Introdução
Neste artigo iremos explorar
os acontecimentos registrados pela revista Luta, da chegada do Padre Raimundo Simplício
ao Ceará, em 1949. São relatos de cartas e telegramas trocados pelo padre e Dom
Carlos Duarte Costa, bispo do rio de Janeiro da ICAB. Trata-se de uma oportunidade
de visitarmos este ambiente de dificuldade enfrentado pelo padre, que além da
falta de estrutura para iniciar seu trabalho pastoral, teve que enfrentar a
oposição ferrenha da Igreja católica Apostólica Romana, através da Arquidiocese
de Fortaleza e o Governo do Estado, via seus organismos policiais.
A
chegada do padre Raimundo Simplício e os desafios que o esperavam
Após ter sido ordenado e
passar por um estágio em Lages, Curitiba, junto ao bispo da ICAB, Dom Antídio
José Vargas, o Padre Raimundo Simplício de Almeida, está pronto para assumir o
desafio de instalar a primeira paróquia da ICAB no Ceará. Padre Simplício que
já tinha sido nomeado pároco da paróquia de São José, da ICAB, em Fortaleza,
viaja de navio para a capital cearense. O fato é registrado assim pela revista
luta:
“A bordo
do “Rodrigues Alves”, do Loyd Brasileiro, viajou para Fortaleza, no dia 27 de Maio
do corrente ano, o Padre Raimundo Simplício de Almeida, chegando lá no dia 4 de
junho.”
Aqui
chegando, não perdeu tempo, tratou de iniciar os trabalhos pastorais de
imediato. Para tanto contou com o apoio de diversos amigos. Um fato
interessante de registrar, é que a sua atuação vai ser no coração da cidade, no
centro de Fortaleza, bairro que, na época, era ocupado pela classe média da
capital. Ao contrário de hoje, o cetro, no final da década de 1940, era um
bairro residencial, embora também fosse comercial. Mas toda a cúpula do poder
público e da Igreja estava no centro da cidade: Sede do governo do estado, da
Assembleia legislativa estadual, do Poder judiciário e também do Arcebispado,
que na época, também tinha seu palácio.[2] Vejamos como a revista Luta,
relata os primeiros passos do padre Raimundo Simplício em fortaleza:
Dias
depois, começou o Padre Raimundo a funcionar, em uma modesta capela, armado na
residência de seus pais, à rua D. Tereza Cristina, n° 227, celebrou alguns
domingos, na residência do prof. Euclides Cesar, à rua Tristão Gonçalves, n°
730, crescendo cada vez mais a simpatia popular pela Igreja Nacional. Começaram
os batizados e casamentos; pedidos de Missa, na Associação dos Chaufeurs;
bênção de casas, e etc.
A
reação da Arquidiocese de Fortaleza, em relação a atuação do padre Raimundo
Simplício, em sua ação pastoral, alo novo no Ceará, não demorou, foi imediata. Não
sei se é oportuno, mas podemos lembrar da terceira lei de Newton, que diz: “a toda ação corresponde
a uma reação de igual intensidade, mas que atua no sentido oposto.
” Talvez, para este caso, envolvendo o Padre Raimundo Simplício e a
arquidiocese de Fortaleza, tenhamos que desconsiderar a expressão “ de igual
intensidade”, uma vez que o movimento contrário da Arquidiocese, contra o padre
Simplício era de muito maior intensidade, pelo tamanho e grandiosidade da
estrutura da Igreja Romana, consubstanciada pela Arquidiocese de Fortaleza.
Vejamos o trecho da revista Luta, que registra o fato:
Em vista
disso, a Cúria Metropolitana baixou o seguinte aviso ao clero e fiéis
“romanos”; “aviso n° 316. Da ordem do Exmo. Mons. Vigário Geral, aviso a todos
os católicos que não assistam a nenhum ato religioso celebrado pelo Sr.
Raimundo Simplício, pertencente a seita denominada “Igreja Católica Brasileira”
(do ex bispo do Maura), porquanto está o mesmo debaixo de severas censuras
eclesiásticas e peca mortalmente o católico, que, de qualquer modo de favorecer
tal heresia. (C.D.C. Can. 2316). Os Revmo. Vigários, Reitores e capelães comentem
este aviso nas missas do domingo. Fortaleza, 16 de junho de 1949. a) Padre
André V. Camurça, Secretário do Arcebispado. ”
Como se ver, oi uma reação
muito forte. Inclusive com ameaça de cometimento de pecado a quem assistisse ou
colaborasse com o padre e sua missão pastoral considerada uma heresia.
Percebemos que foi muito difícil o trabalho do sacerdote neste início. Vejamos
qual foi a sua atitude, da população e do Padre Simplício, particularmente
neste episódio do comunicado lido em todas as paróquias e instituições da
Igreja na capital, relatado pela revista LUTA, transcrevendo o Diário do Povo:[3]
A
resposta do Padre Raimundo não demorou. Eis como descreve o “Diário do Povo” de
Fortaleza, de 20 de julho de 1949; “Domingo último, perante numerosa
assistência, o ilustre sacerdote Raimundo celebrou mais uma missa, na
residência do Prof. Euclides Cesar, na Av. Tristão Gonçalves, n° 730. Muitas
famílias da Igreja Católica (Romana) ali compareceram, fugindo à disciplina que
as proíbe de assistir à missa em português, sob pena de excomunhão”, o ato
decorreu um ambiente de profundo respeito e compreensão religiosa. Padre
Raimundo Simplício proferiu, depois da missa, fervorosa prática, exortando o
auditório a imitar nossos patrícios do sul, que lutam, pela vitória da Igreja
Brasileira, independente do Vaticano. Estrepitosos vivas rebearam no recinto. Em
seguida pelo Padre Simplício, foi benzida a residência do prof. Cesar, que é
onde o ilustre Reverendo celebra, dominicalmente, até que se encontre um local
mais espaçoso para conter a multidão de curiosos e simpatizantes da Igreja
Católica, reformada para melhor. Cogita-se da celebração de uma missa, na
Associação dos Chaufers. O público está avisado com antecedência”.
Como se ver, foi tão grande a
expectativa de assistir a uma missa celebrada em Português, posto que na época
só se celebrava em Latim, que o comunicado assinado pelo Vigário Geral, não
sortiu efeito, pelo menos nestes dias imediatos à sua proclamação. É o que
podemos perceber. Entendemos que isto se deu, pela curiosidade de assistir a
missa em língua vernácula, pela novidade da nova igreja, uma igreja nacional e
também podemos relacionar a credibilidade do sacerdote, cercados por muitos
amigos que o apoiaram nesta missão tão difícil.
O fato de se está a procura de
um espaço maior para as celebrações, dar uma noção de que a ICAB, através do
padre Simplício, foi muito bem acolhida pela sociedade cearense, que não se
intimidou perante a arquidiocese, pelo contrário, a desafiou.[4]
Uma
nova investida para intimidar o padre Simplício
Foi difícil para o padre Raimundo
Simplício, realizar seu trabalho pastoral no Ceará. A cada dia surgia mais um
desafio. A Arquidiocese usava seu poder de influência junto ao governo, para
intimidá-lo, mas ele não desistia e, ao que parece, se entusiasmava mais com o
seu trabalho. Podemos inferir que esta postura da Arquidiocese, funcionava, também,
como estímulo desafiador ao padre. Por outro lado, tornava público o seu
trabalho, pois o colocava nas páginas dos jornais, principal meio de
comunicação da época. O novo episódio que ele enfrentou, foi uma denúncia junto
à polícia Civil, segundo a qual estaria usando a batina dos padres
Sacramentinos, que assim é relatada pela revista Luta:
“E a
Igreja Romana prossegue na perseguição à Igreja Brasileira.
Do
ocorrido no Ceará, recebeu Dom Carlos o seguinte telegrama, passado pelo Padre
Raimundo; “Acabo entrevistar-me Secretário Polícia Estado, esclarecendo pedira
meu comparecimento seu gabinete, em face telegrama Ministro Justiça, a quem eu
fora denunciado andar, nesta capital, veste talar Sacramentinos, embair[5] boa
fé do povo. O Secretário convenceu-se improcedência denúncia, declarando
responderia Ministro. Respeitosamente. a) Padre Raimundo. E assim diz o Padre
Raimundo, “falhou, mais uma investida dos funcionários de Roma”.
E conseguindo sair-se de mais este obstáculo,
padre Simplício, a meu juízo, se fortalece no seu desiderato, ou seja de
instalar e ampliar os trabalhos da ICAB no Ceará.
Dom Carlos acompanha, par e passo os acontecimentos
no Ceará, e mantém uma correspondência permanente com seu discípulo, dando-lhe
força e estimulando o seu trabalho. Em resposta ao telegrama recebido, escreve
Dom Carlos a Dom Simplício, em duas cartas. Vamos registrar os principais
trechos de ambas.
Na primeira, o fragmento que temos, é mais
sintético, mas igualmente encorajador e de repúdio ao Governo do estado. Diz
Dom Carlos:
“Resista
a todos e qualquer violência do Governo do Estado, preferido a prisão a
qualquer cessão dos nossos direitos de cidadãos livres, que não podem ficar
subordinados a um internacionalismo, que visa entregar a nossa Pátria ao
estrangeirismo. Não. Não podemos e não devemos ceder. Esta é a hora de lutar,
para libertar a nossa Pátria do jugo nefasto do Vaticano. Para a frente. ”
Na segunda carta, Dom Carlos
amplia o seu discurso contra o Arcebispo, dom Antônio de Almeida Lustosa, e
ataca, de forma furiosa, o Estado do Vaticano, procurando, como sempre fazia,
demonstrar que a Igreja Católica era uma instituição internacional, enquanto
que a ICAB, uma instituição genuinamente brasileira. Também, aproveita o
ensejo, para agradecer aos advogados que estavam dando apoio ao padre Simplício
nessas questões junto à polícia Civil do Ceará. Vejamos um pequeno trecho da
carta:
“Receba
meus calorosos parabéns, pelo modo com que se conduziu na defesa dos legítimos
interesses da ICAB, que são os interesses do Cristo e da Pátria. Continue assim
e dê o desprezo a êsse desavergnhado Dom Lustosa, que representa, como a Igreja
Romana (...) Cardiais, Bispos e Padres Romanos, juridicamente, falando não são
brasileiros, porque renegam a Pátria, em favor de uma Igreja, que põe os seus
interesses acima dos interesses da Pátria. Na pessoa do Prof. Euclides Cesar e
na do Dr. Germano Holanda, abraço o heroico povo cearense, nesta hora, em que
conto com ele, para o aniquilamento completo do Vaticano na nossa Pátria”.
Assim
nós encerrados este capítulo, no qual ficou evidente a que não foi nada fácil o
trabalho pioneiro do padre Raimundo Simplício de Almeida, pioneiro da ICAB no
Ceará. Diante das dificuldades eu temos hoje, estas dificuldades ainda existem,
mas, comparadas às que ele enfrentou, são bem mais leves.
Outro aspecto que quero
destacar e já fiz alusão, é o fato de a ICAB ter se instalado, na época, no
coração da cidade, disputando o espaço com a Igreja Católica, que não tinha
essa experiência de ter uma “concorrente” do mesmo rito, tão católica quanto ela.
A experiência até então, era da concorrência com as igrejas denominadas, à
época, de protestantes, como era o caso da Igreja Presbiteriana, que também se
instalou no centro da cidade, ao lado do Palácio do Governo.
Hoje, fazendo uma
comparação, esta disputa está se dando na periferia da cidade. A ICAB saiu do
centro da cidade, e foi para a periferia, para estar ao lado das camadas mais
vulneráveis da população da cidade.
Á
guisa de conclusão
Creio que os relatos aqui
relatados e nossos comentários, sejam interessantes, não só para a ICAB, no
Ceará e no Brasil, que busca conhecer mais a sua história, para assim traçar
novos rumos, como também é importante para a História da Religião no Brasil. Estamos
trazendo ao público, relatos de acontecimentos que ocorreram no Ceará e que
ficaram, como que, “hibernando”, até que fossem disponíveis para pesquisadores e
estudiosos da ICAB e da religião em geral, pudessem ter acesso e passassem a
manipular estas informações, como é o caso neste breve artigo.
Referências:
Revista Luta Nº 09, outubro
de 1949, trechos transcritos por Dom José Antenor da Rocha.
Alves, Francisco Artur
Pinheiro. Projeto Carqueija: Uma experiência de Educação popular e reforma agrária
da Igreja Católica. Campina Grande, Editora Bagagem, 2013.
______ Cisma na Igreja Católica.
O bispo de Maura e a fundação da Igreja Brasileira. Campina Grande, Editora Bagagem,
2021.
______ História do Ceará em
Cordel. Campina Grande, Bagagem, 2016.
Faria, José Airton de.
História do Ceará, Fortaleza, Edições ao Livro Técnico, 2007. 2ª edição.
[1]
Fonte de pesquisa deste texto: Revista LUTA, Nº 09, Outubro de 1949,
transcrição de Dom José Antenor da Rocha – datilografado.
[2] O
Antigo Palácio do Bispo, construído pelo governo Imperial para instalar o
primeiro bispo do Ceará, fora vendido por Dom josé de Medeiros delgado e hoje é
sede da Prefeitura Municipal de Fortaleza.
[3]
Aos que não são cearenses, vale a pena lembrar que o Diário do Povo, pertencia
ao advogado e jornalista Jáder de Carvalho, que era ateu e pertencia, ao
partido Comunista, quando de sua legalidade.
[4]
Não tenho nenhum dado para provar o que vou dizer, mas posso especular. Tenho a
impressão de que o maior choque provocado pela ICAB, em relação à Igreja
Romana, foi a celebração da missa em Português. Penso que isso foi muito
impactante e me arvoro a dizer eu este fato influenciou o episcopado
brasileiro, na decisão tomada pelo concílio Vaticano II, que encerrou com as
celebrações em latim e passou a celebrar em língua vernácula, seguindo assim,
neste particular, à ICAB.
[5]
Não consegui entender este termo. Creio que foi datilografado erroneamente.