o bode é coberto com
couro de bode, para ficar mais original.
O bode entra em cena depois do boi,
podendo ser primeiro ou depois das outras figuras, quem determina é quem está no
comando, o mestre da noite, que, no acaso em estudo, é o mestre Sebastião Chicute.
O bode é introduzido no círculo, trazido
por duas ou mais damas, que, devido o preconceito das meninas, o mestre
substituiu os seus títulos de damas, que seria mais apropriado para mulheres, para
pastorinhos.
Ao adentrar no recinto, o bode é recebido
pelo coro dos caboclos e brincantes com o seguinte refrão:
“Marieta amarra o bode
Que esse bode foge”
Mas para ficar mais engraçado, eles cantam com um
certo apelo, da seguinte forma::
“Marieta
amarra o bode
Que esse bode “fode”.
Na sequência são
cantadas várias estrofes com o tema do bode. São os chamados relaxos. Cada
caboclo canta pelo menos um: o relaxo, geralmente, é composto por quatro
versos, uma quadra.
4.4.2.1 Dançarino
do bode
Como o boi, o dançarino do bode fica
imerso em sua figura, sendo, ainda, menor o seu espaço. Uma coisa interessante
é que não há proporção entre as figuras, todas são mais ou menos do mesmo
tamanho. Na realidade um boi é muito maior que um bode, mas na brincadeira de
reisado essas figuras são desproporcionais ao animal que simbolizam e mais
proporcionais ao homem que as conduz. Assim boi, bode, pinta, burrinha são,
praticamente, do mesmo tamanho. (Vide figura 12).
Ao término do bode, entra nova figura.
4.4.3 A
Burrinha e sua Cantiga
A burrinha (conferir
figura 14) é uma das figuras mais conhecidas dos grupos de reisado, bumba meu boi,
caretas e papangus, no grupo em estudo, seu formato é o seguinte:
Uma estrutura de arame
e madeira, coberta de tecido branco, tecido ao centro, um espaço para o
brincante, que também se veste de branco. A cabeça e a cauda dão a aparência de
um animal, porém em tamanho reduzido, desproporcional ao corpo. Nas laterais,
um par de estribos com sapatos velhos neles colocados para simular as pernas do
cavaleiro.
Câmara Cascudo, em seu
Dicionário do Folclore Brasileiro, (Cascudo 2001:81) afirma que a burrinha:
“Era uma personagem
mascarada, tendo um balaio na cintura, bem acondicionado, de modo a simular um
homem cavalgando uma alimária, cuja cabeça de folhas-de-flandres produzia o
efeito desejado....O divertimento semelhava-se ao terno de reis. A diferença
estava apenas na presença da burrinha
dançando... Assim ,depois de tirado o Reis, entravam cantando:
Minha
burrinha bebe vinho
Bebe também aguardente
Arrenego deste bicho
Que tem vício feito gente.
Xô, xô bichinho,
Xô, xô, ladrão,
Cadeado do meu peito,
Chave do meu coração. (Cascudo, 2001:81)
Ao que tudo indica, a
burrinha é mais uma figura que faz parte dos folguedos nordestinos e
brasileiros, sendo apresentada, em cada região, de acordo com a tradição do
lugar. No caso de Capistrano, ela aparece como componente do folguedo de
reisado. Ela entra em cena acompanhada de um ou dois pastorinhos, antes denominadas
de damas. Ao adentrar no recinto, o grupo canta a sua música, uma das mais
populares do reisado, da qual extraiu-se a seguinte estrofe:
“A burrinha do meu amo
Come tudo que lhe dão
Só não come carne
fresca
Sexta feira da paixão”.
A coreografia da dança
da burrinha é uma das mais belas do reisado. Uma vez trazida ao centro, três
dos caboclos a recebem dos pastorinhos e, de imediato, sobre o comando do
mestre, iniciam a dança do trancelim. O trancelim é uma dança em que a burrinha
e os dois caboclos se alternam indo e voltando de um lado a outro do recinto,
ela em pé e eles um pouco agachados, na velocidade e na sétima música, passando
um pelo outro, bem pertinho (vide
fotos e vídeo). É aplaudido e ao mesmo tempo provoca risos da plateia,
que muitas vezes participa também cantando. Pela intensidade do ritmo e da
dança, os caboclos, os homens acima de 80 anos demoram pouco tempo na dança,
saindo do cenário cobertos de suor. É impressionante a resistência e a
capacidade deles no reisado como um todo e nesse ato em particular.
A burrinha,
como de certo o reisado, é uma brincadeira de homens, mas registrou-se a
participação de uma mulher, jovem, invertida da burrinha, pois o brincante
havia faltado e ela apresentou-se muito bem, inclusive, na dança do trancelim.
Figura 14:A
burrinha, acervo do pesquisador.
Segundo relato
do mestre Sebastião Chicute, que é corroborado pelas pessoas mais antigas, esse
ato do reisado demorava muito tempo, antigamente, pois a brincadeira começava
às 20 horas e varava a madrugada.
Para finalizar
a descrição da figura da burrinha, pode-se dizer, como foi falado no início,
que a burrinha era uma das mais populares. Ela é descrita pelos folcloristas,
como Câmara Cascudo e Mário de Andrade, em várias localidades do país.
Recentemente, a televisão mostrou algumas localidades que mantêm a tradição da
brincadeira da burrinha, mas independente de grupo de reisado, ou equivalente.
Nesses, a burrinha sai à rua e é acompanhada por populares, numa brincadeira
particular, ou seja, em torno dela própria, sem está vinculada a grupo de
reisados.
No caso, em
estudo, é uma das componentes do pequeno elenco de figuras do reisado.
4.4.3.1
Dançarino ou Dançarina da Burrinha
A burrinha requer um dançarino ou
dançarina mais ágil. A burrinha corre, sua dança é conhecida como trancelim.
Ela reveza-se com mais dois caboclos indo e voltando quase juntos, cruzando um
pelo outro de forma rápida e cadente. O trancelim da burrinha é um dos momentos
mais lúdicos da apresentação, contagia o público que aplaude e se diverte com a
sua façanha. Em 2006, na falta do brincador oficial da burrinha, um homem de 70
anos, uma jovem senhora da plateia dispôs-se a dançar e o fez muito bem para
surpresa de todos. Isso demonstra que por ser uma brincadeira popular e pela
prática da assistência, populares aprendem e, eventualmente, se quiserem podem
participar, o que, de certo modo, é uma garantia para a continuidade da
brincadeira e de sua sobrevivência.
A burrinha é a única figura, nesse reisado
em que o brincante o faz de pé e com o corpo de fora, pois ela ocupa apenas a
metade do corpo do brincante que fica como se estivesse, realmente, montado em
um animal. O animal é metade homem e metade bicho.
4.4.4 A
Pinta e sua Cantiga
Mário
de Andrade e Câmara Cascudo registram, em seus trabalhos, a figura da ema em
vários pontos do país, sobretudo no Nordeste. Não se observa, no entanto, a
figura da pinta. Ao que se sabe, essa figura parece ser uma adaptação, posto
que não havendo ema na nossa região, é natural que não se tenha uma dança ou
uma brincadeira com um animal, que não faz parte do cotidiano das pessoas.
Assim sendo a pinta substitui, pois a ema conhecida em outras regiões. No caso
de Capistrano, o mestre Sebastião Chicute fez a adaptação da ema para a pinta.
Isso porque a função da pinta é a mesma da ema: por um ovo para o mestre e seus
brincantes. A justificativa para a figura da pinta é a seguinte: segundo o
mestre Sebastião Chicute: “aqui a gente não tem ema, aí se coloca a pinta no
lugar da ema”.
A
figura da pinta é difícil de descrever só vendo para compreender (fig. 12). Tem
um longo corpo, mais apropriado para uma pata, um longo pescoço, e cabeça
pequena que lembra mais uma ema. É baixinha, tem uns 50 cm de altura e 1,50 cm
de cumprimento. Pela sua estatura pequena, é própria para criança. Mesmo
criança, o brincante ainda tem que se agachar para não ser visto pelo público.
O que se vê são apenas os seus pés. Ela entra em cena muito lentamente, pela
posição difícil de caminhar do brincante. A lentidão, com o balanço que dá à
figura, a torna cadente, elegante.
A letra
da cantiga da pinta é um tom ameaçador,
promete-se castigo se ela não fizer o que se pede: botar ovo pra se vender e
ganhar dinheiro. Diz, assim, uma das estrofes:
Penera, penera pinta
Pintinha do meu
sertão.
Se tu não me
der dinheiro
Eu arranco teu
esporão.
Quando
a pintinha bota o ovo, geralmente, uma pedra arredondada, os pastorinhos a
levam para o mestre, que oferece às pessoas. Faz uma espécie de leilão. O ovo
da pinta é uma das formas de arrecadação do reisado.
4.4.1.
Dançarino da Pinta
O dançarino da pinta leva sua figura de
quatro pés. Para essa façanha tem-se recorrido ao recurso de uma criança, pois
é muito pequeno o espaço para um adulto. A pinta entra solene no recinto, daí
porque seu dançarino deve está atento ao ritmo da sua música. Pela posição do
brincante ela caminha muito lentamente.
4.5 Participação
das Mulheres no Suporte e Apoio
Todos os grupos têm um suporte que lhes
possibilita a apresentação. É a infra-estrutura do show, do espetáculo, enfim
do grupo ou do programa. Esse grupo chama-se de produção, ele é que dá o suporte
para que tudo possa acontecer como previsto. No caso do reisado, não há uma
produção exclusiva, um grupo que tudo prepara para o ato acontecer, tudo é
feito pelo próprio grupo, pelos mais próximos do mestre e por suas famílias. Aí
entra o papel das mulheres. As mulheres dão apoio aos seus maridos e filhos,
antes, durante e depois da apresentação. É, também, uma tradição no reisado a
realização de uma festa no final do ciclo de apresentação. O mestre Sebastião
Chicute revela: “geralmente a festa era no dia 6 de janeiro, dia de santo reis.
Todo o apurado era para (destinado) a festa que acontecia, na casa de uma
pessoa ou do mestre. A festa hoje se
resume em um jantar. Antes, era uma festa com muita música, muito forró e o
sanfoneiro tocando a noite inteira. Era a uma das atrações de um lugar.” Hoje
com a concorrência das festas com grande aparato tecnológico, a potência dos
equipamentos de propagação de som, a diversidade dos grupos musicais, faz com
que a festa de reis seja mais uma confraternização.
Essa festa, seus preparativos, sobretudo,
a alimentação é feita pelas mulheres, que se unem em torno da mulher do mestre
e trabalham na sua organização. No final, todos colaboram na limpeza do local.
Portanto, apesar das mulheres, via de regra, não dançarem no reisado, não serem
brincantes, elas participam, assistindo, colaborando, sendo suporte par que as
coisas possam acontecer a contento.
4.6 Forró de
Encerramento
No final da apresentação, o sanfoneiro
toca mais algumas músicas, geralmente soladas, música nordestina, seja um xote,
um baião, música que se convencionou chamar no Ceará de forro pé de serra.
Dependendo da hora e da localidade, esse forró pode durar um pouco mais.
Segundo os participantes, antigamente, dançava-se até o dia amanhecer. Ora,
naquela época, eles eram os jovens do lugar, eles participavam das festa do
reisado, como sendo uma atração única que eles tinham oportunidade de ir, era
uma diversão para todos. Nesse tempo, antes da década de 70, não existia televisão
no interior, a energia elétrica só existia na zonas urbanas dos municípios em
motor a óleo, somente um período da noite das 18h às 22h, somente para iluminar
as ruas e as casas.
Com o
advento da energia das hidrelétricas, chegou a energia 24 horas, também,
inicialmente só nas zonas urbanas, mas agora todas as localidades têm energia,
mais de 90% das casas da zona rural têm TV com parabólica, além de equipamentos
de sons. A juventude tem outras oportunidades de diversão, outros interesses, o
forró desse estilo é mais apropriado para as pessoas mais velhas e essas não têm
mais aquele interesse de ficar a noite inteira em uma festa, como tinham quando
eram jovens. Essa é uma explicação que se tem para o fato de, na maioria das
vezes, terminar a apresentação logo, e terminar, também, a festa, todos vão
para as suas casas.
4.7 À Guisa
de Conclusão do Capítulo
Encerra-se,
assim, o estudo etnográfico sobre os figurantes e as figuras do grupo de
reisado, a do mestre Sebastião Chicute. Pode-se dizer, por último, que no que
pese haver um conhecimento de todas essas figuras, bem como, de suas danças e
de suas músicas pelas pessoas mais velhas, geralmente, com mais de 70 anos, o
mesmo não ocorre com os mais jovens, pois eles não tiveram a oportunidade de
participar, e muitos até nunca nem viram esse tipo de folguedo. A resistência
de grupos como esses é importante para o processo de formação cultural de nossa
juventude.
Concluída
essa análise descritiva do reisado do mestre Sebastião Chicute, passa-se agora
para o quinto e último capítulo onde se realiza uma análise de sua obra
literária popular, na modalidade de cordel.
CAPÍTULO V
PRESENÇA DA EDUCAÇÃO
PATRIMONIAL NA POESIA DE CORDEL DO MESTRE SEBASTIÃO CHICUTE
Pelos conceitos já discutidos até o
presente momento, em relação ao patrimônio imaterial e educação patrimonial, a
Literatura de Cordel, enquanto manifestação de caráter popular e imaterial,
constitui-se como patrimônio imaterial. Sendo assim, a sua divulgação, através
da produção literária de um poeta popular, constitui-se numa das possibilidades
de proporcionar a educação aos que lhe tiverem acesso, na forma do conceito de
educação do art. 1º da LDB, analisada, anteriormente, ou ainda de acordo com o
que se convencionou chamar de educação não formal. Ou seja, o cordelista quando
publica seus trabalhos está contribuindo com a difusão de uma literatura de
cunho oral, embora escrita, resultado de um manancial que se estende há décadas
e séculos, no Nordeste brasileiro, como mostram os autores anteriores e agora
citados, como é o caso de Ariano Suassuna que afirma
“...a meu ver, a grande importância da
literatura popular, para o Brasil, está no fato de que ela constitui uma espécie
de “tradição viva”, peculiar, fecunda, abridora de caminhos, e fonte para uma
Literatura erudita realmente nossa... Tal importância está, aliás, a meu ver, em
toda a nossa riquíssima Literatura popular, em prosa ou verso, oral ou de
origem moral – nos contos e recontos da Poesia improvisada, dos Cantadores, ou
na Literatura de cordel dos “romances” e folhetos impressos. Como está, também,
nos espetáculos populares do Nordeste, que formam todo um teatro vivo e
vigoroso, com o “mamulengo”, o auto dos guerreiros, os “pastores”, o “bumba meu
boi” etc. (Suassuna 2007 p. 251,252.)
De outra parte, analisando o mérito da
obra do mestre Sebastião Chicute, percebe-se que ele vai além, trazendo temas
que contemplam a educação informal e até mesmo a educação escolar, como os
relacionados à história regional, à religiosidade, à preservação da natureza,
os chamados “causos”, à política, dentre outros.
5.1
Literatura de Cordel: origem e temáticas
Antes de iniciar a discussão em torno da
produção literária de Sebastião Chicute,convém que se faça uma conceituação
mínima do que seja Literatura de Cordel. Luis da Câmara Cascudo, Literatura de
Cordel, em seu Dicionário de Folclore Brasileiro, classifica Literatura de
Cordel como sendo uma
“denominação dada em Portugal e difundida
no Brasil, referente aos folhetos impressos, compostos em todo o Nordeste e
divulgado pelo Brasil. (...) Literatura popular impressa que se reconhece
também na França pela denominação de
liiterature de colportages, literatura ambulante. A literatura de cordel desses
paises emigrou para o Brasil ingressando
no patrimônio de cultura oral..(Cascudo, 2001p.332)
A literatura de cordel teve sua origem na
prática da oralidade. No Nordeste brasileiro registram-se as cantorias
oitocentistas, eram poemas guardados na memória de antigos poetas, registrados
por folcloristas, ou reconstituição de folhetos relatando grandes pelejas.
Tem-se como pioneiro da cantoria, o poeta Agostinho Nunes da Costa (1897 a
1858), provavelmente, houve cantadores antes dele, mas o mesmo figura como
fundador dessa categoria de poeta popular. Por outro lado, os primeiros
folhetos impressos no Brasil datam do séc. XIX, sendo considerado os pioneiros
do cordel impresso Leandro Gomes de Barros e Francisco das Chagas Batista, na
serra do Teixeira, na Paraíba. (Abreu, 1999 p. 74)
Outro aspecto que vale a pena ressaltar,
em relação à Literatura de Cordel, é quanto à temática. Para Dourado:
“Os cinco temas mais freqüentes na
classificação popular da literatura de cordel são os seguintes: romance,
desafio, valentia, encantamento e gracejo. (Dourado,2009)
Na obra de Sebastião
encontra-se o tema encantamento, exemplo do cordel sobre a Pedra Aguda e
encontra-se gracejo em alguns versos, ou em algumas estrofes dentro de cordéis
específicos, como por exemplo o cordel “ Os dez beijos” do qual se selecionou a
seguinte estrofe:
Beijar na Barriga é bom
Precisa muito cuidado
O exagero demais
Deixa o homem apaixonado
Paixão fora do limite
Pode não ter resultado
Segundo, ainda, o mesmo autor,
Ariano Suassuna classifica, sinteticamente, a Literatura de Cordel nos
seguintes ciclos temáticos: histórico, heróico, moral/religioso, satírico e
maravilhoso, entre outras variações.
Por sua vez, para o professor
Gilmar de Carvalho, estudioso do Assunto,
"a divisão em ciclos não é a forma mais adequada para se encaixar esta
fértil produção cultural - além de reducionista, a classificação empobrece a
compreensão real do cordel. Para efeito didático, no entanto, é possível
apontar alguns dos temas presentes com maior intensidade nos livretos, bem como
os mais representativos para o Estado: a religiosidade, o cangaço e a seca, por
exemplo, além de personalidades recorrentes como Padre Cícero e Antônio
Conselheiro". "São temas que refletem a nossa realidade, contaminados
pela nossa visão de mundo", explica o pesquisador.
Análise do
professor Eduardo Ditahy Bezerra de Menezes, intelectual dos mais respeitados
no estado do Ceará, citado por Dourado, discorrendo sobre a temática do cordel
é enfático: "A quase
unanimidade dos que se debruçaram sobre a Literatura de Cordel - ou «Literatura
Oral», como querem Câmara Cascudo e outros folcloristas nas pegadas do
estudioso francês Paul Sébillot - propôs uma classificação por temas do
material que compõe esse gênero de produção da cultura popular nordestina.
Ditahy explicita que "uma das raras exceções nesse domínio foi a de Mário
de Andrade que, em seu curto ensaio «O Romanceiro de Lampeão», limitou-se a
constatar, nisso porém simplificando demasiadamente as coisas: "O cantador
nordestino tem duas formas principais de poesia cantada: o Desafio e o
Romance." Complementa o mestre cearense Eduardo Ditahy: "nesse
terreno, tudo se passa como se, à primeira vista, o estudioso quisesse
demonstrar a sua competência rejeitando as tipologias dos demais e construindo
a sua própria classificação mediante alguns arranjos e acréscimos. (Dourado, 2009)
5.2 A Obra Literária
do Mestre Sebastião Chicute
A literatura de cordel, componente da
grande área da literatura oral, está presente na arte do mestre Sebastião
Chicute. Ele afirma em seus diversos depoimentos que os
primeiros contatos com o cordel foi ainda na
juventude. É o próprio mestre que
afirma:
“Naquele tempo, pouca gente sabia ler. E
eu como sempre fui conversador, as pessoas pediam – ler aí Bastião, um romance
pra nós ouvir. Nesse tempo não tinha televisão, hoje tem a televisão, os
programas, as novelas, mas naquele tempo tinha o rádio mas nem era em toda
casa, pegava ruim era uma chiadeira, então a gente lia romances, como era
chamado o cordel antigamente. Eu nunca tinha ido a escola, mas aprendi a ler
devagarzinho com a carta de ABC e já dava pra ler os versos. Foi aí que aprendi
a escrever cordel, embora só na década de 60 tenha escrito o primeiro verso.
Escrevia uma poesia, aqui, acolá, tirava coco com os colegas, mas escrever
verso só foi depois. Agora é que tenho escrito mais versos.”
Ao analisar-se a produção poética de
Sebastião Chicute, percebem-se algumas linhas temáticas. Grande parte de sua
obra está dedicada á temática da religiosidade católica, depois vem a temática
da política, também, a questão da violência, as questões inerentes ao amor, aos
animais e à história.
Como católico praticante, em dado momento
de sua vida, ativo participante das atividades da Igreja, como membro do movimento
Encontro dos Casais Com Cristo, Sebastião, muitas vezes, na ausência do padre,
era chamado para “encomendar corpos”, função hoje desempenhada pelos Ministros
Extraordinários da Eucaristia. Por sua formação religiosa e intensa
participação na Igreja, escolheu essa linha, como componente de sua produção
literária. A respeito dessa temática, Kunz, afirma:
“Dentro da literatura
de cordel, a temática religiosa constitui um ciclo importante. De fato, poucos
folhetos deixam entrever algum sinal de anti-clerismo. Inúmeros abordam
unicamente assuntos religiosos: vida de santos, relatório de milagres, ABC da
missa, profecias...Em quase todos há traços evidentes da moral católica, a
maior parte contém uma exortação ao bem, revelando quase sempre, temor a Deus e
respeito à Igreja.” (Kunz, 2001p.10)
Na verdade, a religião, especialmente o
catolicismo, tem sido fonte de inspiração para o poeta popular, ao longo dos
anos, um exemplo disso é o grande número de folhetos sobre o Pe. Cícero, frei
Damião etc. Por outro lado, as festas de padroeiros, nos diversos rincões do
pais, têm sido espaços utilizados por cantadores para fazerem suas
apresentações e os autores de Literatura de Cordel têm realizado suas melhores
vendas como afirma Alberto Porfírio ( Porfírio 1978: 25). É verdade que, a
partir dos anos 80 a Literatura de Cordel ganha os espaços urbanos e,
consequentemente, ganha o público universitário, expandindo assim o seu espaço
e a sua temática. O que não invalida a tese de Alberto Porfírio que faz essa
observação no final da década de 70.
É exatamente o que acontece com a obra de
Sebastião Chicute, que é influenciada, fortemente, pelo catolicismo popular,
haja vista diversos cordéis de sua autoria serem, exatamente, nessa temática,
sobressaindo-se a vida dos santos. Pode-se dizer que foi o tema que mais recebeu atenção do cordelista
em sua obra de 50 folhetos publicados, sobretudo, nos últimos anos.
Na área relativa aos animais, ele
escreveu: O Jumento é nosso Irmão (2006) e Cordel dos Passarinhos (2007). Há
outros trabalhos com temáticas do amor, da violência e da política, da
história, oriundos do noticiário policial e violência; alguns por encomenda e
outros por iniciativa própria. Até o astro americano Michael Jackson recebeu a
atenção do mestre da cultura, com um cordel dedicado ao mesmo, após a sua
morte.
Para essa pesquisa foram escolhidos alguns
de seus principais cordéis, notadamente, os que versam sobre temas religiosos,
ecológicos e históricos, sobre os quais teceram-se considerações analíticas e
foram citados algumas estrofes como forma de melhor esclarecimento daquilo que
estava se tentando esclarecer. Inicia-se a presente análise pelos cordéis de
natureza religiosa.
5.3 Cordéis
de Cunho Religioso
Sebastião Chicute, como a maioria dos
poetas populares, em sua obra dedicada á religiosidade, também, escreveu sobre
o Pe. Cícero Romão Batista. Para Kunz, “A grande maioria desses folhetos
religiosos, versa sobre Padre Cícero, chegando a constituir um ciclo na literatura
de cordel” O fenômeno da exaltação de Padre Cícero na Literatura de Cordel
segunda a autora, dentre outros, ocorre,
“...como se fosse uma revanche poética sobre o
silêncio que cercou os movimentos religiosos surgidos entre meados do século
XIX e cujo traço comum foi o choque aberto entre a religiosidade popular e a
doutrina oficial da Igreja dominante” (Kunz, 2001 p. 14).
Como se percebe, mesmo
distante do núcleo de ação que propagou a figura de Pe. Cícero, a região do
Cariri, o mestre Sebastião Chicute participa desse ciclo, escrevendo, no início
do séc. XXI, mais um cordel sobre aquele que foi escolhido, no ano de 2000, o
cearense do século.
5.3.1
Cordel: A História de Pe. Cícero de Juazeiro do Norte
O cordel do mestre
Sebastião Chicute sobre a História do Padre Cícero de Juazeiro do Norte começa
assim:
Hoje resolvi contar
Através da poesia
A vida de padre Cícero
A hora o mês e o dia
Data que ele nasceu
Tudo de bom que fazia
Foi guia espiritual
Cuidava bem do seu povo
Curava deficientes
Trabalho que teve
aprovo
Quisera nós que voltasse
Pra tê-lo com nós de
novo
A vida de padre Cícero
Na poesia eu relato
Quero mostrar a verdade
Sem mentira e sem boato
Um grande caririense
Filho natural de Crato.
Portanto, o mestre Sebastião Chicute
participa, com seu trabalho, do chamado ciclo da Literatura de Cordel sobre Pe.
Cícero, considerando-se que o mesmo é atemporal.
Ainda no campo religioso, há vários
cordéis, dentre eles os que tratam da vida dos santos são a maioria. A pesquisa
teve acesso aos seguintes folhetos: Milagre de Santo Antônio de Pádua, A Decapitação
de João Batista, Cordel de São Francisco, o Debate de São Pedro com um Outro
Simão, o Mágico, A História de São Bento e seus Milagres, A História de São
Sebastião e Círio de Nazaré. Ainda na temática religiosa, tem ainda os cordéis:
Frei Damião, Religião e Cultura, Lembrança do Papa João Paulo II e Dados da
Paróquia de Capistrano e a Despedida de Pe. Bernardo, fechando, assim, o grupo
de versos do tema da religião.
Figura
14: Capa do cordel de Padre Cícero
Um ponto comum em todos esses cordéis é
que são escritos em sextilhas, método mais tradicional no cordel, isso no campo
da métrica. Já do ponto de vista do enredo, são histórias de louvação aos
santos baseados em fontes diversas, desde a Bíblia Sagrada, como a histórias de
santos, cujos autores o mestre prefere não revelar.
Para analisar, apenas, uma mostra dos
diversos folhetos acima apresentados, na área da religiosidade, optou-se por
analisar mais dois folhetos, os folhetos escolhidos foram: o Círio de Nazaré e
o Debate de São Pedro com um outro Simão, o Mágico. A razão dessa decisão, é,
primeiro, Círio de Nazaré que trata de um tema que, ao mesmo tempo, é religioso,
como também histórico e cultural. Como já foi revelado, o Círio de Nazaré é uma
espécie de réplica do Círio de Belém do Pará, que se constitui em um dos
Patrimônios Culturais Imateriais do Brasil. E, se assim o é, o Círio de Nazaré
de Capistrano se constitui, também, uma referência da cultura imaterial local,
embora não tenha sido tombado pelo município que seria o ente republicano,
diretamente, ligado ao mesmo, que poderia fazê-lo ou poderá fazê-lo no futuro.
Por outro lado, o cordel sobre São Pedro é tema religioso, mas de natureza
cômica.
5.3.2
Cordel: Círio de Nazaré
O cordel Círio de Nazaré é uma espécie de
louvação a Maria e, ao mesmo tempo, uma divulgação e convite para a festa do
Círio de Capistrano. Começa, como é de costume, entre os cordelistas, pedindo a
Deus inspiração para escrever o verso. No caso específico o autor começa assim:
Ó Deus, mostrai vossa
face
Com a verdadeira luz
Mandai o Espírito Santo
Com a graça que conduz
Pra neste verso eu
falar
Na santa mãe de Jesus
Por se tratar de Maria, a tradição Católica
é que sendo Maria mãe de Jesus, é também Mãe de Deus, como determinou o dogma
do Concílio de Éfeso de 431, publicado pelo Concílio de Calcedônia de 451
(Fasanella, 2002: 18) e por conseguinte mãe de todos, enveredando por esta
linha da maternidade universal de Maria, realizar em outras estrofes várias
louvações a Mãe de Jesus, o que se compreende pela tradição católica, cuja
história de devoção popular que exprimia profunda incorporação de Maria ao
coração e ao imaginário de quem não era da hierarquia da Igreja, como artistas
poetas e monges (Hines, 2005: 12). Dentro desse contexto de devoção, ele
registra na estrofe seguinte uma relação daqueles que Maria é mãe que são: os
aflitos, os pecadores, os adultos e as crianças, os alunos e professores, os
menos favorecidos, os fracos trabalhadores, eis a sextilha:
Maria é mãe dos aflitos
Dos justos e dos pecadores
Das crianças e dos adultos
De alunos e professores
Dos menos favorecidos
Dos fracos trabalhadores
Na sequência, descreve o primeiro dia da
festa que se inicia com o hasteamento da bandeira, mas que na cidade é,
costumeiramente, chamado do dia em que se ergue o pau da bandeira. Veja a
estrofe:
Hoje nossa Capistrano
Nesta data costumeira
Em vinte e nove de agosto
Se ergue o pau da Bandeira
Para se comemorar
A festa da Padroeira
Encerrando o cordel, o poeta faz o convite
às pessoas dos municípios vizinhos e próximos como Itapiúna, Aratuba, Canindé,
Aracoiaba, Quixadá e Baturité, para a festa do Círio de Nazaré, como se ver a
seguir:
Você de Itapiúna
Aratuba e Canindé
Você de Aracoiaba
Quixadá e Baturité
Venha assistir nossa festa
O Círio de Nazaré.
5.3.2
Cordel: o debate de São Pedro com outro Simão, o mágico
Esse cordel conta uma história que teria
acontecido ao tempo de São Pedro.
Inicialmente, ele faz um breve histórico sobre São Pedro, recordando os
principais momentos de sua vida e em plena atuação de Pedro, já depois da morte
de Jesus. Esse encontro com um mágico, também, chamado Simão, que ao ser
desafiado por Pedro, também, Simão, teria ido para Roma, para a corte de Nero.
A primeira estrofe é a que pede inspiração a Deus, como é a tradição na segunda
ele comenta sobre os nomes de São Pedro: Simão, Bar. Jonas. Na terceira estrofe,
esclarece o significado de Simão, diz assim:
Esta palavra Simão
Quer dizer obediente
É o que se entrega a Deus
Mesmo estando doente
Ter amor a tudo enquanto
Mas em Deus primeiramente
Depois ele fala do significado do nome Pedro, conforme a tradição bíblica e
também descreve a passagem do Evangelho em que Jesus confia a fundação da
Igreja a Pedro, de cuja tradição a Igreja considera Pedro o primeiro Papa
(Mt.16,18). Todo o episódio é narrado, assim:
Depois
de ter confirmado
Conforme pesquisei
E Pedro quer dizer
pedra
E
para cumprir a lei
Minha Igreja nesta pedra
Nela confiarei
Na sequência algumas passagens bíblicas e
onde Pedro é focado, aparecem, como por exemplo, o episódio em que Pedro é
libertado da prisão por um anjo, narrado nos Atos dos Apóstolos ( At. 12,
6-19). Ele narra assim:
Sendo posto na prisão
Ficou aprisionado
E sofreu amargamente
Pelo guarda vigiado
Com a proteção de um
anjo
Da prisão foi
libertado.
Feitas as considerações sobre Simão Pedro,
agora, a partir da estrofe de número 20, surge no cordel o tal Simão mágico e
na estrofe 22 ele descreve de quem se tratava:
A história deste
mágico
Com o nome de Simão
Vivia enganando o povo
Aquela população
Com esta falsa magia
Enganava qualquer
cristão
Qualquer estátua de
bronze
Fazia rir e falar
Não tinha nada
impossível
Para ele não ajeitar
Era capaz de fazer
Um cão sorrir e cantar
Então o verso continua, informando que Pedro soubera da
existência desse outro Simão e procurou encontrá-lo, para saber exatamente de quem
se tratava. Marcaram, então, um encontro, que é narrado assim:
Pedro chegou pro debate
Por ser a primeira vez
Falou pra todos presentes
A paz esteja com vocês
O Simão mago chegou
E esta palavra desfez
No debate Simão disse
Faço o que quero fazer
Com a minha divindade
Com a força e o poder
Se achar que não é certo
Agora eu vou fazer
Pedro perguntou a ele
Qual a sua garantia
Transformar as pedras em pão
Só Jesus é quem fazia
Eu morro e não acredito
Na tua feitiçaria
Ao que parece, o mágico Simão não suportou
a autoridade moral de Pedro e tendo se achado perdido no debate, resolveu ir
embora, naturalmente, Roma seria seu destino, pois era a grande metrópole. O
narrador dá a ideia de que teria ido pra corte de Nero, como se ver na estrofe
a seguir.
Para não ser denunciado
E nem poder persistir
Jogou os livros nos
mares
Depois resolveu sair
Foi pra Roma e ficou lá
Pra Nero se iludir
Um possível encontro entre Pedro e Simão,
o mágico se daria em Roma, quando da perseguição de Pedro, é o que transparece
a estrofe seguinte, como que demonstrando que esses dois personagens além dos
nomes iguais tiveram encontros e desencontros em suas vidas.
Dizem que Simão e Nero
Queriam prejudicá-lo
Deus disse não tenha
medo
Eu mesmo vou consolá-lo
E quando estiveres
preso
Eu também vou
libertá-lo
Na última estrofe, vem a conclusão e a
justificativa da versão do poeta para aquelas vidas descritas, sugerindo que
quem achar que a história não existiu, que faça a sua pesquisa e não o condene,
pois afinal ele se baseou em outras fontes, que prefere ocultar, para fazer a
sua narrativa.
De tudo que pesquisei
Só pude escrever assim
A história de São Pedro
Não cheguei até o fim
Foi muito bem
pesquisada
Quem achar que está
errada
Não se queixe só de mim
Como se ver, a última estrofe é uma
sétima, ou seja tem 7 versos, o poeta preferiu assim pois é uma estrofe bem
elegante do ponto de vista sonoro e lhe dar mais recursos para a conclusão de
sua história.
Com esses três cordéis, finaliza-se o que
se denominou de cordéis de cunho religioso e passa-se aos cordéis de caráter
escolar. Preferiu-se o termo escolar por serem direcionados às escolas,
entretanto todos são de natureza educativa, na perspectiva da educação patrimonial,
na sua vertente imaterial.
5.4 Cordéis
de Cunho Escolar
Outra faceta da produção cordelista de
Sebastião Chicute é a da área educacional propriamente dita. Nessa área o
mestre atua fazendo palestras nas escolas, dando entrevistas para trabalhos
escolares e acadêmicos e escrevendo versos sobre encomendas. Registram-se, pelo
menos, dois cordéis e um poema nessa temática.
Conversando com Surdo-Mudo (sem data), Conselhos Escolares (2007)
5.4.1
Cordel: Conversando Com Surdo e Mudo
Conversando com Surdo e Mudo é um cordel
que discute à sua maneira, a inclusão que é um tema presente na escola. A
partir da Lei nº 93940/96, as pessoas com deficiência, em geral, passaram a ter
a garantia da inclusão na escola. Uma luta de anos, com várias vitórias ao
longo do tempo, foi consagrada, primeiro na Constituição Federal de 1988 e
depois na LDB. No que pese ser a inclusão um direito, a concretização desse direito
é uma outra luta que essas pessoas e suas famílias têm pela frente. Mas o poeta
chama atenção para a necessidade de se comunicar com essas pessoas, com gestos.
Diz ele:
Ninguém discrimina o
surdo
Por não ouvir nem falar
Todos merecem respeito
Precisa a gente ajudar
O que a natureza fez
Nós temos que aceitar
E conclui o cordel com uma estrofe de
sete versos, diferente das anteriores, de seis versos, direcionada a alunos e professores:
De tudo que prescrevi
Achei caso diferente
Quem tem tudo vive bem
E quem não tem é
carente
Alunos e professores
Fique sabendo senhores
Que surdo também é
gente
Pode-se, portanto, incluir esse verso no
elenco das ideias em prol da inclusão social, no caso de pessoas com
deficiência auditiva, um desafio para a educação.
5.4.2 Cordel:
Conselhos Escolares
A pedido da Secretaria de Educação
do Município, o mestre Sebastião Chicute escreveu um cordel, a partir das
orientações do setor para organização desses conselhos. O objetivo do cordel
era sensibilizar pais, alunos e comunidade, para a importância dos conselhos e
um texto em Literatura de Cordel é sempre bem aceito e de fácil compreensão.
A partir dos documentos e
textos dado ao poeta, ele elaborou o presente cordel que se inicia com esta
estrofe:
O programa nacional
Tem maior realidade
Tem o fortalecimento
Pra nossa sociedade
Na cultura brasileira
A bem da comunidade
Sobre a função de controle exercida pelo conselho o
poeta escreveu:
Apoio e controle público
Tenha mais atuação
Com esses órgãos de apoio
Tenha maior decisão
Pra um significado
No Brasil e na criação
E para os professores de
nossas escolas públicas o poeta é incisivo em sua defesa, já que são parte do
processo. Também, destaca a necessidade de formação e das escolas estarem bem
preparadas para os desafios da educação. Tudo numa única estrofe:
Precisa salários dignos
Formação continuada
Devem ser fortalecidas
Muito bem encaminhadas
Organismos sociais
Escolas bem preparadas
E conclui o pequeno cordel de
18 estrofes chamando atenção para a conscientização, da vontade de se implantar
e a nova prática que tais conselhos vão proporcionar;
Atuação consciente
É o que poderá plantar
Vai depender da vontade
A nova prática escolar
Este programa específico
Que vai proporcionar
5.5 Cordéis
Com Enfoque Ecológico
Há um conjunto de cordéis que
tratam de temas ligados á ecologia, de uma forma geral, desses trabalhou-se com
dois nesta pesquisa, são eles: O Aquecimento Global e o Cordel dos Passarinhos.
5.5.1
Cordel: O Aquecimento Global
O Aquecimento Global é um tema abordado
nas escolas, tanto na disciplina de Geografia, quanto nas outras disciplinas
dos temas transversais. É um tema que está na ordem do dia dos debates nas
escolas, universidades, na imprensa, na mídia, em geral, e na política, tanto
em nível nacional, como internacional. Está na agenda do dia, por ser um
problema que afeta a todos. A Literatura de Cordel não poderia se furtar de
abordar esse tema. Diz ele, assim, nas sétima e oitava estrofes:
Trata-se de catástrofe
Conforme
o aquecimento
Tendo
outras consequências
Por
sede, fome e tormento
Tem
muito choro e miséria
Com
furacão violento
Até os mares estão
Bem
lentamente subindo
Os
resultados são estes
Que
o mundo está sentindo
Calor
que a terra treme
E
chuva diminuindo
Já na estrofe de número 22, ele é
taxativo:
Furacões
serão mais fortes
Ciclones
e destruição
Haverá mais chuva e vento
Com grande evaporação
A terra não produz mais
E prejudica a nação
O trabalho é o resultado de
uma pesquisa feita pelo autor, ao que parece uma reportagem sobre a temática,
mas como é de praxe, o autor não revela suas fontes. Este tema como já foi dito
é importante tema transversal e está na ordem do dia nas escolas do ensino
fundamental e médio, tanto em salas de aula como em feira de ciências e
equivalentes. O cordel tem o privilégio de levá-lo para além da sala de aula,
para as residências, ou qualquer outro local.
5.5.2 Cordel
dos Passarinhos
O que se percebe é que
Sebastião Chicute, como os demais cordelistas, tem a sua participação em vários
ciclos, ou áreas da Literatura de Cordel, sendo destaque a da religiosidade.
Mas se percebe um destaque no mestre de Capistrano nos versos que faz sobre os
passarinhos o qual não está, pelo menos, a princípio, na relação dos chamados
ciclos do cordel registradas pelos estudiosos acima citados. O cordel, em
estudo, foi uma encomenda feita pelo pesquisador da área de literatura oral da
Universidade Federal de Campina Grande, Prof. Dr. Hélder Pinheiro. O Cordel dos
Passarinhos (figura 15) é uma obra prima de Sebastião Chicute na área da fauna
nordestina. Ele caracteriza, com muita poesia e estética, cada um dos pássaros
que conhece muito bem, fruto de sua observação meticulosa, demonstrando
conhecer, de perto, cada um dos personagens de seu poema ecológico. O Cordel
dos Passarinhos é mais uma contribuição do mestre Sebastião Chicute para a
educação patrimonial, pois além de ser um produto da Literatura de Cordel e
como tal está situado na área do patrimônio imaterial, é, também, uma
contribuição para o patrimônio cultural, pois a fauna brasileira está inserida
neste patrimônio. Para ilustrar o que se está afirmando, registraram-se algumas
estrofes do referido “verso”. A estrofe sobre o canção (Ibycter americanus):
Admirei o cancão
Entre cipó e graveto
Estando junto eles cantam
Imitam qualquer soneto
Tem olhos avermelhados
Papo branco e bico preto.
Quem conhece o pássaro cancão
o reconhece nessa estrofe, pois além de ser um pássaro que se refugia entre os
cipós da caatinga, também faz um grande coro quando está em dando ou em pares.
Por outro lado, o cancão do Nordeste brasileiro é preto e branco, como descreve
o poeta.
Um pássaro muito conhecido em
todo Brasil, o João-de-Barro (Furnarius rufus), é contemplado no cordel com a seguinte estrofe:
Admiro o João de Barro
Por ser muito inteligente
É um bom mestre de obra
Seu trabalho é competente
Começa a casa e termina
Sem precisar de servente
Como se sabe, o João de Barro
faz o seu ninho de barro. Na estrofe, além de ressaltar a “inteligência” do
pássaro, o autor o compara, diretamente, com um construtor, um mestre de obra,
com um detalhe, o mestre de obra, o pedreiro trabalha com um auxiliar que se
convencionou chamar de servente, enquanto para o autor, o João de Barro
dispensa o servente, faz sozinho sua casa.
Um
pássaro que pouco se ouve falar, o mestre resgata sua evidência e o traz para o
público jovem, sobretudo, o público urbano, que pouco conhece de nossa fauna.
Trata-se do pássaro fura barreira (Hylocryptus rectirostris), também, conhecido como do bico de latão. Diz
ele:
O velho fura barreira
Faz o seu ninho no chão
Lhes chamam de outro nome
Nos costumes do sertão
Aoa invés de fura barreira
Chamam bico de Latão
Percebe-se que
o autor conhece bem os pássaros de que fala, resgatando, assim, um conhecimento
que poucas pessoas têm hoje em dia, quer seja pelo fato da urbanização, quer
pelo processo de extinsão que está em marcha em muitas espécies, como dizem
relatórios de especialistas e dos órgãos
de proteção, publicados pela imprensa a cada ano.
Em algumas
estrofes, o autor traz além da descrição do pássaro, aquilo que seu canto
representa para o sertanejo. Temos dois esxemplos o do vem-vem (Purple-throated
euphonia), que avisa a chegada de visitas e o xexéu (Cacicus cela) pássaro que anuncia notícias novas.
Vejam como ele descreve estas tradições, começando pela estrofe do vem-vem.
Na cantiga do vem-vem
Tem gente que acredita
Cantando ao redor de casa
Com a voz fina e bonita
O dono da casa diz
Hoje chega uma visita
Analisando a
estrofe dedicada ao pássaro xexéu:
Eu admiro o xexéu
No amnhacer do dia
Passa por cima da casa
Cantando com alegria
Sempre trazendo notícia
Do que ninguém não sabia
No caso do xexéu,
por ele “trazer notícia”, como afirma o autor, essá nem sempre pode ser boa,
daí porque é um passaro que algumas pessoas têm um certo preconceito,
exatamente, por poder trazer uma má notícia.
E finaliza o
seu cordel de 30 estrofes com uma sextilha e uma sétima nas quais recomenda não
maltratar os passarinhos e, de sua aprendizagem com esses seres vivos, que,
vejam:
Não maltrate os passarinhos
Tenham deles compaixão
São eles donos da selva
Tenha ele como irmão
São criaturas de Deus
Com direito ao mesmo chão
Falei em diversos pássaros
Em todos os
cordéis há um ensinamento, uma lição, um aprendizado, um saber popular. É desta
forma que os mestres da cultura, e, no caso específico o mestre Sebastião
Chicute contribui com o aprendizado de seu povo, das pessoas que o leem o
assitem, ele ensina com sua arte, no caso específico, com o cordel, muito da
cultura, da tradição, da história do seu povo. Esses conhecimentos, esses
saberes constituem parte do patrimônio imaterial de nossa gente, daí afirmar-se
que a obra, os saberes do mestre Sebastião Chicute são contributos para a educação
patrimonial. São saberes que a escola, muitas vezes, não dá conta. Por exemplo,
nesse verso do passarinhos há saberes que chegam aos leitores que jamais iriam
saber somente na escola, embora o folheto entre na escola e contribua, também,
com ela na educação mais prescisamente
na educação patrimonial das crianças e dos educadores também.
Figura 15: Capa do Cordel dos
Passarinhos
Não deu pra falar de tudo
Não quis falar só nos grandes
Coloquei grande e miúdo
Fiquem sabendo senhores
São eles meus professore
Com eles fiz esse estudo
5.6. Cordéis de Cunho Histórico
Em debate que
participou junto à turma da disciplina Ação Educativa Patrimonial, do Curso de
História da Universidade Estadual do Ceará, em 15 de julho de 2010, Chicute
afirmou que contar história era o que mais lhe fascinava. Talvez por gostar de
abordar temas em que prevaleçam histórias, de uma maneira geral, é que Chicute
conseguiu escrever um importante trabalho de cunho histórico. Trata-se do
romance: Os Primeiros Escravos no Ceará.
5.6.1 Cordel: Os Primeiros Escravos no Ceará
O Cordel Os Primeiros
Escravos no Ceará trata-se de um “romance”. Romance na linguagem dos
cordelistas é um verso com mais de 48 páginas. Esse Cordel tem 90 páginas, cada
uma com três estrofes, totalizando 270 estrofes. Para este pesquisador, essa é
a obra prima do mestre Sebastião Chicute. O cordel foi adquirido pela
Secretaria de Educação de Capistrano, em 2008, e distribuido para todas as
escola municipais.
Além do caráter quantitativo, que está presente no número
de páginas e de estrofes, há o aspecto qualitativo, que se evidencia no relato
baseado em pesquisas feitas pelo autor, e na compreensão histórica do processo
da escravidão, difícil de ser percebido por quem não conhece a história.
Na terceira estrofe, ele já demonstra conhecimento da História
do Ceará, no sec. XVII, diz assim:
Martin Soares Moreno
Depois de inaugurar
Mil seiscentos e treze
Quando pensou viajar
Subiu pelo Jaguaribe
A fim de colonizar
Depois mais uma vez ele acerta, tocando num importante
tema da História do Ceará, quando fala na escravidão dos índios:
Os índios foram os primeiros
A serem
escravizados
E sendo os primeiros escravos
Por caboclos eram chamados
Sofreram grandes maltratos
Dos fazendeiros malvados
Sobre a aquisição de um
escravo pelo senhor diz o poeta:
Sobre a compra de escravo
E a grande transação
Então o mercado negro
Sem haver alteração
Cada negro cem mil reais
Era pago pelo patrão.
A maior parte do cordel, porém, fala do movimento
abolicionista, talvez porque a fonte que o autor utilizou em suas pesquisas
tenha sido um texto sobre os abolicionistas. Relata o nome de quase todos eles,
como nas estrofes 49 e 55 em que fala da fundação do centro Abolicionista e de
outros personagens do movimento abolicionista:
Sendo Barão de Studart
Junto a Meton de Alencar
Teodorico da Costa
Comendador exemplar
Centro Abolicionista
Decidiu participar.
Por conta dos coletores
Joaquim Agostinho Fraga
E Antonio da Silva Matos
Que quis preencher a vaga
Jurumanha e Gil Ferreira
Que a história consagra.
Dedica muitas de
suas estrofes às cidades, que emanciparam escravos, destacou-se nesta análise
as cidades de Acarape e Fortaleza, como se pode ver a seguir:
Acarape se antecipou
Sabendo o que se passava
Pois até em Fortaleza
Abolição aumentava
Já estava diferente
Do jeito que esperava
Acarape (hoje Redenção) foi a primeira cidade do Brail a libertar os
escravos, pelo feito o nome da cidade passou a ser Redenção. A libertação dos
escravos da cidade de Fortaleza é assim descrita pelo poeta:
Em desenove de abril
Mil oitocentos e oitenta e três
A poucos dias depois
Ainda no mesmo mês
Fortaleza ficou livre
Tudo de uma vez
No movimento abolicionista, o Ceará foi a primeira
província do Império do Brasil a ter seus escravos livres. Por essa proeza, o
Ceará recebeu de José do Patrocínio, expoente do movimento nacional abolicionista,
em 1884 título: “Ceará Terra da Luz”, conforme dizem os historiadores locais e
nacionais. A libertação dos escravos do Ceará é descrita em seis estrofes pelo
mestre poeta das quais destacamos:
A vinte e cinco de março
O tempo mudou o clima
Houve festas oito horas
Saudação de alta estima
As graças de Deus descendo
Com o poder que vem de cima
O poder Legislativo
Deu início uma cessão
Estava ali o presidente
E a sua comissão
Todo mundo dava viva
Parabéns abolição
Alé estava presente
Dr Sátiro de Oliveira
E o senhor Arcebispo
Abençoando a bandeira
Entidade ante-escravista
E Dom Joaquim José Vieira
Os que eram engajados
Uma enorme multidão
E numerosos discursos
E houve a declaração
O presidente Sátiro Dias
Terminou a oração
Ainda disse pro povo
O que devia fazer
Com esta declaração
Pra jamais acontecer
Escravo no Ceará
Pra nunca mais haver
Por uma necessidade
métrica e de rima, o poeta usa o nome do presidente da Provícia, Sátiro de
Oliveira Dias, de duas formas: na primeira o denomina de Satrio de Oliveira,
usando o penúltimo sobrenome, na segunda em outra estrofe o chama Sátiro Dias,
agora usando o último sobrenome.
Encerra o seu cordel dando destaque á libertação dos
escravos no Brasil fato que ocorre no dia 13 de maio de 1889. Diz assim:
A nossa escravidão negra
Em nível nacional
Era somente assinada
Em forma de edital
No dia treze de maio
Pelo seu memorial
Deus dê o céu por descanso
A quem teve esta intenção
De lutar pelos escravos
Em prol da libertação
Na balança de São Miguel
Junto a Princesa Isabel
Todos tenham a salvação.
Nesse último verso,
o poeta demonstra a sua tradição religiosa, que é manifestada mesmo em um
cordel não religioso, ao pedir a salvação eterna para aqueles que lutaram pela
abolição dos escravos, com desqtaque para a Princesa Isabel, regente do Império
que assinou a Lei Áurea.
Figura 16: Capa do Cordel Os
primeiros Escravos no Ceará
5.6.2 Cordel: Dados Históricos do Município de Capistrano
Esse cordel é bem completo, traz muitas informações sobre
o município, algumas leis são descritas com grande maestria, como a lei que
criou o município, a lei da intervenção, traz muitas datas importantes para a
história do município, só não tem uma sequência histórica. O poeta fica bem á
vontade para escrever o que acha ser mais importante, não interessando se a sequência
é temporal ou não. Assim ele fala do povoado e de seu fundador, do surgimento
do distrito, com a respectiva lei, da criação do município, da eleição etc.
Depois fala de outras eleições e volta á primeira e assim por diante.
A primeira estrofe trata do nome original de Capistrano,
Riachão da Lagoa Nova, diz assim:
O povo está me pedindo
Uma verdadeira prova
Com os dados do passado
Eu digo e ninguém reprova
Dizer por que foi cahamado
Riachão da Lagoa Nova
Depois, ele fala do fundador
do município, segundo a tradição histórica:
Nas terras herdadas do pai
O saudoso capitão
Timóteo Ferreira Lima
Que começou Riachão
Uma área produtiva
De uma grande dimensão
Sobre a reforma dos
municípios que se deu em 1933, no governo provisório de Getúlio Vargas sendo
interventor do Ceará, Menezes Pimentel, no qual o distrito de Riachão é
denominado de Capistrano de Abreu, numa homenagem ao historiador cearense. Na
reforma seguinte, 1937, o governo retira o sobrenome Abreu deixando só
Capistrano (Pinheiro, 2003). Esses episódios são descritos nas estrofes
seguintes:
Pelo que foi pesquisado
Fiquem sabendo vocês
Os fatos de Capistrano
O que o decreto fez
Sendo quatro de dezembro
Mil novecentos e trinta e três
Conforme o Decreto Lei
Do qual eu ainda lembro
Da lei que sancionou
Após o mês de novembro
Quatrocento e quarenta e oito
Sendo a vinte de dezembro
Continuando sua
descrição histórico-poética, o mestre Seabstião Chicute fala do primeiro
cartório, da lei que transformou o distrito em município, em 1951, da primeira
eleição, da eleição de cada prefeito, do falecimento do prefeito eleito
Francisco Nunes, no dia da posse em 1971, da fundação do Sindicato dos Trabalhadores
Rurais, também, em 1971, da intervençao que o município sofreu em 1979. Escolheu-se
para registro neste trabalho a estrofe na qual ele registra todos os prefeitos,
até o ano de publicação do cordel que foi, em 2008, posto que, em 2009, tomou
posse um novo prfeito, Claudio Saraiva.
A estrofe é a seguinte:
Chico Sales e José Roux
Tertulina e Dr. Mota
Zé Varisto e Antonete
Renan que sofreu derrota
Dr. Lúcio e o Abílio
Renato na mesma rota
Nos três últimos versos ele dá destaque ao prefeito de
então, segundo ele o seu candidato, aí o poeta não é nada imparcial. Vejam:
Falei de todos prefeitos
Acho que falei exado
Não posso é usar mentira
Nem fuxico nem boato
Mas temos que agradecer
O trabalho de Zé Renato
Não falei mal de nenhum
A todos desejo paz
Pra se falar do presente
De quem fez e quem desfaz
Difícil é outro fazer
Como Zé Renato faz
Graças a Deus Capistrano
Hoje está mais diferente
Tem festa para idosos
Creche pro adolescente
Tem escola, água e luz
Vamos pedir a Jesus
Tempo bom futuramente.
Ao encerrar, ele usa novamente a septilha, mas comete um
pequeno deslize ao dizer que tem creche para adolescente, na verdade as creches
são para as crianças, mas como é cordel, é perdoável.
Figura 17: Capa do
Cordel Dados Históricos do Município de Capistrano
Por último, em
relação aos cordéis de cunho histórico aqui descritos, observa-se uma grande
pesquisa do poeta, algo muito importante, quando se trata de alguém que nunca
frequentou a escola, mas sabe da importância da pesquisa, de ter fontes para as
suas histórias, embora tenha como hábito, ocultá-las o que é normal na
atividade dos poetas de banca, produtores da literaturra de cordel.
5.7 Cordéis de Cunho Jornalístico/Sensacionalista
Deve-se registrar que como todo cordelista, Sebastião
Chicute tem se dedicado a temas oriundos da mídia local e nacional. Geralmente
são temas ligados à violência, que são muito procurados pelo público. Isso faz
parte de uma tradição no cordelismo brasileiro pois antes do advento do rádio e
da sua popularização, o cordel era uma espécie de jornal popular, descrevendo
fatos que eram noticiados pelos jornais e que tinham apelo polpular. O maior
exemplo dessa fase é a morte de Getúlio
Vargas que foi tema de cordel de diversoso poetas de banca.
Nessa linha Sebastião Chicute escreveu: “A morte de Dois
Inocentes de Itapiúna”, o Monstro que Degolou sua Namorada em Aratuba, fatos
ocorridos em dois municípios vizinhos a Capistrano. Ambos foram de grande
sucesso de venda, segundo o autor.
Ultimamente, a mídia nacional tem divulgado fatos de
grande violência que tem se tornado clamor nacional a exemplo do caso Isabela,
uma criança que teria sido jogada da janela de seu apartamento, na cidade de
São Paulo (figura 18). Esse fato foi
bastante noticiado pelos meios de comunicação, virando um certo clmaor
nacional. A morte da menina Isabela foi tema de cordel pelo mestre Sebastião
Chicute, sendo, como aqueles anteriores, um dos mais vendidos nos últimos
tempos pelo autor.
5.8 Capas e Impressão dos Cordéis
A tradição de capas de cordéis com xilogravuras, comuns
nos anos 1940 e 1950, deixou de ser empregada nos dias atuais, na maioria dos
cordéis no Ceará, com excesção de um grupo de cordelistas tradicionais, na
cidade de Juazeiro do Norte, sul do Ceará, segundo dados da imprensa local. A
xilogravura era cunhada em madeira mole, como uburana e outras que perimitiam o
corte com estilete, ou simplesmente o canivete do xilógrafo. O mestre Sebastião
Xicute não costuma usar xilogravura em seus cordéis, devido à inexistência desse
tipo de artesão em Capistrano, somente dois de seus cordéis têm capa com
xilogravura, são eles o Cordel dos Passarinhos (figura 14) e o Cordel o Jumento
nosso Irmão, ambos confeccionados na cidade de Campina Grande, pela Editora
Bagagem, de propriedade do Prof. Hélder Pinheiro, natural de Capistrano e que
encomendou os folhetos, portanto, são edições especiais.
Os cordéis do
mestre Sebastião Chicute têm por ilustração figuras, fotografias que tenham
alguma relação ilustrativa com o tema, às vezes, o próprio protagonista da
história como é o caso da menina Isabela (figura 18), um cordel sobre o cantor
falecido, Leandro, sobre políticos como é o caso de um cordel sobre o
ex-governador do Ceará Lúcio Alcântara, etc. Mas há figuras de artistas que
ilustram um cordel, mas nada têm de relação com ele, como é o caso da capa do
cordel, Quer Sofrer Viva Só, cujo jovem que está na capa é uma figura retirada
da internet.
Para temas do
noticiário nacional, sobretudo de tragédias, como é o caso de Isabela, a
internet é a grande aliada do autor, que comparece à lan house local e é abastecido das notícias que servem de fonte de
inspiração para a sua história. Também, a grande aliada do cordelista, o que
parece ser uma tendência, são os recursos da era digital, como é o caso do
computador e de seus equipamentos complementares: as impressoras, scanners,
etc. Atualmente, todos os folhetos do mestre Sebastião Chicute são digitados e
impressos em gráficas rápidas. Como já se falou, a grande vantagem é a possibilidade
de imprimir um pouco de cada título, e, de acordo com a demanda, poder-se
imprimir mais.
Figura 18: Capa do
Cordel “Caso Isabella Nordoni.”
O recurso tecnológico, também, possibilita a modificação
de trechos, versos, palavras e erros cometidos pelo autor, ou pelo digitador, o
que não acontecia na impressão gráfica, cuja edição só compensaria se fosse em
grande tiragem, e, no caso de erro, ficaria a correção para outra edição, sendo
ruim para o cordelista.
5.9 Considerações Finais do Capítulo
Antes de finalizar este capítulo uma questão deve ser
registrada, a atualização do cordel, que acompanha o desenvolvimento
tecnológico. Além de beneficiar-se com as imagens midiáticas, o cordel beneficia-se
do computador e de seus assessórios. Antes o cordelista tinha que encomendar
uma grande quantidade de cordéis em uma gráfica, agora com as gráficas rápidas,
os cordelistas vão imprimindo a quantidade, de acordo com a demanda e quando
precisam mais, os originais estão gravados nos computadores. Apesar de este não
ser tema do interesse desta pesquisa, optou-se por registrar este fato.
Por último, pode-se dizer que a permanência da Literatura
de Cordel, na atualidade, é um fato concreto e apesar de haver aqueles que
preferem o método antigo de impressão de cordel em tipos, daí o termo
tipografia, a proliferação dos computadores, ao contrário, está contribuindo
com a facilitação da continuidade da produção cordelista pelos poetas de banca
na atualidade. Usando os meios eletrõnicos para digitar e imprimir seus
cordéis, os poetas estão conseguindo manter suas publicações, mesmo em pequenas
quantidades, mas, sem dúvida, estão proporcionando a manutenção e atualização
da literatura de cordél que ganha nova força na atualidade. Desse modo,
contribuem concretamente com a educação patrimonial imaterial, em muitos
aspectos, tanto mantendo o estilo, a tradição métrica e poética, como abordando
temas os mais diversos da atualidade, fazendo com que essa literatura permaneça
atual e viva na atualidade.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A educação patrimonial constitui-se tarefa
da sociedade como um todo. Em todos os níveis sociais, em todos os espaços da
sociedade, em todos os movimentos sociais, em todos os grupos sociais, onde
quer que haja, desenvolva-se, nutra-se uma atividade cultural, há necessidade de
desenvolver-se elementos da educação patrimonial. Essa relação da educação patrimonial
com a atividade cultural é natural, uma vez que o homem é um ser histórico e
como tal, todas as suas relações sociais e culturais estão de algum modo
relacionadas.
Dentro desse diapasão, pode-se dizer que a
educação patrimonial, no campo da imaterialidade, do patrimônio intangível, na
forma da convenção da UNESCO de 2003, de uma maneira difusa, acontece quando
uma pessoa, ou um grupo desenvolve uma atividade cultural, em especial, uma
atividade relacionada á cultura popular, pois assim, contribui com a propagação
daquela atividade, proporcionando aos outros a socialização, o conhecimento
daquele atividade. No caso da pesquisa realizada com o mestre Sebastião
Chicute, identificou-se que a sua ação como mestre de reisado e poeta popular, no
campo de Literatura de Cordel, é fundamental para a educação patrimonial,
imaterial, intangível, do seu entorno social, em princípio, definido pela área
da cidade de Capistrano, mas ampliado na medida em que sua atividade é
expandida. A área de abrangência do raio de ação emitido pela atividade
cultural do mestre da cultura é difícil precisar, de uma forma matemática,
entretanto, pode-se dizer que onde e por onde
chegar um produto cultural oriundo da criação do mestre Sebastião
Chicute, há nela um quinhão de contribuição para a educação patrimonial de
cunho imaterial, pois aquela atividade representa um saber aprendido de uma
tradição, muitas vezes, de caráter ancestral, que dificilmente o saber escolar,
na forma como a escola está organizada, concebida irá atingir.
Não que a escola não tenha competência
para tal, a escola é o espaço essencial para a transmissão do conhecimento, é
um espaço privilegiado para ensinar e aprender. Mas na tarefa da educar, a
escola não está sozinha, não é a única, apesar de ser a principal. E quando se fala em educação
patrimonial, esta área ainda não se constituiu como disciplina escolar, é uma
importante área transversal que se desenvolve
de forma multidisciplinar, sendo privilegiada por natureza curricular
nas disciplinas História, Literatura,
Geografia, e principalmente, Arte e Educação.
As manifestações culturais, através de
seus agentes, de seus produtores e por si só, promovem, de algum modo, uma
contribuição para a educação patrimonial. Pois as manifestações culturais são
criadas e recriadas na dinâmica do fazer cultural de seus agentes.
Ao produzir e divulgar um folheto de
cordel, seja declamando-o em praça pública, ou em um espaço qualquer, seja
publicando-o para leitura de outros, alhures, o poeta popular, além de está
levando a sua mensagem, a sua visão de mundo, os seus ensinamentos, está
transmitindo uma linguagem poética, no caso, de caráter popular, oriundo dos
tempos imemoriais, que ele aprendeu com outros poetas, numa transmissão quase
sempre oral e que a transmite para a sua geração e gerações futuras. Além do
modo de fazer, em relação ao cordel, que já se constitui por si só, patrimônio
imaterial, quando usa essa técnica, pode-se dizer milenar, para tratar de um
tema histórico, cultural, de temas do cotidiano ou da religiosidade popular,
também, está difundindo a cultura imaterial do seu entorno e de seu universo
imaginário.
Do mesmo modo o faz na brincadeira de
reisado, ao manipular as figuras, ao dançar, ao cantar cantigas decoradas, mas
reelaboradas, ao recitar seus relaxos, versos improvisados ou decorados, ao
criar e recriar na dança dramática que é protagonista, traz, de forma fecunda,
uma contribuição essencial para a preservação daquela atividade cultural, da
qual é portador, é sabedor e domina com maestria. Nesse ato, ele reaprende e
ensina. Reaprende ao ensaiar e apresentar várias vezes ao longo de sua vida e
ensina, tanto aos seus companheiros de grupo, como a assistência e, de maneira
difusa, leva aquele conhecimento aos seus assistentes, que, por sua vez,
aprendem cada uma, de acordo com o seu interesse, e seu nível de captação. Isto
é educação patrimonial não formal, extraescolar.
É percebendo esse aspecto mais amplo do
conceito de educação patrimonial, associado ao conceito de patrimônio imaterial,
que se defendeu, ao longo desta pesquisa, que a atividade cultural de um mestre
da cultura na qualidade de “ tesouro vivo”, como é o caso de Sebastião Alves
Lourenço, contribui significativamente par a ampliar o processo de educação patrimonial,
de maneira informal, extraescolar, fora dos muros da escola, mas, também,
dentro dela, quando é convidado para palestras, quando seus folhetos são lidos
ou estudados, na escola, ou quando ele se apresenta com seu grupo de
reisado no espaço escolar
No caso específico, tudo isso acontece, no
município de Capistrano onde é seu “locus
vivendi”, onde o mesmo se insere na vida cotidiana da cidade e é parte
dela, de sua cultura e de sua história.
Como foi dito ao longo deste trabalho, a
Educação não acontece somente na escola, embora seja ela o lugar privilegiado
para a aprendizagem. Mas a educação, além de ser uma criação humana e de
preceder à escola, ela ocorre em todas as atividades de convivência social.
Partindo desse pressuposto, a educação patrimonial não é diferente, também, acontece
educação patrimonial, quando se está realizando atividades culturais.
Em todos os momentos da pesquisa, seja ao
se analisar a história de vida do mestre Sebastião Chicute, seja ao analisar
sua atividade como mestre de reisado, ou ainda, a sua função como representante
da poesia popular na Literatura de Cordel, percebe-se a sua grande contribuição
na divulgação da cultura e nas tradições populares, no seu espaço, como
cidadão, como mestre, como, por que não se dizer professor daquilo que é a sua
arte? Isso é, sem dúvida, uma contribuição, informal, mas significativamente
válida para a educação patrimonial imaterial, de sua região e do seu estado,
daí porque ao reconhecer nele tal contribuição a Secretaria de Cultura do
Estado do Ceará concedeu-lhe o título de Mestre da Cultura Popular Tradicional
do Estado do Ceará. Esta é a conclusão deste trabalho, confirmada ao longo da
discussão que ora se finda.
SUGESTÕES
PARA NOVAS PESQUISAS
Fica a sugestão de serem estudados todos
os mestres da cultura do estado do Ceará, entendendo-se aqui aqueles 60
componentes do grupo de mestres escolhidos pela SECULT, desde 2003, que estão
vivos e os que já faleceram. Ao priorizar-se o estudo dos mestres da cultura do
Estado, não se está negando a existência de outras pessoas com igual valor para
a cultura e a educação patrimonial, podem ser feitos com todos aqueles e todas
aquelas que têm qualidades similares, é que esses são os que têm mais
visibilidade no momento, devido ao título que ostentam. O cerne da questão,
portanto, está no estudo e na sua correspondente socialização dos portadores da
cultura tradicional popular, como forma de contribuir para a educação patrimonial,
no campo do imaterial no estado do Ceará e no Brasil.
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entrevistado:
Sebastião
Alves Lourenço – Sebastião Chicute – Mestre da Cultura
Documentos:
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Alves,
Francisco Artur Pinheiro. Educação Patrimonial. Programa de disciplina – Curso
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Maranguape: 2008.
Notas
[1] Bastião, é como popularmente se chama Sebastião,
suprimindo-se a primeira sílaba do nome. No caso presente, o grifo é do pesquisador.
[i] Disponível em: http://portal.unesco.org/es/ev.php acesso
em 24/09/09
[ii]
Paulilo , Maria
Angela Silveira. Pesquisa Qualitativa. Disponível em:
http://www.ssrevista.uel.br/n1v2.pdf#page=136, acessado em 06/01/2010.
[iii] Duarte, Rosália . Pesquisa
Qualitativa: Reflexões Sobre O Trabalho De Campo Departamento de Educação da Pontifícia
Universidade Católica do Rio de Janeiro. Disponível em: In: http://www.scielo.br/pdf/cp/n115/a05n115.pdf.
Acessado em 06/01/210.
[iv] História
Oral, o Trabalho do CPDOC da Fundação Getúlio Vargas: disponível em: http://cpdoc.fgv.br/acervo/historia oral. Acessado em 05/01/2010.
[v] Meihy , José Carlos Sebe Bom. Mas o que é mesmo
história oral?! - Núcleo
de Estudos em História Oral, Neho – USP. Disponível em: www.sescsp.org.br/sesc/conferencias/.../Sebe_Bom_Meihy.doc.
Acessado
em 05/01/2010.
[vi] A revista Círios registra o Círio de
Nazaré de Belém do Pará, e todos os Círios que acontecem no mundo inteiro, com objetivo de integrar todos estes povos que
a partir de uma inspiração com o Círio de Belém, realizam festas similares em suas regiões, embora
nenhuma na proporção da festa do Pará.
[vii] Fonte Ata de fundação da Academia Capistranense de Letras e Artes.
[viii] Citar alguma pesquisa que fale deste assunto....
[ix] VITALINA. É a moça velha que não casou, que ficou no caritó.
Diz a cantiga popular: - "Bota pó, vitalina bota pó/ Que moça velha
não sai mais do caritó!" In:
http://www.soutomaior.eti.br/mario/paginas/dic_v.htm
[x] Letra da música vitalina, de Jackson
Do Pandeiro In:
http://www.clickgratis.com.br/letrasdemusicas/j/jackson_do_pandeiro/vitalina.html
[xi] Catirina: Em Conceição de Macabu,
norte do Estado do Rio de Janeiro, catirina é um mascarado, personagem típico
do Carnaval. Veste-se com uma máscara rústica, feita de fronha, uma roupa comprida,
uma lata e uma varinha de marmelo ou goiabeira. Bate na lata até que apareçam
moleques a impornulhar-lhe, aí a varinha vira uma arma de defesa.. Marcelo Abreu Gomes (RJ). Disponível
em: http://www.dicionarioinformal.com.br/buscar.php?palavra=catirina Acesso em 10 de
janeiro de 2010.
[xii] Sebastião Alves Lourenço, em conversa
com o pesquisador, por várias vezes fez esta afirmação.
[xiii] Sanfona; instrumento cujo principal
aspecto é o fole. Possui baixos e teclado. É também conhecido por: acordeom,
gaita, fole, etc.